19 de março de 2008

Pague para Comprar, Reze para Sair - Parte Final

(leia a parte I aqui)


Fui pagar. Aí que começou o drama. Parei na fila do caixa menos lotado e esperei. Como a molecada não tem dinheiro para ir numa balada, gastando seus preciosos centavinhos no mercado, eles precisam fabricar um “ficódromo” nessa realidadezinha medíocre, e o local escolhido para isso é a fila do caixa.

Então, não é difícil ver um casalzinho se chupando ali. Eu não sei o que tem de tão erótico num ambiente repleto de pilhas, revistas de fofocas e aparelhos de barbear pendurados, e com uma funcionária do supermercado perguntando se é débito ou crédito. Mas para eles, isso deve ser altamente excitante. O problema é que eles se empolgam, os hormônios explodem, a sensualidade aflora, os lábios se tocam... E a porra da fila não anda. Aí, dá-lhe Rob Gordon enfiando o carrinho nos adolescentes e fazendo aquela cara de “puxa, desculpe, não vi que você estava aí”.

E, enquanto eu esperava minha vez, em meio daquela suruba juvenil (o casal da frente dando mordida no pescoço; o casal de trás chupando orelha; eu pensando se comprava um Sonho de Valsa ou um Ouro Branco) meus pensamentos foram interrompidos por um barulho estridente vindo da direção do caixa ao lado do meu. Barulho de algo se quebrando. Algo de vidro.

Na mesma hora, o cheiro de vinho barato se espalhou no local.

Dito e feito. O Pão de Açúcar não tinha mais piso, tinha vinho e cacos de vidro. Em pé, no meio disso tudo, um dos moleques, com uma sacola rasgada na mão. Com o mercado todo olhando, ele ficou da cor do vinho e começou a brigar, gritando “que a sacola estava rasgada, que isso é uma falta de respeito, que vou querer outro vinho de graça, pois é meu direito”. E o cheiro de vinho se alastrando pelo mercado.

Que preguiça desse moleque. Só faltou ele começar a gritar que é tudo culpa da Rede Globo e que ninguém deveria mais comer no McDonald’s ou usar Windows. O problema desses adolescentes é que eles querem brigar pelos seus direitos, querem mudar o planeta, querem desafiar o sistema, mas, na primeira negativa que recebem, a única coisa que conseguem fazer é subir as escadas correndo, bater a porta do quarto e ligar o som no máximo.

O gerente foi até lá e, prestativo, disse que ele podia pegar outro vinho sem problemas.

Teoricamente, o problema estava resolvido. Mas o animal, ao invés de ir buscar o vinho, resolve usar o Pão de Açúcar como palco de sua futura carreira política. Virou-se para o caixa ao lado – que não tinha nada a ver com a história – e perguntou:

– Você viu que a sacola estava furada, certo?

O funcionário, visivelmente sem graça por estar na frente do gerente, balbuciou um “sim” tímido e enfiou a cara na máquina registradora, torcendo para não ser dragado de volta para a confusão. O moleque, claro, insistiu com o gerente.

– Ele viu que a sacola estava furada!

Nisso, o Pão de Açúcar inteiro começou a se amontoar ao lado do caixa, para ver o que acontecia ali – menos o casal à minha frente, que continuava exprimindo seu amor usando as línguas para isso. E o cheiro de vinho impregnando tudo devia tornar tudo mais excitante ainda para eles. E o nosso deputado ali na frente, eufórico e raivoso, lutando pelos direitos da população:

– É um baita absurdo! Vocês precisam checar a qualidade das sacolas antes de colocá-las aqui!

Comecei a ficar puto. Pensei em ir até lá e explicar para a merda do moleque que a merda do problema se resolveria assim que ele pegasse a merda da outra garrafa da merda de vinho. O gerente, querendo encerrar logo aquilo, repetiu, educadamente, que ele levaria outra garrafa de graça. O moleque, claro, nem ouviu e continuou agindo como se ele tivesse acabado de perder uma garrafa de Don Perignon. Eis que ele solta a pérola:

– É por que eu comprei vinho. Então o estrago foi menor. Agora, e se eu estivesse comprando comida? Como isso ficaria?

Eu juro que tentei me segurar. Juro. Pensei em começar a olhar os ingredientes da minha lasanha e esperar aquilo acabar. Comecei a pensar na minha coleção de CDs, nos meus DVDs. Tentei de tudo, mas não consegui me controlar. Simplesmente saiu.

– Se fosse comida não teria acontecido nada. É preciso uma inteligência fora do comum para conseguir quebrar um saco de pão de forma ou uma lingüiça dessa forma.

Falei. E falei alto. Alto o suficiente para a fila inteira olhar para mim e o caixa ao lado do deputado começar a rir. Ele, claro, começou a procurar quem tinha falado aquilo, mas uma das vantagens de você ter 1.60 é a facilidade de desaparecer numa multidão de cinco pessoas.

O gerente olhou novamente para o moleque e disse:

– O senhor pode pegar outra garrafa de vinho.

O deputado bufou, olhou para os lados e entrou no mercado novamente. Quando ele passou do meu lado, parou e olhou para as próprias pernas, percebendo que estavam respingadas de vinho. Bufou de novo e olhou para mim.

– Fala a verdade. Não é de foder? Manchou toda minha calça!

Ele não disse isso ao acaso. Ele falou diretamente para mim. Ele precisava do apoio de alguém da fila e procurou isso em mim.

Tolinho.

– Que coisa, hein? falei, segurando a risada.

– Os caras não olham as sacolas!

– Por isso que eu não confio mais em sacola. Eu levo tudo para casa na mão.

– Mas aí é foda!

– É, mas não vou prestigiar esse lance de sacolas, não. Venho dez vezes por dia no mercado, se for preciso, e compro uma coisa de cada vez. Mas não uso mais sacola.

– Pô, aí!

E foi somente isso que ele conseguiu articular em resposta. A frase dele foi tão complexa que eu não soube como responder. Logo, repeti o que eu tinha dito, para ver se a conversa avançava de alguma forma.

– Eu não uso mais sacola. É bobagem.

Continuou olhando para mim, provavelmente analisando minha sinceridade. Ou tentando arquitetar uma resposta com sujeito e predicado. Quando eu vi que isso seria em vão, resolvi encerrar tudo aquilo.

– O corredor de vinhos é ali.

– Ah, tá, respondeu nosso Nobel de Química.

Virou as costas e foi na direção dos vinhos, resmungando. Olhei para ele e, novamente, não agüentei (ok, confesso que não me esforcei muito, mesmo). Disse, em voz alta:

– Ah, sua calça está toda suja!

– Não é uma merda? Porra de sacola!, ele gritou de volta.

Antes que ele voltasse, ouvi, no caixa ao lado do meu, o seguinte diálogo:

– O que é isso?

– Coloca aí para gente pagar junto.

– Mas o que é isso?

– É para fazer brigadeiro.

– Você enlouqueceu? A gente está comprando vodka.

Eu nem precisei olhar para saber quem era, mas me virei assim mesmo. Um casal havia parado de se chupar para explicar ao virgem que fazer brigadeiro não era exatamente uma das metas da noite. Coitado, provavelmente achou que como os pais de alguém haviam viajado, a turminha iria se reunir para jogar RPG ou Winning Eleven.

Coitadinho. Acho que foi naquele momento que o castelinho de cartas dele desabou e ele percebeu que o mundo é uma imundície, repleta de sexo sem amor, música ruim e vinho barato. Ele ainda tentou convencer as pessoas a comprarem a idéia do brigadeiro, mas, quando a menina sugeriu, do alto das suas botas, que “o leite condensado pode, porque aí a gente faz batida”, ele desistiu e foi guardar o chocolate em pó, enquanto repensava sua vida e seus conceitos de felicidade.

Nesse momento, a mulher do caixa me chamou e, chutando cacos de vidro e escorregando no vinho, paguei minha lasanha. Olhei ao redor, não avistei mais o deputado e fui embora.

Em casa, enquanto abria a lasanha – segurando a Besta-fera com os pés – e com a quarta temporada de Nip/Tuck me esperando, me lembrei de um dos monólogos de Robert de Niro em Taxi Driver.

All the animals come out at night - whores, skunk pussies, buggers, queens, fairies, dopers, junkies, sick, venal. Someday a real rain will come and wash all this scum off the streets.

Está mais do que na hora de lançarem uma edição do diretor, com o acréscimo da palavra teenagers na frase. E bem no começo da frase, para ficar perto do “animals”.

28 comentários:

Redd disse...

hauhauhauhauhauhauhauhauhauhau

q situação mais comédia, meu deus...

Pq tem um porção desses "teenagers" na minha faculdade... ¬¬

Otavio Cohen disse...

parece que o nip/tuck nem foi a coisa mais engraçada do seu dia eohahoaoh....

tadinho do virgem.

Helen disse...

Nossa, Rob. Eu queria muito assistir um seriados sobre a sua vida. Imagina, todos esses acontecimentos bizarros reunidos num box?

No seu lugar, eu já estaria "benloca" (como diria o deputado do mercado); coisas assim não devem ser exatamente agradáveis depois de trabalhar o dia inteiro, ou no meio de uma crise de estresse. Mas rendem posts e, o melhor, sagas! Então, faço votos de que elas continuem a todo vapor! :)

Gilmar Gomes disse...

reparei que sua melhor (e maior) fonte de piadas atual, é sua altura... caramba... preciso aprender a fazer isso com minha barriga... tranformá-la em bons (se é que é possível no meu caso) posts.

Anônimo disse...

Cadê o top 5? õO

Lari Bohnenberger disse...

Poxa!
Só tem duas coisas que realmente me deixam magoada: Primeiro que o coitadinho do virgem acabou ficando sem seu brigadeiro. Segundo que eu não cheguei a saber qual foi a tua escolha entre o Sonho de Valsa e o Ouro Branco! Se é que tu conseguiu levar um dos dois pra casa...

Thiago Neres disse...

Hiauehuiehuieheuiheuiehauieaha!

Puxa, engoli o que falei no outro post. Muito legal, curti essa pérola que aconteceu com você.

Mas só uma coisinha... acho que você se confundiu no meio do post. Acho que você quis dizer Nobel de Física e não de Química.

Abração Rob!

Kath disse...

O Pão de Açúcar deve (se não, deveria) te pagar muito bem por tanta publicidade de qualidade que você gera a eles. Até mesmo retratou como o mercado respeita o cliente e blablablá.
E Taxi-Driver é duca!

Unknown disse...

Não vou tentar fazer uma piadinha, porque esse post merece é um elogio.

Caguei de rir aqui.

=)

Ian Linck disse...

Po, assim voce quase me deixa com vergonha de ter 16 anos. Acredite, nem todos nós somos assim, heheh...

No mais, incrível que o teenager em questão não tenha sacado que tu tava tirando uma com a cara dele, será que ninguém mais entende ironia esses dias?

Isadora disse...

1. eu fiz DEZENOVE, e não VINTE E NOVE, seu velho.

2. thiago: é de química mesmo, ele tem problemas com a matéria.

3. faz brigadeiro de aniversário pra mim? a gente vê House :)

Mariliza Silva disse...

Depois de um longo e tenebroso inverno tô passando aqui pra te desejar um OVO bem grande!!!rs

beijos e Feliz Páscoa

Mariliza

Anônimo disse...

Nip Tuck e Taxi Driver no mesmo post, boas recordações :D

meu kit de sobrevivência sempre envolve lasanhas, junto com pães de queijo
comida congelada abençoa !

Varotto disse...

Nas poucas vezes que eu vou a Sampa eu sempre tento passar na Teodoro por conta das lojas de música, mas juro que na próxima vou tirar uma foto na entrada do Pão de Açucar...

PS: ... e comprar um pacotinho de arroz.

Anônimo disse...

Não tenho paciencia pra essas coisas,kkkkk
>bacana o texto viu

Anônimo disse...

heuhaeuhau,...

sem mais..!

MaxReinert disse...

fala a verdade.. o Thiago é um personagem seu, né?

Helen disse...

Rob, te aconselho a fazer uma compra no site da Companhia dos Livros (ciadoslivros.com.br) . GARANTIA de assunto para postagem, se é que você me entende. (Para completar o suplício, fiz a compra com Visa. Chupa, eu!)

Hally disse...

afffff, nessas horas me sinto feliz em estar saindo da condição "Teenager" esse ano...
Tadinho do virgem! Me senti na pele do garoto.
huahauhauhauahuahuahuahuahauhuahua

Alexandre Rigotti disse...

Oi.. o Rob poderia fazer piadas com a barriga dele também, mas provavelmente a piada não caberia num post só e viraria uma saga hahahahah

Ah, ele nao faz piadas com Nobel de Física pois é um risco de morte, lembrem-se daquele irmão dele que assusta policiais com o olhar??? Parece que ele é físico.

Climão Tahiti disse...

Teria ele comido brigadeiro depois de bêbado?

*sinta nojo mesmo*

Ainda bem que o jovem deputado levou banho de vinho, vai disfarçar o fedor de vômito de quando estiver bêbado...

Seus dias parecem com alguns dos meus. =p

P! disse...

Eu sou adolescente, mas não ajo assim não!
E essa sua saga ficou muito engraçada , realmente não tão legal quanto a do punk, mais ficou muito boa também!


beeijo

Tyler Bazz disse...

Rob, você é um cara invejável!
COMO essas coisas não acontecem comigo?? No "MEU" supermercado???

Se bem que eu ia ter o que falar também, mas nao ia conseguir... quando eu começo a rir é dificil parar, sabe.. uhhuuhuhhuuh


E aquilo é depois do atentado ao Vito sim, o Freddie fica um tempo "meio bobo"...

o/

MeLooooooo disse...

hauhauhau
cara, cadê a tolerância? esse excesso de stress vai acabar te matando.

Thiago da Hora disse...

querido, você necessita de um poquito de lexotan. HAHAHAHA

esse episódio do vinho deve ter desencadeado nele um tremendo ódio contra o sistema, contra os exploradores capitalistas e seus mercados com sacolas fracas!!! com certeza em cuba as sacolas não arrebentam. AHHH!!! VIVA FIDEL!

MeLooooooo disse...

Hahahahahahahahaha
porra, Rob, tava lendo uns post teu, gênial! até assinei o feed.

Abraço.

Sil disse...

Cara, se as minhas filhas se atreverem a um comportamento parecido com o desse povo do mercado, eu deserdo as duas ^_^

Eu já disse isso mas repito, ADORO sua ironia, seus posts são sempre diversão garantida.

Beijos

Sil

PS- A Bruninha já está mais alta do que você :DDDD

Perdido disse...

Caramba, muito bom o post, o blog foi parar no favoritos por causa dele...

Agora deixa de inveja dos casais adolescentes no supermercado!!! XD