28 de agosto de 2007

Suicide is Painless - Parte Final

(você lê a primeira parte aqui)

Eu não sabia se descia para ver o que a síndica iria fazer, ou se esperava na varanda para ver como a tentativa de suicídio da Tereza terminaria. Nos prédios da frente, mais e mais pessoas se amontoavam, atraídos pela gritaria. Alguns – tenho certeza – deviam estar torcendo que ela se jogasse logo. A humanidade é uma merda mesmo. Queria ver se fosse no prédio deles.

Foi nessa hora que a Besta-fera, que estava na varanda comigo, resolveu se render à adrenalina do momento e começou a latir para a Tereza. Isso fez com que o homem que a segurava pelo braço se distraísse e olhasse para cima. Na mesma hora, dei um safanão no animal e o joguei para dentro de casa. Tudo o que me faltava era que o cara deixasse a mulher despencar dali por causa do meu cachorro, na frente de metade do bairro. E pior, com a síndica vendo tudo.

Tranquei o bicho na sala e voltei para a varanda. A situação parecia ter melhorado. Tereza estava, agora, com metade do corpo para dentro da sacada, mantendo apenas os pés – ainda com os dois chinelos – para fora do prédio. Vocês podem dizer que foi a mão de Deus (maradona mode: on) que a salvou. Já eu tenho certeza de que ela percebeu que a síndica estava lá embaixo e mudou rapidinho de idéia.

E, com um último puxão, o sujeito conseguiu trazer a Tereza para dentro do apartamento. Ela caiu estatelada no chão da varanda e, com a queda, gritou “ai!”

Assim mesmo. “Ai”. De dor.

Fiquei muito puto. A mulher queria se matar se jogando do sétimo andar, e, quando salvam a vida dela, ela geme de dor caindo de uma altura de uns 60 cm? Porra, só pode estar de brincadeira. Senti vontade de gritar que “ah, você nem tinha jeito para a coisa mesmo!”, mas fiquei na minha. Ainda mais com a síndica ali embaixo, estudando o prédio com a sua visão de raio X.

Sirenes. Olho para a rua e vejo duas viaturas da polícia e uma de resgate parando na frente do prédio. Olhei para a Tereza, que continuava deitada no chão da varanda, ao lado do homem. Como a festa aparentemente foi transferida lá para baixo, fui correndo para o elevador. Afinal, eu tenho um blog para manter.

Desci no térreo, atravessei o saguão e dei de cara com ela: a temível síndica.

Vocês assistiram Snatch? Lembram-se do Brick Top, aquele mafioso que matava as pessoas usando-as como alimento para seus porcos? É a minha síndica. Até os óculos são iguais. A única diferença é que ela joga condôminos inadimplentes e não mafiosos wanna be aos porcos.

Ela olhou para mim e disse, com os dentes trincados (ela está sempre com os dentes trincados):

– VOCÊ VIU TUDO?

– Sim, senhora.

– ELA TENTOU PULAR?

– Sim, senhora

– AH.

O “ah” dela foi a coisa mais ameaçadora que eu vi esse ano. Senti mesmo pena da Tereza. Quase olhei para cima e gritei “Tereza, não desista, ainda dá tempo!”, mas, quando se trata da minha síndica, é cada um por si. Ela continuou:

– NÃO ACREDITO QUE ISSO ACONTECEU AQUI. ESTE É O EDIFÍCIO MAIS TRANQÜILO DE PINHEIROS.

Percebi que ela não sabia que, semanas atrás, eu quase consegui incinerar o “edifício mais tranqüilo de Pinheiros” secando uma calça no aquecedor. Numa fração de segundos, me vi sendo jogado aos porcos que devem estar escondidos no segundo subsolo ou dentro da sauna. Resolvi mudar de assunto, mas acabei dizendo a coisa mais estupidamente óbvia do mundo.

– A polícia chegou, a senhora viu?

– AH.

Deus, que medo.

Os policiais entraram no prédio e começaram a conversar com ela. Ela explicou que eu tinha visto tudo desde o começo e eu relatei o ocorrido desde o começo. E, aproveitando que eu estava do lado de dois policiais armados, criei coragem e perguntei para ela:

– A senhora sabe se ela já tinha problemas?

Ela sorriu, num misto de desprezo e raiva, e resmungou:

– VOCÊ NÃO ESTAVA NA REUNIÃO DE CONDOMÍNIO, CERTO?

– Não, mas olha, juro que não por culpa minha, eu queria muito ter participado da reunião, mas fiquei preso no trabalho, mas, na próxima vez, eu prometo que... não, eu juro, que...

– ELA ME OFENDEU NA REUNIÃO DE CONDOMÍNIO. DESCEU DE CAMISOLA E COMEÇOU A BRIGAR COMIGO POR CAUSA DA VAGA NA GARAGEM. ELA É INSTÁVEL.


A síndica do meu prédio, ao centro, indo cobrar um aluguel atrasado.
À sua direita, o zelador. À esquerda, um dos porteiros.

E assim, ela me contou, usando o mínimo de palavras possível, que a Tereza sempre deu trabalho, desde que se mudou para o prédio, há um ano atrás. Quando acabou sua narrativa, ela olhou para cima e ficou estudando a varanda da Tereza.

Eu comecei a rezar baixinho um Pai Nosso implorando a Deus para que a Besta-fera não resolvesse jogar um de seus brinquedos pela varanda justamente agora. E se ele fizesse isso, eu negaria até a morte que eu o conhecia.

A síndica Brick Top virou-se para um dos policiais e perguntou (aliás, "determinou" seria a palavra exata):

– VAMOS SUBIR ATÉ LÁ?

Eu, pensando no meu blog, fui atrás deles e soltei um:

– Olha, como eu vi tudo, talvez eu seja possa ajudar...

Eu estava na porta do saguão e na metade da frase quando ela virou para mim e, sem falar uma palavra, sem emitir um som qualquer, fez um sinal de "fique aí" extremamente ameaçador.

– ...ou não, porque vocês parecem ter tudo sobre controle, eu emendei, gaguejando, dando meia-volta.

Aquela mulher exala perigo. Reparei que até o policial estava meio incomodado de ter que entrar num elevador sozinho com ela.

Como a Tereza situation estava, aparentemente, terminada, decidi ir até o mercado comprar meu jantar. Quando voltei, ainda vi a Tereza sendo colocado dentro do caminhão de resgate e a polícia indo embora. Entrei no prédio e a síndica veio falar comigo:

– ELA FOI TERMINANTEMENTE PROIBIDA DE ENTRAR NO PRÉDIO. ELA NÃO ENTRA MAIS AQUUI SOZINHA.

Percebi na hora que, aparentemente, tentar se suicidar, no meu prédio, é algo que fere gravemente os estatutos do condomínio. Jogar lixo pela janela garante uma multa, mas o que a Tereza fez resultou no seu banimento. A Tereza foi jogada no exílio (mas deve ter sido multada também, porque ela resolveu fazer tudo isso num domingo à noite, quando nem os técnicos da TV a cabo podem passar pelo portão).

Vendo que tudo estava resolvido, ela virou-se para mim e rosnou:

– ATÉ MAIS VER.

No dia seguinte, instalaram uma tela, daquelas de nylon, na varanda da Tereza. Rá! Como se isso pudesse detê-la. O apartamento dela continua vazio (ela ainda está no hospital. Ou foi jogada aos porcos?), mas, na dúvida, eu já avisei os porteiros que a partir de agora, eu só entro e saio pelo portão lateral, da garagem; e que eu quero ser avisado todos os dias da data da próxima reunião de condomínio.

Ah, sim, o Jasmim. Ele(a) estava em casa, mas mesmo morando no apartamento imediatamente acima da Tereza, nem percebeu o que aconteceu. Isso porque ele resolveu, de duas semanas para cá, ouvir toda a discografia da Maria Bethânia, num volume que torna a(o) irmã(o) do(a) Caetano(a) audível até mesmo em Jundiaí.

Aliás, não me espantaria se isso tivesse causado todos os sérios distúrbios mentais na pobre Tereza. Porque, sem sacanagem, é Maria Bethânia o dia inteiro. Claro que eu poderia pedir uma investigação sobre esse fato e suas ligações com a loucura da Tereza, mas toda vez que penso nisso, lembro dos porcos na sauna e mudo de idéia, indo assistir a Harry Potter.

Com o volume no mínimo e a porta trancada.

17 comentários:

Anônimo disse...

"...fui correndo para o elevador elevador."

Ruth Lemos rules... hehehe
-
A Tereza deve ter tentado se matar exatamente por não aguentar mais a Maria Bethania. Eu faria o mesmo.

Isadora disse...

me contaram que o namorado da Tereza botou fogo na calça preferida dela, e esse foi o motivo da sua depressão...

sério. esse tipo de coisa não se faz.

mah disse...

ótimo texto
pobre tereza,ouvir Bethenia e ainda
conviver com uma síndica como essa
não é à toa que ela está assim!

da próxima quero ir ver Harry com vc...
=]

bjuSss

Climão Tahiti disse...

Mas com o volume no mínimo vc pode escutar agora um "JASMIM!".

Pelo menos tudo terminou bem pra você, pois sobreviveu ao caos.

Em tempo, te indiquei pra algo no meu Blog.

o/

MaxReinert disse...

hauhauhahahua...... eu não sei oq ue é melhor... a situação ou a maneira como vc a narra!!!
hauahuahuahuah...
Com certeza se morasse aí em frente, não ia ter achado o "incidente" tão interessante quanto lendo!!!

.....


Parabéns pelo Concurso!!!!!

M. disse...

Cada vez melhor os textos, Rob! UAHUAHA, eu também tentaria me matar se tivesse uma síndica assim e um vizinho viciado em Maria Bethânia.

Talvez você me chame de cínico, mas queria que ela tivesse se jogado. Você teria comentado isso no blog mesmo assim?

Lari Bohnenberger disse...

Pobre Teresa... banida por uma tentativa de suicídio... é Rob Gordon, tome cuidado, pois com uma síndica dessas, o perigo deve ser constante!

Bjs!

vera maya disse...

Agradeça à Tereza, à horrorosa da síndica e ao (à) Jasmim....

Renderam um excelente texto!

Bjos

Vinicius Grissi disse...

Confesso que todo dia entrava por aqui esperando este final...Apesar de muito bem escrito, como sempre, confesso que fiquei decepcionado: esperava mais drama nesta história! kkkkkkkkkk

De qualquer forma, parabéns mais uma vez pelo blog, e visite o Marcação Cerrada:

http://cerrada.blogspot.com

Abraços!

R. S. Diniz disse...

Ouvi um ditado, certa vez, que dizia: "Se você mexe com o Universo, o Universo mexe com você."

Talvez essa seja a explicação para que esse tipo de coisa cinematográfica aconteça com você. Você, além da capacidade genial de transformar tais acontecimentos em prosa, consegue também perceber e ir atrás desses temas para escrever.

Ainda tenho muito o que aprender.

Enfim, a crônica ficou muito boa (como se você não soubesse)

Abraço!

(Meu último post se chama cigarros. Talvez seja do seu interesse.)

Wagner disse...

usar uma foto do filme Snatch foi uma excelente sacada!

e vc não gostaria, um dia, escrever um texto no meu blog?

abraços

Menáge à Trois disse...

Acho que a Isadora ainda está maguada e a Tereza, coitada, merecia um final mais adequado.
ótimo post

Como ninguém

Anônimo disse...

Nossa, tua síndica é o CÃO!
Coitada da pobre tereza, talvez ela tenha tentado o suicídio por causa da tua síndica e, claro, da Maria Bethânia, que convenhamos... Não dá!

Abraços e bom filme

Anônimo disse...

meu.. que medo dessa síndica!!

eu com certeza não poderia morar no seu prédio!!

com uma mulher dessas...
hauhuahuaha


e gostou do filme?

bjuuus

Diego Moretto disse...

Ih caramba, cada situação q vc passa, HAUHUAHUHAHUA. Sorte q tu saiu ilesa... já peguei uma síndica assim. A minha atual mora em frente ao meu ape, e reclama apena da musica alta... aiai.

Vim mesmo para te dar PARABENS oficialmente por ganhar o concurso lá na comunidade. Ae cara!!!

Bom, é isso. abs!!!

Tatiana Babadobulos disse...

putz, da próxima vez vc manda a síndica passear e chama o síndico! (meu amigo, tim maia!).

Thiago Neres disse...

Não conhecia essa saga, fantástica! Hauiehauiehuieaheuiaheuiaeh

Estou com medo dos porcos da sua síndica :x