20 de janeiro de 2007

Babel

Eu estava fuçando na livraria Nobel do Shopping Eldorado e, mesmo sem perceber, estava próximo à prateleira de dicionários. Eis que começo a captar trechos de um diálogo que acontecia ao meu lado. Os protagonistas: um japonês, que deveria ter por volta de uns 25 anos; e a vendedora, loira, de olhos claros, e aquela cara de enfado típica dos vendedores de shopping. Peguei a conversa no meio de uma frase do japonês.

– ... to Portuguese?

– Hum...?, respondeu a vendedora.

– English to portuguese?

– Ai meu Deus, o que será que ele quer?, suspirou a loirinha.

Comecei a me coçar para ajudar o sujeito. Provavelmente o cara veio do país dele para conhecer de perto o famoso buraco do metrô de São Paulo (afinal, ele estava no Shopping Eldorado, e a única coisa interessante para se ver ali perto é justamente o buraco. Ou isso, ou ele é um antropólogo que veio estudar o Largo da Batata. Mas a sandália de couro e o óculos escuros não eram típicos de um cientista social) e estava tendo problemas graves com o idioma.

Me aproximei e disse:

– Ele quer um dicionário Inglês-Português.

– Será? perguntou a loirinha.

– Do you want an English to Portuguese dictionary?, perguntei a ele.

– Oh, yes! That's it!, ele exclamou, vibrando. Não se sentia mais um estranho numa terra estranha.

Virei para a loirinha e disse:

– É, acho que o seu "será?" foi acertado. Ele realmente quer um dicionário inglês para português.

– Ah, vocês são amigos?

(suspirei)

– Não, só falamos a mesma língua. E moramos no mesmo planeta. Essas são as únicas coisas que eu e ele temos em comum. Fora o fato de estarmos na mesma livraria, claro.

A vendedora começou a fuçar nos dicionários e puxou da estante um Houaiss de bolso, claramente orgulhosa de si própria. Entregou ao japonês, que não conseguiu disfarçar sua decepção. Algo me disse que ele havia passado o sábado atrás de um dicionário e sem conseguir se fazer entender, devia estar começando a acreditar que o que se fala aqui é tupi, espanhol, qualquer outro idioma, menos português. Provavelmente ele iria reclamar na agência de viagens.

– No... An ENGLISH-portuguese dictionary, ele disse, pronunciando o "english" bem devagar, como se estivesse falando com uma criança. Seu olhar implorava para que ela entendesse.

– Ai meu Deus! bufou a loirinha.

Na mesma hora, pequei um dicionário Michaelis Inglês-Portugues, Português-Inglês que estava na minha frente (e na frente da vendedora, claro), e entreguei para ele.

– Here it is.

– Oh, great!

A essa altura, ele já me olhava como se eu fosse um amigo de infância. Comecei a sentir o peso da responsabilidade: todas as férias dele dependiam, naquele momento, de mim. Ele folheou o dicionário e perguntou à vendedora, gaguejando:

– Pe... ke...ñi...no?

– Esse é inglês e português! ela respondeu.

– Ele quer um menor, eu disse. E perguntei para ele: Smaller?

– Yeah, smaller! Pekeñino.

– No, no... Menor.

– ... Me...ñor?

– Yes. Menor.

– Men...hor. Men...or... Men or. Great!, ele exclamou, feliz por ter sido aprovado no primeiro módulo do Curso Rob Gordon de Português para Estrangeiros.

Com as palavras "dicionário inglês - português" e "menor" à sua disposição, a vendedora sentiu-se segura para chamar a responsabilidade da conversa para ela. Pegou outros dois dicionários (menores, mostrando que havia entendido essa parte) e entregou para o japonês, que começou a folheá-los. E, na falta de algo melhor para dizer, disparou para ele, em português mesmo:

– Que maneiro o seu óculos!

– What?, ele disse, pedindo socorro para mim com o olhar.

Fiquei mudo. Tenho certeza de que fiz minha cara de "Deus do céu...". E ela repetiu:

– Você não achou o óculos dele maneiro?

– Me...ney...row?, ele disse, começando a folhear um dos dicionários. Como era um dicionário inglês-português, e não inglês-carioca, achei melhor ajudar, de novo.

– É... ela achou o seu óculos.... (apontei o óculos dele, com o dedo) maneiro.

– May...ney...row, right? Hã... What is maynewrow?

– Ah... She likes your sunglasses.

Ele sorriu claramente por educação e continuou a folhear o dicionário. Percebi que ele já estava pronto para enfrentar a cidade tupiniquim, suas palavras estranhas e suas vendedoras nada brilhantes por conta própria e me despedi:

– Listen... I gotta go. Have a nice stay here. Good luck!

– Oh, thank you, thank you!

E parti, na direção do McDonald's, para enfrentar um sundae de amora.

Isso faz três horas. Tenho certeza de que o japonês ainda está na loja, perguntando "How much?" para todo mundo, sem conseguir pagar o dicionário. A vendedora, por outro lado, só quer que o expediente dela acabe logo.

Top 5 frases que qualquer estrangeiro que vier passar férias em São Paulo vai ouvir (e as respectivas traduções).

ou

Top 5 sentences you will certainly hear while on vacation in São Paulo (and the respective translations).

1. Quer táxi, gringo? ("Do you want a cab, dear sir?")

2. Geli-limão? ("Do you want ice and lemmon in your Diet Coke, mister?")

3. Ih...num tem mais trocado, não, cara? ("Sorry, sir, I don't have change")

4. Passa a carteira, mermão! ("Sir, could you please spare me all of your money? Otherwise, I will have to shot you right into between your eyes")

5. Vá tomá no seu cu! ("Please, could you be a little bit more careful while you're driving around here, sir?")

15 comentários:

Amelie disse...

Pois é, pelo menos é um inferno com carteira assinada, né? hehehe
Também te linkarei na próxima atualização (seus dois blogs). Tenho vários blogs para linkar, mas e a preguiça...?

Quanto ao seu segundo post no Chronicles.... já havia lido, só não comentei... Aliás, você está fazendo uma segunda versão do velho testamento ou é impressão minha? rs...

Abraço!

Anônimo disse...

depois o meu inglês é que funciona !
eu, na FNAC, estava com dó do pobre alemão do meu lado, tentando, sem sucesso, pedir alguma coisa no Café. Bom, como o meu alemão limita-se a balbuciar os versos da Nona - e se eu cantasse a Nona no Café da FNAC, ia dar merda - apenas olhei com pena pra ele e fui comer meu pão de queijo, enquanto a atendente tentava, em PORTÊS, chamar a "mocinha do caixa da loja" pra falar com o loirão.
ôooooo Babel.

aliás, Rob, o que significa o Big Bródi Brasil no teu profile ?! (Chronicles linkadíssimo)

beijao =*

Anônimo disse...

Você esqueceu da famosa frase ouvida em quase todo semaforo da cidade: " Dáumréalaitiojapa!"
ou... "Pleasegivemeonerealmisterjap!"

Anônimo disse...

Ou os clássicos de lojas:
-seu cartão não passa.
-quer fazer cadastro na loja?
-tem 10% de desconto à vista ou 5% a prazo.
-desculpe, o sistema caiu.
-sinto muito, mas não tenho troco.

entre outras pérolas ;)

Anônimo disse...

já passei por coisa parecida, o problema é que o gringo NÃO entendeu uma palavra do que eu disse...entrei em depressão...

Anônimo disse...

"Ah, vocês são amigos?"
Genial!
Estou de linkando no meu blog, ok? abraços

Anônimo disse...

Ahauhauuauahuuaha, comédia d+!

Anônimo disse...

Não se usa o título do maior filme já feito impunemente.

Anônimo disse...

Esse e uma fato normal num pais de turistas..hehehehe abraços!

Anônimo disse...

Cara mt bom o texto!

Gostei do blog tb. Parabens!

Mariliza Silva disse...

Jesus toma conta!!! você tem que convidar a loirinha pra conhecer seu blog (hum...ficou esquisito...rsrsr)
pra ela aprender a educação de mandar toma no.... AHHHHH, cê me mata!!!!

Agora, vou correndo no outro blog seu pra não perder a última!!!

beijão e some não

Anônimo disse...

estava vendo os blogs do joguinho da comunidade blogspot e vim ver o seu...
ow! mto bom seu blog!! ^^

hauhau
fala serio.. tadinho do japa...

Anônimo disse...

estou te linkando ok ?? ^^
bye

Filipe disse...

Vá tomá no seu cu! ("Please, could you be a little more careful while you're driving around here, sir?")

Hahhaha, muito bom...

Pedro Lucas Rocha Cabral de Vasconcellos disse...

Me senti na obrigação de ajudar a re-elevar este sensacional post ao lugar de onde nunca devia ter saído, o topo dos "Mais comentados" do champ!

#voltababel