9 de dezembro de 2016

007 Contra a Infiltração Generalizada

Faz alguns meses que começaram umas infiltrações aqui em casa – e você pode ler sobre isso aqui

Caso você acompanhe esse blog, deve imaginar que o problema das infiltrações passou, porque eu não toquei mais no assunto. Bom, durante alguns meses, achamos que elas realmente tinham parado.

Mas às vezes eu pensava sobre o assunto, especialmente sobre o fato de que não havia nenhum motivo para elas terem parado. Só que, sempre que isso acontecia, eu achava mais confortável ir até a cozinha, olhar o teto durante alguns instantes e deduzir que “bom, deve ser alguma mágica, não vou reclamar”.

Claro que eu estava me enganando. Porque elas não tinham parado, e sim ido buscar reforços. Então, sim, as infiltrações da cozinha passaram... Para a sala. Para um dos banheiros. Para o hall de entrada. Em chuvas mais fortes, minha vontade era construir uma arca usando a madeira da mesa sala e colocar um casal de bicho ali dentro.

Agora, o problema nem é o fato de que minha casa estava inundando. Quer dizer, esse não era o único problema, porque eu também não consigo levar o assunto a sério, por causa do nome. “Infiltração”, para mim, é um termo de filmes de espionagem, e eu não consigo associar essa palavra para água escorrendo pelas paredes.

Então, sempre que eu pensava no assunto – aliás, isso ainda acontece – eu começava a imaginar uma gota de água vestida de preto, se arrastando pelo telhado, na calada da noite, até encontrar uma telha meio solta. Aí, ela se esgueirava para dentro da casa e falava em seu pequeno microfone.

– Ok, I’m in.

Nesse momento, em sua base secreta, o supervisor recebe a mensagem de que a gota já está dentro do complexo inimigo, e esta informação vai subindo a cadeia de comando até alguém se aproximar do presidente e informar que “a primeira gota já se infiltrou na casa do Rob”. Assim, todos correm para a sala de situação e acompanham toda a infiltração de goteiras na minha sala (provavelmente gargalhando enquanto eu coloco baldes na sala).

Bom, chegou o momento de impedirmos essa operação de guerra em casa, então falamos com a proprietária da casa, para ver se ela conseguia indicar um especialista em contraespionagem. E ela indicou um homem.

– O Israel é ótimo, ele faz de tudo.

– Ele vasculha o telhado procurando câmeras e aparelhos de escuta? Ele consegue reorganizar a segurança? Se precisarmos interrogar alguma gota prisioneira, é ele mesmo quem faz?

– Do que você está falando?

– Desculpe. Eu não sei lidar direito com a palavra infiltração. Esse Israel é bom?

– Sim. Confio plenamente nele.

– De quais missões ele já participou?

– Ele quem pintou minha casa. Ficou ótimo.

Não era o que eu esperava, mas teria que servir.

Assim, uns dias atrás o especialista apareceu em casa. E os problemas começaram porque ele tocou a campainha logo cedo e eu ainda não havia tomado café. Ou seja, meu HD cerebral ainda estava inicializando. Então, atendi a porta sabendo apenas três coisas: 1) aquela pessoa não morava na minha casa; 2) ele estava ali para ver algo do telhado; 3) o nome dele era algum país do Oriente Médio.

– O senhor é o seu Rob?

– Isso. E você é o senhor Iraqu... É... Você veio ver o telhado, certo?

– Sim. Meu nome é Israel.

– Sim, sim, eu sabia disso. Estava esperando o senhor.

Abri o portão e ele entrou. Primeiro olhou toda a parte interna da casa. Íamos andando enquanto eu indicava os pontos em que a segurança precisava ser reforçada. Ou melhor, onde rolavam os vazamentos. Tudo ia muito bem até a hora que ele decidiu subir no telhado.

– O senhor tem uma escada grande?

– Não. A escada que tenho não chega até o telhado.

– Certo.

E realmente, a escada aqui em casa mal dá para trocar lâmpadas. Ou, pelo menos, é o que eu acredito, já que não troco lâmpada nenhuma porque tenho medo de altura. Mas como eu sempre me ofereço como voluntário para o cargo de “segurar a escada” enquanto a Esposa faz a troca, sei que ela é bem baixa.

Aparentemente, isso não foi empecilho para o sujeito. Ele pediu a escada mesmo assim, e usou para subir no muro. Do muro, foi para o telhado do vizinho, do telhado do vizinho para o meu telhado. Tudo isso como se fosse a coisa mais normal do mundo.

Assim, o sujeito começou a andar pelo telhado com a naturalidade de alguém que está indo até a cozinha da própria casa pegar água. Sério, nem mesmo o Coronel Telhada (esse é o nome que eu dei para o gato quemora aqui no telhado de casa), faria melhor.
 
Aliás, isso poderia me criar um problema. Porque eu já cuido de um gato que mora no telhado, e o Faz Tudo com Nome de País do Oriente Médio parecia bem à vontade andando no meu telhado. Ele estava visivelmente no seu elemento. E tudo o que eu não precisava é que ele gostasse do lugar e começasse a morar ali, e eu tivesse que cuidar dele também. O que diabos um Faz Tudo come? Será que ele e o Telhada vão começar a brigar?

Era sobre isso que eu estava pensando quando vi uma das coisas mais impressionantes da minha vida. O sujeito arrancou duas telhas do telhado, deixando um buraco de mais ou menos uns cinquenta centímetros de largura e... E sumiu.

Não estou exagerando. Ele mergulhou para dentro do telhado e desapareceu ali. Certeza que se alguém mandasse esse sujeito fazer um teste vocacional, os resultados seriam 50% ilusionista, 50% ninja.

Eu ainda estava tentando entender como ele tinha feito aquilo, quando o sujeito reapareceu no telhado. Olhou para mim, desceu para o telhado do vizinho, do telhado do vizinho para o muro, do muro para o chão. Eu pensei em pegar um pouco de ração do Telhada e oferecer a ele, me explicando que “é só o que eu tenho hoje, mas se você tiver algum pedido especial, eu posso tentar arrumar”, mas ele foi mais rápido e começou a falar.

– Vai ter que trocar tudo menos as telhas.

Certo. Tudo menos as telhas. O problema é que todo o meu conhecimento de telhados se resume às casinhas que eu desenhava quando criança. Ou seja, na minha cabeça, um telhado é um organismo composto por: telhas. Talvez uma chaminé – toda casa de desenho de criança tem uma chaminé, mas acredito que isso seja opcional no mundo dos telhados. Então, tentei fazer a pergunta da forma menos estúpida que eu consegui.

– O que é tudo menos as telhas?

– Tudo.

– Certo. Vamos tentar de outro jeito. O que precisa trocar?

– As ripas e os rufos.

Eu sabia o que eram ripas. Mas rufos...

– Rufus não é o cachorro do Dennis, o Pimentinha?

Existem momentos que são determinantes na forma que a gente se relaciona com outras pessoas. São instantes aparentemente insignificantes, que fazem com que a outra pessoa admire você pelo resto da vida, seguindo seus passos para dentro de batalhas impossíveis e o chamando de líder.

Mas por outro lado, existem momentos em que a outra pessoa percebe que você é um idiota e nada irá mudar isso. E, pelo olhar do sujeito, eu e ele estávamos vivendo um desses momentos mágicos. Qualquer respeito que aquele cara pudesse ter sobre mim escorreu pelo ralo. Tudo o que me restava era tirar meu time de campo.

– Olha, minha Esposa é arquiteta, é melhor você falar com ela. Porque eu... Bem, eu só moro aqui, sabe? Acho que será melhor se eu... Eu vou chamar um adulto para conversar com você, acho que é melhor.

Assim, ele e a Esposa discutiram todo o processo de trocas das ripas e rufos.

E eu fiquei no meu canto, imaginando o sistema de segurança que o ninja ilusionista vai instalar na minha casa para impedir a infiltração de gotas de água inimigas. E torcendo para que ele deixe brincar com as câmeras de segurança.

Essa reforma promete.

4 comentários:

Caio Geraldini Ferreira disse...

Simplesmente fantástico. Sua capacidade de transformar um ato banal e cotidiano "lidar com uma goteira" em uma historia envolvente, humorada e perfeita para se relaxar no meio de tanta briga de torcida. Um dia espero conseguir escrever igual a você. Obrigado pela crônica. Melhorou bastante o meu dia.

Monika J. disse...

Eu ri alto na parte de oferecer a ração do Coronel Talhada hahahaha

Unknown disse...

Tem também o Rufus, o lenhador. Ele deve entender de ripas.

Unknown disse...

Me diverti bastante com com a leitura.
Obrigado