5 de fevereiro de 2014

Confissão



Meu nome é Rob Gordon e eu sou um viciado.

Começou algumas semanas atrás. Como todo vício, começou quase de forma inocente, quase descompromissada. E em momento algum achei que fosse me viciar, porque vício é sempre aquela coisa: “acontece com os outros, nunca com a gente”, sempre com aquele gosto de “eu paro com isso a hora que quiser”.

Entretanto, eu não nem mesmo pensava nada nisso quando comecei. Na verdade, era apenas farra. E não foi inocência da minha parte: eu sempre soube que era errado, apenas não pensava a respeito.

Quer dizer, “errado”, não. Vamos dizer que “não era o melhor para mim”. Dizer que é “errado” é fazer um julgamento não apenas sobre mim, mas sobre qualquer pessoa que possui um vício. E este post não se trata disso.

Este post se trata de uma confissão.

Eu não consigo parar de tomar banho gelado.

Algumas semanas atrás, quando comecei, era uma espécie de farra, alimentada pelo calor que tem feito em São Paulo. Eu estou trabalhando em casa, e de repente, no meio da tarde, pensava: “por que não?”.

Às vezes eu tentava ignorar a ideia, mas não adiantava. Ela continuava ali, crescendo. Não sei se isso acontece com todas as pessoas, ou se é alguma predisposição ao vício, mas a ideia ia aumentando mesmo sem eu pensar nela.

Tentava trabalhar e não pensar no assunto, mas as frases “largar o computador por cinco minutos”, “ninguém vai perceber”, “vou até trabalhar melhor e mais animado” ficavam me atormentando de forma cada vez mais dolorida. Esta última era a pior. Eu sempre achava que ia render mais no trabalho se usasse apenas uma dose de água gelada. Uma dose pequena.

Quando eu percebia, estava correndo em direção ao chuveiro, largando minhas roupas no chão do quarto e entrando desesperadamente embaixo da água gelada.

No começo, admito, fazia com que eu ficasse mais disposto. Mais ligado, talvez seja o termo melhor. Mas o problema é que comecei a ficar dependente desta situação. Eu estou trabalhando e de repente sinto o suor escorrendo nas minhas costas. Pronto. É o que preciso para começar a largar tudo e ir tomar um banho gelado. Meia hora depois, ou eu estou embaixo do chuveiro ou não conseguindo nem pensar direito.

Mas eu percebi que tinha um problema de verdade quando comecei a usar o chuveiro sempre que ficava sozinho em casa. Bastava a Esposa sair para eu ir usar o chuveiro, mesmo que não tivesse vontade. Hoje eu sei que era a minha maneira de usar em segurança, sem as pessoas perceberem o que eu estava fazendo.

E as mentiras... Eu mentia o tempo inteiro.

Um dia liguei para a minha Esposa perguntando quanto tempo ela demoraria até voltar para casa, porque eu ia participar de uma conferência pelo PC e não poderia abrir o portão para ela. Mentira. Eu queria tomar banho. Eu estava desesperado, suando e ficando nervoso, e precisava entrar no chuveiro por cinco minutos, e não queria que ela soubesse disso.

Na verdade, ela sempre soube. Ela até aceitava algumas vezes, e se intrometia somente quando achava que eu estava exagerando. E eu mentia sempre.

- Você estava tomando banho de novo?

- Não. Claro que não. Eu estava... Eu estava ali.

- Você está molhado.

- Não. É suor.

- Não é suor! O chuveiro ainda está pingando!

- Que chuveiro?

- Aquele chuveiro! Atrás de você!

- Ah, aquele. Então, acho que ele está quebrado.

Eu queria que ela tivesse falado mais e não só nessas horas. Mas eu não a culpo. Eu também não saberia como abordar o assunto. Mas a coisa chegou a níveis assustadores. São três, quatro banhos por dia. Eu estou vendendo minhas coisas para pagar a conta de água.

E, pior... Quando eu não consigo tomar banho, eu apelo para outros métodos para me acalmar. Lavo o rosto. Jogo água no peito. Eu cheguei até mesmo a enfiar a cabeça embaixo da torneira do tanque. Eu sinto muito vergonha de ter feito isso. Foi talvez um dos momentos mais degradantes da minha vida.

É hora de parar. É hora de cuidar de mim mesmo. Estou contando com o apoio da minha família e dos meus amigos, e disposto a tomar somente um banho por dia. Vai ser uma batalha difícil, mas eu preciso vencer. Preciso ter em mente que o vício só existe por minha causa, e não o contrário.

Preciso confiar em mim, na minha família e em Deus. E tudo vai dar certo.

Aliás, em Deus, não. Em São Pedro.

Porque eu não preciso de um milagre, eu preciso só de um dia um pouco mais arejado.

E não falo isso por mim, mas por todas as pessoas que têm perdido a vida para o vício do banho gelado.

4 comentários:

Renata de Toledo disse...

HAHAHAHAHAHA Rob, você tem que ter sido separado de mim ao nascer, você foi roubado da maternidade, não é possível! Eu fiz o meu computador ficar com uma tela branca porque estou o dia inteiro com a cara na pia da cozinha e volto com as mãos molhadas para ele... Socorro, eu preciso do endereço dos Viciados Anônimos por Água Gelada!

Varotto disse...

Baby steps, meu caro... Baby steps.

P.S.: Dizem que inverno é bom para curar esse vício.

Juba disse...

Eu ia rir do texto, mas acabei fazendo o que não devia: provei da droga. E viciei já nesse primeiro contato.

O racionamento prometido é uma tentativa do PCC de diminuir o consumo, assim como estão fazendo com o crack.

Varotto, no inverno o vício se inverte, agregando calor à água. Mas em geral é mais moderado, duas a três vezes por dia, com bebidas quentes nos intervalos.

Juba disse...

Ah, e agradeça, mas agradeça muito por não ter de usar sutiã. Pergunte à Ana, ela sabe.