23 de junho de 2011

Sonhos de Kurosawa Gordon XI

Eu era criança e devia ter por volta de doze anos.

O mundo (ou o Brasil, não sei ao certo) vivia momentos de tensão, com a proximidade de uma guerra. Assim, era bastante difícil conseguir sair de casa, já que a qualquer momento São Paulo poderia ser bombardeada.

Mas eu estava na rua. Havia conseguido permissão da minha mãe e estava andando com meu primo – que agora tinha a mesma idade que eu e não era o meu primo – pela Avenida Rebouças. Mas não podíamos demorar, já que choveria em breve. Lembro-me de olhar para o céu e ver as nuvens se fechando, e pensar que “em breve as chuvas serão radioativas e todos nós iremos morrer”.

Contudo a guerra ainda não havia começado, apesar de ser iminente. Então, andávamos pela calçada, com carros e caminhões passando ao nosso lado, chutando pedras e conversando coisas sem importância. Mas dificilmente meu primo estava ao meu lado; ele estava sempre metros à frente ou metros atrás de mim.

Mas ele estava ao meu lado quando me disse:

- Hoje é aniversário do John Lennon. Nós temos que fazer algo.

Não consigo me recordar se era aniversário ou aniversário da morte do John Lennon, mas fui contra. Disse a ele que deveríamos voltar para casa antes da chuva (ou antes da guerra), mas ele insistiu, dizendo que a data era especial. Assim, entreguei os pontos.

- Ok, mas vamos fazer algo rápido, precisamos voltar para casa. O que você quer fazer?

- Podemos acender uma vela ou colocar uma pedra bonita em algum lugar alto.
Assim, continuamos andando pela avenida procurando uma vela ou uma pedra pelas calçadas, mas não encontrávamos nada. Uma hora, passamos por um posto de gasolina e meu primo, que novamente andava à frente ou atrás de mim, apareceu ao meu lado com uma vela.

- Achei na rua.

Era uma vela de aniversário, daquelas que, ao ser acesa, solta faíscas e estrelinhas. Estava queimada até a metade.

Disse a ele que isso não iria adiantar nada, já que esta vela queima em poucos segundos. Assim, ele saiu procurando nas calçadas ao nosso redor por outra coisa e, após alguns momentos, reapareceu com uma pedra.

Era bonita. Preta, lisa e de formato oval. Mas ainda assim era apenas uma pedra. E foi isso que eu disse a ele. Ele respondeu:

- Mas se colocássemos num lugar bem alto...

- Não, esqueça a pedra.

Olhei ao redor. Do outro lado da avenida, uma padaria estava aberta. Parecia ser bem ruim, minúscula, mas estava lotada. Na mesma hora, entendi que ela estava cheia de gente, pois era um dos poucos lugares abertos. Todos estavam com medo da guerra e o comércio estava fechado. Assim, as pessoas estavam indo àquela padaria para comprar alimentos e estocar em casa.

- Vou até aquela padaria ver se eles têm velas. Enquanto isso, já procure um lugar alto para acendermos isso. Um lugar que seja alto e fácil de subir, porque precisamos voltar para casa.

Tentei entrar na padaria, mas fui impedido por uma mulher enorme, de cerca de 60 anos de idade, que estava saindo, com sacolas, pela porta de entrada. Tentei desviar dela, mas não consegui. Ficamos os dois parados na porta, um de frente para o outro. Foi quando eu vi que ela tinha uma espécie de barba, branca feito neve, abaixo da boca. Olhei com cuidado e vi que era creme. Ela deveria ter tomado café lá dentro.

De repente, eu estava dentro da padaria, que parecia estar em reforma. Apenas uma divisória de madeira, com meio metro de altura, separava as pessoas que entravam daquelas que estavam na fila para pagar. Eu estava com pressa e não poderia pegar aquela fila enorme caso eles não vendessem velas.

Assim, me apoiei na divisória e chamei o funcionário do caixa, que ficava sentado num nível abaixo do chão.

- Vocês têm vela?

- Não sei, porque eu nunca estou aqui na hora que eles abrem a padaria.

- Mas você não pode me olhar aí ao seu redor e me dizer se vocês tem vela para vender?

- Não, não tenho.

Não conseguiríamos fazer nada. Era hora de voltar para casa. A chuva e a guerra iria começar em instantes.

Acordei antes de sair da padaria e falar com meu primo.

3 comentários:

Varotto disse...

Quando você viu a padaria, eu juro que achava que você ia dizer que ia entrar para comprar um sonho.

O resto da piada você já conhece...

Angela Cruz disse...

Puxa, que sonho coerente, rs. Fosse meu, na hora em que eu desse de cara com a senhora idosa o contexto já estaria todo mudado, rs.

Thayz Figueirêdo disse...

Sonhar com padaria:
Ver uma padaria: riqueza. Estar em uma padaria: terá um bom ano.