22 de setembro de 2010

Arraste-me para o Inferno

Desde que eu vim morar sozinho, anos atrás, meu relacionamento com o mundo sobrenatural se estreitou bastante. Os leitores mais antigos do Champ certamente se lembram do Jonas, o fantasma folgado que divide apartamento comigo, traçando os restos de pizza de madrugada e deixando a garrafa de Coca aberta. Muitos, inclusive, reclamam das longas ausências dele por aqui.

Bem, eu juro que escrevo sempre que ele aparece, eu falo dele no blog. Mas faz tempo que ele está sumido. E, na verdade, eu até desconfio qual seja o motivo. Uma noite, estávamos vendo TV em casa e começou a passar uma reportagem sobre o Chico Xavier. O Jonas se empolgou todo (e começou a gritar “eu conheço esse cara, ele é demais!”), mas eu, que estava saindo da cozinha com pipocas, olhei para a TV e perguntei casualmente:

–É o Roy Orbinson, né?

Ele ficou puto e começou a discutir comigo, falando que não estou nem aí para as coisas que ele gosta, que eu sou egoísta e que eu deveria ler mais. Como eu não levo o Jonas muito a sério, decidi responder cantando Pretty Woman e dançando com a bacia de pipocas na mão. E, como qualquer pessoa, ou melhor, como qualquer fantasma, ele começou a ficar nervoso.

E o problema de você morar com uma criatura dessas é que quando o sujeito perde a cabeça, sua casa vira um cenário do remake de Poltergeist. As lâmpadas começaram a explodir, os livros decolaram e ficaram flutuando pela sala, as cadeiras começaram a cair no chão.

Eu tentei argumentar pedindo a ele que olhasse para a TV, para ver que o Chico Xavier e o Roy Orbinson são iguaizinhos (tomando cuidado de não dizer, em momento algum, que se colocassem uma peruca no Chico Xavier, ele também ficaria igual ao Joey Ramone), mas não adiantou. Ele nem me ouvia. Uma hora, ficou puto de verdade e foi embora atravessando as paredes, dizendo que ia passar uma temporada no apartamento da velhinha do terceiro andar – pelo que eu entendi, a mulher comprou um DVD pirata de Nosso Lar e ele ainda não tinha visto o filme.

De lá para cá, não tive mais notícias. Mas podem ficar tranqüilos que assim que acabar o dinheiro, Jonas, o Fantasma Pródigo, volta para casa.

Mas não é por isso que meu relacionamento com o mundo sobrenatural diminuiu. Afinal, nem de só de um fantasma preguiçoso vive um apartamento mal assombrado.

De umas semanas para cá, comecei a reparar em alguns barulhos estranhos, sempre de madrugada. Estava dormindo e acordava ouvindo gritos bizarros, que não pareciam ser humanos, e lembravam mais um animal sendo sacrificado. Mas, como eles pareciam estar bem longe – ou, ao menos, fora do meu apartamento, virava para o outro lado e dormia.

Isso aconteceu três ou quatro vezes. E não estava ficando louco, já que o Besta-Fera veio se queixar comigo, em uma manhã, de que não conseguia dormir com os barulhos.

Bem, este domingo, eu descobri do que se tratava.

Estava jogando PlayStation 3 na sala e comecei a ouvir os gritos. Era a primeira vez que eu os ouvia durante o dia, e estavam muito mais altos que de costume. Besta-Fera se assustou quando eu levantei e comecei a andar pela casa, procurando saber de qual direção aqueles ruídos tenebrosos vinham. Sim, tenebrosos. Não eram gritos nem lamentos, eram zurros bestiais e raivosos, mas de nenhum animal que eu conhecesse. Ok, admito que biologia nunca foi meu forte, mas até mesmo eu sou apto a distinguir um cachorro latindo de uma pessoa falando.

Não demorou muito para eu perceber que o som entrava no meu apartamento pela janela do banheiro. Era alguma coisa no prédio ao lado. Olhei com cuidado pela janelinha, para ver se o pombo voyeur estava por ali, mas sua janela estava fechada. Assim, me debrucei com calma e olhei para baixo.

Foi então que eu a vi.

No prédio ao lado do meu, existe uma pequena área descoberta, um quadrado com 3 metros de cada lado com chão de ladrilhos. No meio deste pequeno espaço, uma criança com cerca de dois anos, sentada sobre um velotrol. Os sons vinham da criança.

Se você está imaginando que se tratava de apenas uma criança chorando, saiba que eu também pensei nisso quando a olhei pela primeira vez. Mas logo ficou claro que não era nada disso. Vou tentar descrever o que vi da melhor forma possível.

Em primeiro lugar, ela não estava chorando, ela estava gritando palavras em uma língua totalmente incompreensível. Em segundo lugar, seus olhos eram vermelhos. Vermelhos, mesmo, da cor de sangue. Terceiro, mesmo bebê, ela já possuía todos os dentes, mas eles eram pontiguados, como se freqüentasse o mesmo dentista do Cavaleiro sem Cabeça. E, por fim, ela não estava apenas gritando frases em algum idioma morto, mas sim gritando isso e com o braço esticado e o indicador apontado diretamente para mim.

Quando percebi isso, me escondi rapidamente dentro do banheiro, pensando no que eu havia visto. Os gritos continuaram. Com cuidado, coloquei somente os olhos para fora da janela, tentando observá-la com calma sem ser visto. Mas ela me viu e os gritos dobraram de intensidade, e tenho certeza de que ouvi algo parecido com "Gooooordon! Buuuuurn!” no meio das palavras.

E ela continuava apontando para mim, sentada naquele velotrol satânico, provavelmente fabricado com tecido e ossos humanos. E com seus olhos vermelhos e inumanos fixados diretamente em mim.

Minha primeira reação foi ligar o computador e acessar o Google, para descobrir a trajetória do Bebê Diabo, registrada pelo extinto Notícias Populares, mas não encontrei nenhuma referência que o ligasse ao Filho de Satã do prédio ao lado. Peguei meu DVD de O Bebê de Rosemary e reassisti a última meia hora, prestando bastante atenção em cada diálogo. Nada. Nenhum dos personagens faz referência a se mudar para Pinheiros.

Quando desliguei o DVD, os gritos haviam parado.

Fui até o banheiro e olhei pela janela novamente. Nada do Bebê das Trevas.

Mas havia algo errado ali. As paredes do prédio estavam chamuscadas, como se algo tivesse queimado ali durante horas. E o chão continha alguns traços estranhos, formando uma espécie de pentagrama que, ao menos de onde eu podia ver, havia sido feito com tinta guache, daquelas que usam no Jardim da Infância. Isso sem falar no cheiro de enxofre.

Um pouco mais tranqüilo, fui até a varanda. Aparentemente, nenhum morador dos outros prédios da minha rua havia escutado algo. O problema era comigo mesmo. Passei os olhos pela calçada e não vi nada de anormal, somente um casal passeando de mãos dadas; uma senhora idosa andando sozinha; um rotweiller preto sentado bem em frente ao meu prédio e olhando fixamente para mim, com os olhos injetados de sangue; três meninos jogando bola e uma família empurrando um carrinho de beb...

Olhei para o rotweiller novamente. Ele olhou para mim e começou a latir.

Os gritos recomeçaram no prédio ao lado. Mas, desta vez, acompanhados de outros sons. Sons de coisas raspando. Fui até o banheiro e olhei com cuidado pela janela.

A coisa estava cada vez pior. O Bebê das Trevas zurrava raivosamente, ainda apontando para mim. Mas, desta vez, o chão do prédio ao lado não era mais de ladrilhos. Ele flutuava no ar, sobre um poço com centenas de almas queimando e gemendo abaixo de si. As paredes eram labaredas de fogo, e o cheiro de enxofre tornava impossível respirar.

GOOOOORDON! BUUUUURN!

Fechei a janela correndo e voltei para a sala. Minha alma estava condenada.

Os zurros bestiais continuaram. Desta vez, ele começou a gritar algumas frases em português (com sotaque de Portugal), dizendo que minha alma seria violada como uma prostituta da Babilônia, e que meu sangue serviria como alimento para ratos durante toda a eternidade. Sério, se eu vou até a varanda e grito algo assim, o mínimo que consigo é uma multa no condomínio.

Agora, como o moleque é filho do Demônio, ninguém faz nada.

Minha única saída era tentar não dar atenção ao som. Assim, peguei meu MP3 e comecei a ouvir música. Não resolveu nada, pois ele ficava alternando somente entre Children of the Damned e The Number of the Beast, do Iron Maiden, N. I. B. do Black Sabbath e Me and the Devil Blues, do Robert Johnson.

Mas, na quarta vez que começou a tocar Robert Johnson, resolvi fazer um teste: conectei o MP3 no PC (os gritos continuavam no prédio ao lado) e apaguei todas as músicas. Não adiantou nada, assim que coloquei o fone de ouvido, as mesmas músicas começaram a tocar.

Ou seja, antes de levar minha alma, o Bebê das Trevas resolveu sacanear minhas músicas. Ao menos o moleque tem bom gosto.

O problema é que isso já faz dias e eu não consigo dormir com os gritos bestiais. E também não posso sair de casa porque o rotweiller continua ali, me encarando. Ontem à noite, uma Kombi estacionou bem à frente dele, impedindo sua visão.

Antes que eu respirasse aliviado, ele assassinou os dois ocupantes do carro com mordidas violentas e precisas e estraçalhou e o veículo com os dentes, passando o resto da noite deitado mastigando pedaços da carroceria. E sem tirar os olhos de mim. E eu ali na varanda, sabendo que queimar no inferno é uma questão de tempo.

Isso faz três dias. Eu saio, vou trabalhar, volto para casa, e o cachorro está ali, me observando. E, assim que coloco os pés em casa, os gritos começam. Outro dia ele passou a madrugada berrando que sou o filho de todas as prostitutas da Cananéia, e que minha alma será empalada em diamantes sanguinolentos.

Os vizinhos já estão comentando. E não sei mais o que faço, pois nada parece funcionar. Já virei um balde de água pela janela do banheiro para ver se espantava o Bebê das Trevas (não adiantou, a água evaporou antes de chegar ao solo) e, ontem à noite, sem conseguir dormir com os gritos, fui até o banheiro e gritei.

– Porra, você está me confundindo com alguém! Cala a boca por uns dez minutos!

– BUUUUUURN!, ele respondeu.

Ô fase. Ô fase do inferno.






Nota: Como o Intense Debate insiste em dar pau no meu blog - ameaçando até mesmo apagar todos os comentários recebidos, voltamos ao sistema normal de comentários, ao menos por enquanto.

Nota 2: Ou não, já que o Intense Debate resolveu voltar sozinho. E duplicado. Aposto que é coisa do Bebê das Trevas.

32 comentários:

Nelson disse...

Hahaha, Roy Orbinson foi demais, nunca tinha pensado nisso.

Bebê demoníaco, Rob. Experimenta jogar umas chupetas benzidas lá em baixo, quem sabe ele não se acalma. O difícil mesmo vai ser o padre topar benzer as chupetas; não creio que o Papa aprove esta prática.

Eduardo Leal disse...

Hahahahaha, eu não sei o que você toma, mas é Bããããão pra caramba, véio...kkkkkkkkkk...
Obs: Ninguém, a não ser o Chuck Norris ou o Neymar ousariam a multar o filho do Demo....

Fagner Franco disse...

Novamente, uma boa e ainda não pensada comparação: Orbinson e Chico Xavier.

Danilo disse...

O que não faz uma over de PS3, hein? Ou então chama o Urandir...:P

Ana Savini disse...

Hahahahahahahaha
Roy Orbison foi foda. O post inteiro foi foda.
Um dos mais engraçados dos últimos tempos.
Rob, seu doente!
=D

Tyler Bazz disse...

Você é doente. Isso é fato conhecido já.

Mas agora você é doente a ponto de me deixar com medo. VALEU, ROB!
Eu perguntava sobre o JONAS, não sobre a porra do bebê diabo assassino do inferno!

Porra, Rob, Porra!!!

(vc mora no oitavo andar e viu lá no chão que o bebê tem olhos vermelhos? poxa.)

Rob Gordon disse...

Não eram vermelhos. Eram VERMELHOS.

Ana Savini disse...

Ops... Roy OrbiNson

Varotto disse...

Chico Xavier = Roy Orbinson

Fato!

Sempre pensei assim e sempre chamava um quadro do CX, que ficava pendurado no corredor da casa de um amigo, de Roy.

O consultório do dentista do Cavaleiro sem Cabeça, para quem quiser dar uma passada, fica logo ao lado da loja de pentes para carecas e em frente ao ECB (Empório da Cabeça de Bacalhau).

Fiquei confuso...

Isso vai continuar?

Ou não??? (nota do diretor: em voz gutural, seguido de risadas maléficas do Vicent Price).

P.S.: Será que a cria do inferno te viu na rua de camiseta de metal e cara de mau, e resolveu eliminar a concorrência?

Kika disse...

Rob. Isso é coisa daquela síndica. Vai por mim. ;)

Leandro disse...

Chama um exorcista...

Hydrachan disse...

"se colocassem uma peruca no Chico Xavier, ele também ficaria igual ao Joey Ramone"

Rob, quase tive um troço de tanto rir! PQP! XD

Aprendi no Silent Hill 2 que se você se esconder num armário e der tiros aleatórios a criatura vai embora durante algum tempo. Depois você corre... MUITO! XD

Pedro Lucas disse...

Não entendi qual foi a desse post. Estou confuso =]

Normalmente nos seus posts tem um motivador ÓBVIO do post, e em cima disso você constrói toda a fantasia Robsesca, mas nesse não encontro o motivador, seria um cachorro te olhando na rua a 3 dias?

Dragus disse...

Me lembrei das músicas paranormais de Raul Seixas o TEMPO TODO.

Sério.

Yara Balestrero disse...

Ok, sério agora: Besta-Fera, aproveita que ele saiu para trabalhar, faz a sua mala e vai morar com o Jonas e a velhinha do terceiro andar. O negócio está ficando feio por aí, e vai sobrar para você.

Rodrigo Rocha disse...

Rob passei para conhecer seu blog ele é not°10, fantástico com excelente conteúdo você fez um ótimo trabalho desejo muito sucesso em sua caminha e objetivo no seu Hiper blog e que DEUS ilumine seus caminhos e da sua família
Um grande abraço e tudo de bom

Rob Gordon disse...

Valeu, Rodrigo!

Aguardo novas visitas suas!

Alessandra Costa disse...

Quando eu terminar meu curso de psicologia juro que vou tentar te ajudar, ok? . hahaha
Brincadeira, ri demais com esse post., muito bom .

Kell Alves disse...

Nem dá pra ter medo de fantasmas com um texto desse. Se bem que eu axo q vou dormir com minha irmã...
À propósito, tirei o Intense Debate lá do meunblog, ele é muito chatinho.

Daniela disse...

Rob...
Você está bebendo, fumando ou cheirando algo proibido por lei?
Vai por mim... procure um psicanalista.

Sil disse...

Um post digno de Rob Gordon, me fez chorar de rir imaginando sua conversa com o Jonas.

Fabi disse...

"Sério, se eu vou até a varanda e grito algo assim, o mínimo que consigo é uma multa no condomínio. Agora, como o moleque é filho do Demônio, ninguém faz nada."

HAHAHAHAHAHAHAHAHA

"Ô fase. Ô fase do inferno." ; )

Irmão do Rob disse...

(...). e que minha alma será "empalada"
■ substantivo feminino
punição corporal antiga inflingida ao condenado, a qual consistia em espetar-lhe, pelo ânus, uma estaca deixando-o dessa maneira até sua morte; empalamento

Bom.. acho que isso é apenas mais um indício...

Para quem não leu meu comentário no Post anterior:

Rob:
i. vc comprou 2 sapatênis
ii. Vc sabe q o nome daquele sapato é sapatênis
iii. Vc escreveu 3 posts sobre a dor em seus pés sensíveis
iv. Vc pediu um escalda pés que nada mais é que um tratamento corpóreo
v. e, como prova irrefutável, vc sabe as cores dos seu sapatos

e finalmente desse:

Vc foi promovido a bicha louca... Parabéns... Seus próximos blogs serão sobre o que? Maquiagem? Drenagem linfática? Celulite?

Rob Gordon disse...

Senhoras e senhores,

Eu fui criado ao lado disso.

Ô fase.

Mari Hauer disse...

Hahahaha... adoro quando o irmao do Rob aparece nos comentarios! Nao precisa de foto e nem de nome pra saber que REALMENTE eh o irmao dele! Hoho

Dragus disse...

Ri litros.

Ainda bem que sou o mais velho.

Dragus disse...

E o mais forte.

Hally disse...

Rob, eu compartilho de sua dor e experiência. Também sou a caçula.

Quanto ao texto, fiquei com medo véi...
E que visão superpoderosa você tem hein... não quer doar um pouquinho pra uma míope?

Ana Savini disse...

Nada como amor fraterno. Ainda mais de irmão mais velho.

Renata Santos disse...

Se eu sonhar com essa p**** hoje, vou xingar muito vc, seu doente!

Kel Sodré disse...

Eu só queria era ver a real situação disso pra comparar com o post!

Gilmar Gomes disse...

Bebês demoníacos sempre me deixam com medo... Não tenho nem coragem de ver isso em filmes... Me cago todo.