Sim, porque tem dias que sou Chronicles.
São aqueles dias em que quero ficar sozinho, dentro do meu quarto e com a porta fechada, mexendo nas coisas que guardo escondidas naquela caixa de sapatos branca embaixo da minha cama. Dentro dela, estão minhas dores, paixões, angústias, saudades e solidões – sim, eu tenho mais de uma solidão – e amores. Dentro dela estão os meus segredos.
Aí eu sento no chão e vou tirando as coisas da caixinha com cuidado e olhando com calma, com aquele misto de dor e leveza que a gente sente quando folheia um álbum de retratos, tentando captar o cheiro e o som de fotografias já amarelas e batidas muitos anos atrás. Mas, muitas vezes, os objetos que olho ali na minha caixa são mais bem novos que isso. Alguns, na verdade, têm somente horas de vida.
E nunca mexo nessa caixa sem motivo. Eu tranco a porta do quarto com cuidado, sem fazer barulho, e me sento no chão para mexer nessas coisas somente quando preciso, quando não tenho mais para onde ir. Ou melhor, não tenho mais para onde fugir. Só abro a caixa quando estou me afogando.
Quando encontro o que quero, retiro da caixa com cuidado e delicadeza, com medo de arranhar mais ainda. Sim, porque quase tudo ali está arranhado, quase tudo ali é muito doído. Já desabei em lágrimas, de soluçar mesmo, no meio de alguns textos que estão ali. E não chorei somente pela dor que senti enquanto mexia em tudo aquilo, mas sim pela injustiça de ter que escrever sobre aquilo – porque se estou escrevendo sobre aquilo, é porque estou vivendo, e pior, sentindo aquilo.
E não posso fugir do que está dentro da caixa. Mesmo doloridos, são os meus segredos, e eles formam a pessoa que sou. Odiar a eles seria odiar a mim mesmo.
Assim, como não posso escapar deles, os transformo em textos. Esculpo cenários – que podem ser grandes como uma calçada ou pequenos como um planeta – e, como um deus, faço chover naquele universo o que estou sentindo desesperadamente naquele momento. Muitos textos ali, independentes do formato e tamanho, giram em torno de um único sentimento, de uma única pessoa, de uma única situação.
Mas, se sou deus para fazer chover o que quero – ou o que preciso que chova - uso e abuso do livre arbítrio. Deixo os habitantes daquelas crônicas fazerem o que quiserem com a chuva. Eles decidem, eles escolhem. Como eu disse: livre arbítrio. A maioria das crônicas ali não tinha um final planejado quando ainda estavam em seu início. Os personagens que decidiram como ela iria acabar.
Claro que eu posso estar me enganando um pouco aqui, já que quase todos estes personagens têm um pouco de mim. Não todos, mas quase. Lá dentro existem aquelas crônicas nas quais sou o personagem central e aquelas nas quais estou no canto da sala, observando. E, claro, existem crônicas em que eu não estou. O grande segredo do blog é saber onde eu estou – quem percebe isso, percebe o que sinto.
Aliás, um dos motivos da maioria dos personagens do Chronicles ser anônima é justamente esse: não mostrar onde estou. O outro, claro, é meu ego querendo que você, leitor, se sinta dentro daquilo que escrevo.
Em todo o caso, se a crônica que você leu ali não possui um final feliz, é por culpa dos personagens, não minha. Eu montei o tabuleiro e organizei as peças, mas eles que jogaram.
Se eles não tomaram as decisões corretas ao longo da crônica, insistiram em procurar por algo que não sabem ao certo o que é, brigaram pelos motivos errados ou se fizeram qualquer outra coisa que não deu certo... Bem, culpa deles, não minha. E se os personagens fizeram as mesmas coisas que eu faria, bem, pode ser apenas uma coincidência.
Contudo, não se deixe enganar. Aquele blog não é fácil – e eu não digo isso com base no que eu acho, mas sim nos comentários que recebo dos leitores. Existem crônicas que eu escrevi chorando e você leu gargalhando, e vice-versa. Porque é contraditório: nos meus dias de Chronicles, eu escancaro o que estou sentindo, mas faço isso da forma mais disfarçada do mundo.
Eu já disse antes: no Chronicles, eu escrevo, antes de tudo para mim.
Mas, claro que em alguns casos não quero falar nada, quero apenas brincar lá dentro. Brincar faz parte de mim. Sempre fez. E ali brinco de ser escritor. Imagino uma situação inusitada e crio um mundo ao redor dela, me desafio a desenvolver a idéia. Às vezes, faço por curiosidade. “O que será que aconteceria se duas pessoas se encontrassem num lugar X, fazendo tal coisa?”, me pergunto, e preciso escrever para descobrir a resposta.
Mas a grande maioria dos textos ali dentro é, sim, mais séria, o que não necessariamente significa triste (quem nunca se afogou de amor que atire a primeira pedra). Muitos vêm daquela caixa de sapatos que eu disse lá em cima.
E, assim como acontece aqui fora, comigo e com você, alguns têm finais felizes e outros não. Porém, independente do texto ter final feliz ou não, jamais conseguirei descrever o que sinto quando termino e posto.
Não importa se, no texto, o personagem conseguiu o que queria ou não – afinal, alguns ali são bem-sucedidos e outros são apenas sobreviventes. Quando eu posto, sinto aquilo que estou sentindo desafogar.
Eu não escrevo no Chronicles em busca de respostas, mas sim em busca de ar.
Existem momentos nos quais eu preciso desesperadamente abrir a caixa de sapatos e olhar dentro dela para respirar. E eu sempre respiro quando escrevo no Chronicles. O peito alivia, o nó desata e as coisas se tornam mais leves. E eu preciso disso. Eu toco a minha vida. Porque eu preciso tocar minha vida e esperar pelo dia seguinte, no qual eu posso estar novamente num dia Chronicles, ou, quem sabe, num dia Champ.
Sim, porque tem dias que sou Champ.
10 comentários:
Nós temos a mesma motivação, você - pelo menos no Chronicles -, para escrever... a busca por um ar, um desabafo.
Alivia, né?
Deveria fazer isso mais vezes. Digo, abrir a caixa de sapatos pra respirar. Sei bem o que é isso. No meu caso abro uma caixa de madeira com uns cadernos amarelados...
Beijos na alma!
Você não brinca de ser escritor. Você É escritor, Rob.
Oi Rob.
Mais ainda do que no Chronicles, hoje eu me vi em cada palavra sua, desse texto aqui.
Sim, parecia eu entrando no meu próprio quarto, pisando devagar, e fechando a porta, como se isso pudesse me isolar do mundo inteiro ao redor, e pegando as minhas caixas, que não são brancas, e sim de madeira, e tantas e tantas coisas lá dentro.
Me vi nessas suas palavras, exatamente porque tem coisas que escrevo ou vão saindo de mim, e como [você disse] eu sendo deus, não posso mexer no livre arbitrio, dos que querem viver.
Enfim, Rob.
As coisas nunca são compreendidas pelos outros exatamente como nós as percebemos, mas eu pude compreender um pouco ao menos, o lado Chronicles, descrito aqui. Pois eu também tenho o meu.
Você é [quase, ou não, sei lá] o meu melhor amigo, sem saber.
Obrigada, pelos escritos, daqui e do Chronicles.
Obrigada.
Cheiro pra você e a Srª Gordon.
Lua,
Me passa muita coisa a dizer após ler este texto, mas vou deixar todas de lado, com exceção de uma que, delicadamente, deixo aqui:
"Porra! Cadê o livro?!?"
(vide Chronicles)
A vida de um homem praticamente "resumido" por 2 sites da internet completamente opostos, como disse o Varotto, fico no aguardo do livro.
Abraço,
Carlos Cruz
De uma caixa de sapatos, cheia de acontecimentos que vc pensou ser melhor guardar e não resolver... Surgem estórias, personagens.
Como talvez vc não tenha resolvido os assuntos da caixa eles passam a criarem soluções, têm vida própria e finais escolhidos por eles mesmos.
Onde está o Rob? O Rob está sempre ali, vivendo nos textos, observando e dando vazão aos sentimentos e decisões de seus personagens.
Sabe o que é isso? Isso é ser um escritor.
Sério. Por favor, para nós seus leitores e, principalmente, para vc mesmo, comece um livro, aumente as ideias e os contextos dos personagens, ou simplesmente deixe-os mais livres, não os resolva em pouco tempo deixe-os viver mais, e vc irá se surpreender.
Porque sim, eu tenho convicção vc é um escritor. Talentoso!
Rob adulto.
Outside.
ainda bem q tem chronicles.
Porque tem dias que eu sei que preciso distrair e rir um pouco, aí encontro com o garoto do Champs
@ofrango
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