10 de março de 2010

O Céu é o Limite

Mais uma do boteco aqui em frente à redação.

Dias desses estava vindo para o trabalho e percebi que tinha somente dois cigarros. Como eu já estava em fechamento – na verdade, eu não sei se eu estava em fechamento de novo, se eu ainda estava em fechamento ou se eu já estava de novo em fechamento – dois cigarros me manteriam vivo por aproximadamente 0,0078% do meu dia.

E como eu percebi isso já quase chegando ao trabalho, não tive alternativa a não ser parar no botequim.

Antes de entrar no bar, olhei no relógio e comecei a fazer contas. Eram 10h15min. Com sorte, eu seria atendido às 10h45min. O funcionário demoraria cerca de vinte minutos para entender o que eu queria, mais uns quinze para pegar o cigarro e calcular o troco. Podemos colocar aí uns cinco minutos adicionais para eu brigar por causa do troco errado e pronto: eu estaria na redação com cigarros às 11h30min, mais ou menos.

Ou seja, ainda daria para salvar um pouco da manhã.

Mas os anos em que eu trabalho aqui não me preparam para este boteco – seus atendentes conseguem me surpreender a cada dia.

Entrei no bar e me encostei ao balcão.

Não havia ninguém ali. O bar estava deserto. Olhei para cima e constatei que as luzes estavam acesas – o que indicava que o bar estava oficialmente aberto. Não havia nenhum sinal de presença humana ou animal (o que no caso dos atendentes é a mesma coisa) no local.

Sem saber ao certo o que fazer naquele ambiente desolado e apocalíptico, resolvi tomar a iniciativa.

– Hã... Oi?, disse em voz alta.

Nada. O vento soprava. Tufos de mato passavam rolando pela calçada. Comecei a considerar a hipótese de a cidade estar sofrendo um ataque de mortos vivos e eu ser o único a não saber de nada. A idéia me pareceu atraente – sim, eu sou problemático e fico bolando estratégias de sobrevivência a ataques de zumbis o tempo todo – mas logo voltei à realidade e lembrei que eu precisava apenas de cigarros para poder ir trabalhar.

– É.... Bom dia?, eu repeti.

Não tive resposta. Estiquei o corpo por cima do balcão, esperando encontrar o cadáver de um dos atendentes no chão, mas não vi nada disso, apenas a tradicional gordura de chão de boteco e um pacote de latas de Coca Zero. Na mesma hora, percebi que se minha teoria dos mortos vivos se confirmasse, aquelas latas de Coca seriam um bem precioso, eu poderia levar aquilo para casa e estocar...

– Pófalá!

Em uma fração de segundos, eu dei um pulo, quase enfartei e tive o impulso de golpear a pessoa que estava atrás de mim com o porta-guardanapo que vi sobre o balcão. Mas, enquanto eu ainda estava na parte da parada cardíaca, consegui me virar e dei de cara com uma das atendentes (na verdade, era o gênio matemático que trabalha ali).

Ela estava parada na calçada, segurando uma vassoura. Se eu não estivesse branco de medo, teria perguntado a ela se a vassoura era para espantar os mortos vivos. Além disso, não tive tempo de perguntar nada, ela insistiu:

– Pófalá!

– É... Eu queria dois Marlboro Box.

– Eu to varrendo a calçada, entra lá e pega!

– Oi?

– Eu tô varrendo a calçada!

– Sim, essa parte eu havia entendido. Mas o cigarro...

– Entra lá e pega!

Olhei para os lados, procurando a câmera escondida. Nada. Ela estava falando sério, não era pegadinha nenhuma. Ou, claro, ainda não havíamos chegado ao clímax da coisa (provavelmente haveria uma cascavel escondida atrás do balcão). Dei de ombros e aceitei a estratégia do self service adotada pelo botequim, fazendo o que ela mandou – afinal, ela tinha uma vassoura nas mãos e eu estava totalmente desarmado, tendo apenas o porta-guardanapo à disposição.

Contornei o balcão e fui até a parte do caixa, pegar os cigarros. E, claro, rezando baixinho, para que ninguém que eu conhecesse resolvesse passar por ali naquele momento.

E, quando meu dia parecia não poder ficar pior, os astros se alinharam de uma determinada forma que todo o constrangimento do universo se irradiou em mim.

– Oi? É... Bem... Eu meio que não alcanço o lugar dos cigarros.

Merda de altura. Merda de 1.60m.

– Quequeé?

Não, por favor, não me faça repetir isso. Olhei para cima e vi os cigarros, no alto daquela prateleira que, para mim, parecia uma montanha.

Também vi, por trás dos cigarros, um grupo de anjos debruçados numa nuvem apontando para mim e gargalhando. Um deles estava filmando tudo. Segurei meus impulsos de fazer um gesto obsceno na direção da câmera, mas, por outro lado, prometi a mim mesmo que não ficaria dando pulinhos atrás do balcão do bar para tentar alcançar os cigarros.

Estiquei o braço o melhor que pude, fiquei na ponta dos pés, como se executasse um passo de A Morte do Cisne naquele palco engordurado (“procurando bem, todo mundo tem cigarro, só a bailarina que não tem”, cantaria Chico Buarque em minha homenagem) e nada de alcançar os cigarros.

Não tinha jeito.

– Eu não alcanço os cigarros.

– Tem um banco aí!

O grupo de anjos havia se transformado em uma multidão. Olhei ao redor e vi o tal do banco, de plástico verde e mais engordurado que o chão do boteco.

Peguei o banco e, ignorando meu medo de altura, subi em cima dele e, com os olhos fechados, comecei a passar os dedos pelos maços de cigarro, tentando identificar os Marlboro pelo tato (demolidor mode: on) e ignorando o fato de que aquela merda não parava de tremer sob meus pés.

Não deu.

Abri os olhos – percebi que os anjos estavam fazendo coreografias e agitando bandeiras –, peguei os boxes de Marlboro com uma mão e, usando a outra para me apoiar na caixa registradora como se minha vida dependesse disso – e dependia – desci com cuidado do banco.

E, claro, ainda rezando, mas não mais para não ser visto, e sim para que o banco não virasse e eu me estatelasse no chão, tendo um traumatismo craniano. Afinal, se eu caísse ali, os funcionários do boteco só perceberiam isso no meio da tarde, e aí já seria tarde demais.

Apoiei os pés no chão, com calma - se o chão não fosse tão engordurado, eu teria bancado o Papa e beijado o piso, mas apenas arrumei minha camisa, saí do boteco e me aproximei da vendedora, com o pouco de dignidade que me restava. Paguei minha conta e vim trabalhar, tentando fingir que aquilo era absolutamente normal.

Mas, sinceramente, eu preferia os mortos-vivos.

24 comentários:

Tyler Bazz disse...

aHUAhuaHUAhuaHUAhuaHUAhuaHUAhu!!!

Certeza que é coisa do Serra isso...
Logo vem a lei: "Cigarro, só em self-service. E a prateleira tem uma altura mínima. Vamos diminuir drasticamente o numero de baixinhos fumantes. Votem em mim."

Mari Hauer disse...

Hahahaha... rolei de rir aqui!

Eu teria andado mais 1 km para comprar cigarros e não ter que passar por isso!

As melhores partes foram "tufos de grama rolando", o "Pófalá"(imaginei até a voz da véia com a vassoura na mão!), o fato do boteco ser self service e o melhor, claro, você se matando pra alcançar a maldita prateleira!

Mas, preciso confessar que te admiro um pouco mais porque vc sabe que o cisne morre no Lago dos Cisnes! hahaha...

Minha barriga, já dolorida dos abdominais de uma sedentária que acha que pode mudar de vida em uma semana, reclamou!

Adorei!

Anônimo disse...

Você descreve as coisas tão bem, que quando eu leio seus posts, passa o filminho na minha cabeça. Genial.
Você deveria escrever um livro.

Dani Cavalheiro disse...

Rob Gordon FAIL! hahahaa

E eu que do alto do meu 1.66m me acho alta. Mas isso é pq mulher é muito baixinha mesmo.

Claudia Iarossi disse...

DEFINITIVAMENTE...o universo conspira contra você!!!!
PÓFALÁ? Rolei de rir...kkkkkkk

gilgomex disse...

Não sei o que dizer. Não sou (tão) baixinho e não fumo, então:
Chupaaaaaaaaa, Robbbbb!!!!

Ah, tem post novo na
www.colunadolorida.blogspot.com
e estou esperando uma visita sua, porra!!!
(Visita e comentário, claro.)

Bruno disse...

Hahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahahaha!

Haha.

Kel Sodré disse...

HUAHUAHUAHUAHUAHUAHUAHUAHUAHUAHUAHUAHUAHUAHUAHUAHAUHAUHAUHAUHAUHAUHAUHAUHAUHAHUAHUAHUHAUHUAHUAHUAHAUHUAHAUHAUHUAHUAHUA

"Estiquei o braço o melhor que pude, fiquei na ponta dos pés, como se executasse um passo de A Morte do Cisne naquele palco engordurado (“procurando bem, todo mundo tem cigarro, só a bailarina que não tem”, cantaria Chico Buarque em minha homenagem) e nada de alcançar os cigarros."

Melhor parágrafo da História!

Rafiki Papio disse...

Um homem tem que fazer o que um homem tem que fazer.

Não é isso?

Natalia Máximo disse...

AHSUAHSUAHSUAHSUAHSUAHSUAHSUAHSUAHSUAHSUAHSUAHUSHA

Não tenho o que dizer hahahahaha

Jullia A. disse...

“procurando bem, todo mundo tem cigarro, só a bailarina que não tem”

DHOASDUAIDHOUISDHOAISUDHIAOSUDHAIOSDHAISUDHIOSUDHAIOSDUHAIOSUDHSIOUDHAOSIDUHAIOSDUHISUDHAISUDHAOSIUDHASUIODHASIODHOASUIDHAIOSDUHAOISUDHASIODHAISODHISDHASIDUHAISDUHAISUDH

entendeu?

Jullia A. disse...

ps: voce tem que ler meu comentario com a tela extendida pra entender a magnitude da risada

Bel Lucyk disse...

Eu nao sei o que foi mais engraçado: vc subindo no banco ou os anjos rindo e filmando. Juro, eu consegui visualizar a cena e sim, foi muito engraçado! eheheheh

rbns disse...

O cigarro só prejudica sua vida, mas rende bons posts.

Sabe... eu também estou sempre pensando sobre o que fazer em caso de ataque de mortos vivos. Tenho vários planos pré-elaborados para uma emergência desse tipo...
Nem dá para dizer que me sinto melhor sabendo que vc. também pensa isso pq. te conheço e sei que vc. é doido de pedra.

Em tempo: Ótimo post.

Varotto disse...

Mas o pagamento foi assim fácil, sem nenhum porém? Ou você não quis misturar as coisas?

(ou passou a andar com o dinheiro trocado certo para não haver problemas matemáticos?)

Muito boa a citação do Chico Buarque!

Unknown disse...

Rob... o Pófalá foi realmente uma superação.
É como aquele Ó Paí Ó... eu imaginei que fosse somente um título fake mesmo, mas aí, me deparo numa obra cheia de homens, bahianos (nada contra bahianos, amo de paixão, já morei na Bahia e penso em voltar para lá, um dia), e descubro que Ó Paí Ó significa: Preste atenção, olhe para isso... ou coisas do gênero.

Ótimo post.

Ah sim, tenho 1,78 e ás vezes gostaria de ter 1,60... o mundo não é tão perfeito.

Alexandre Greghi disse...

Genial!
E com mortos vivos então... perfeito!

Anônimo disse...

A existência do Querubim cinegrafista explica muita coisa... Aposto que aquela sensação de que algo se afasta, ficando cada vez mais longe do alcance, é causada por little bastards como ele...

Charlie

Caru disse...

Poutz... cigarro é uma merda!

Não era mais fácil largar esse negócio? rs

Bia disse...

Provavelmente pelo nome que voce usa, imaginei o john cusack nessa situação e, meu, nao foi legal. Só por isso, de resto amei seu blog. Sou viciada em alta fidelidade, já usei o sobrenome gordon e o fleming pela internet afora... Vim meio de cara fechada ler seus textos, coisa de fã, mas gostei! Parabens! =)

Karina disse...

você fez uma matéria para a Superinteressante deste mês?

Pulo no Escuro disse...

Mntira... Oo

Não, nenhum estalecimento comercial, por mais xexelento que seja, faz isso com os clientes.
Impossível... ou é possível?

Ai jesus. Oo
ahuahauhauhauhauhauahuahuahauuha

Otavio Oliveira disse...

ohaohahoahoa. quanta humilhação.

Sil disse...

Olha Rob, isso foi sacanagem dela com você e eu sei que é sacanagem minha achar graça mas como sou mais baixa do que você, me dou o direito de rir dos companheiros de infortúnio.

Acabei de lembrar de você no mercado comprando ovo de Páscoa...este sábado será meu dia de pagar esse mico ;)

Beijos

Sil