5 de março de 2010

Máquina Mortífera - Parte II

Agora, voltamos à programação normal do blog. Se você não leu a primeira parte da saga, ela está aqui.


Se você quiser um emprego no qual não precisa trabalhar muito, tente ser vendedor da parte de eletrônicos do Extra no turno da noite. Não sei se paga bem, mas o trabalho é pouco – quem vai comprar um PC de madrugada, a não ser o babaca aqui? – e é estável.

Isso porque o sujeito que me atendeu era o mesmo que havia me vendido o falecido PC três anos atrás. Evidentemente, ele não se lembrava de mim, mas eu o reconheci na hora – a cara de sono dele era inconfundível. Aliás, como eu cheguei com meu primo e o vendedor deu as caras somente uns dez minutos depois, bocejando e esfregando os olhos, tenho certeza de que ele estava dormindo no estoque.

Na verdade, acredito que o vendedor era patrocinado pela Disney, porque, ao longo da noite, ele conseguiu encarnar todos os sete anões da Branca de Neve, como vocês verão mais para frente. Neste estágio, ele, obviamente, era o Soneca.

Mas vamos às compras. Escolher PC com meu primo é algo de outro mundo. Ele parece um médium, usando técnicas não reconhecidas pela ciência para separar as máquinas boas das ruins. Assim, ele foi andando pelo Extra, atrás de uma máquina com vibrações boas. De vez em quando, parava, encostava a ponta dos dedos em uma das máquinas e fechava os olhos. Ficava assim por alguns minutos até resmungar um “não” e continuava andando.

Eu? Eu ia andando atrás feito um bobo.

Mas o grande problema mesmo é que ele fala coisas que eu, totalmente leigo no assunto, não entendo absolutamente nada. No final da caçada, ele separou quatro computadores que, aparentemente, emitiam boas vibrações. Veio até mim e, apontando para uma delas, disse:

– O melhor é esse aqui, apesar daquele outro ter processador quadri-warp-plus.

– Ter o quê?

– Processador quadri-warp-plus.

– Isso é bom?

– Muito.

– Então, aquele não é melhor?

– Não, pois a configuração dele não permite que os pinos warp usem a capacidade máxima.

– Como você sabe isso? Você não viu a configuração, só encostou na máquina.

Ele me deu um olhar ofendido e respondeu, com ar de quem não iria discutir o assunto:

– Eu apenas sei.

– Bom, ok. É esse, então?

– Talvez. Não estou certo ainda. Pois aquele lá no final do corredor tem um HD maxi-all com ligas de adamantium. Isso faz o processador agir mais rápido.

– Mas o processador é warp plus?

– MAXI warp plus. Não.

– Então...

– Estou pensando.

– Olhe, vamos fazer o seguinte. De 0 a 10, que nota você dá para os quatro?

– 9 para este. 8 para aquele ali no meio e 7,5 para os outros dois.

– Então, pronto. É o nota nove.

– Mas a placa bacteriana dele...

– Foda-se, eu nunca tirei um nove na vida. Eu quero esse PC. Agora eu quero uma nota nove, nem que seja para escrever, a caneta mesmo, no meu currículo escolar, que eu tenho um PC nota nove.

Enquanto tudo isso acontecia, o Soneca havia se transformado numa espécie de Dunga. Lembram-se do Dunga correndo atrás das borboletas na floresta? Enquanto meu primo bancava o xamã em meio aos computadores, o vendedor ficava andando pelos corredores, arrumando etiquetas de preços e mexendo nos monitores, preso no próprio mundinho e alheio a tudo o que acontecia.

Chamei o Dunga, que se aproximou devagar, ainda brincando com um catálogo de preços na mão. Comecei a ficar preocupado: com a velocidade que o mundo está hoje, até esse sujeito fechar a venda, a máquina já estaria ultrapassada.

Pedi detalhes sobre a configuração – meu primo fez duas perguntas que nem o Bill Gates saberia responder – e o preço. Quando o Dunga percebeu que eu talvez levasse um dos computadores, saiu de cena e deu lugar ao Dengoso. Os olhos dele brilhavam, ele piscava incessantemente, só faltava encostar-se em mim e começar a ronronar.

Ele respondeu dando o valor do PC – mais ou menos uns 300 ou 400 paus a mais do que eu queria gastar.

Chamei meu primo de canto.

– É caro demais.

– Mas a fiação dele é revestida de minério venusiano, isso aumenta a velocidade de conexão.

– Você pode, por dois minutos, falar como uma pessoa normal?

– Ok.

– É caro demais.

– Mas é nota nove, lembra? Você nunca teve uma nota nove.

Ele tinha razão. Em alguns anos – no(s) meu(s) lendário(s) primeiro(s) colegial(ais), por exemplo – nem mesmo se você somasse todas as minhas notas de química, do primeiro ao quarto bimestre, não atingiria 9. Fiquei olhando o computador, cada vez mais convencido de que aquela máquina era tudo o que eu não consegui ser na vida.

Eu já havia decidido. Chamei o Dengoso e disse:

– Se eu pagar R$ 400 à vista posso parcelar o resto?

– Sim, em seis vezes.

– Então, eu vou levar.

Previsivelmente, o Dengoso deu lugar ao Feliz. Ele sorriu para mim e pediu para eu acompanhá-lo até uma mesa. Aproveitando que ele estava no estágio Feliz, arrisquei:

– Como eu estou pagando uma entrada à vista, você pode me dar um desconto?

Achei que o Zangado fosse aparecer no meio daquela guerra de personalidades, mas não, foi o Dunga quem voltou. Nessa hora eu já pensei em dizer ao meu primo, só por garantia, que se alguém ali fosse a Branca de Neve, seria ele. Mas fiquei quieto, estávamos num momento delicado da negociação.

O Dunga tentou dar uma de desentendido, e começou a brincar novamente com uma etiqueta de preço.

– Desconto? Ih... Olhe, o problema é que o sistema...

Foi quando meu primo interrompeu e disse:

– O processador dele não é quadri-warp-plus, e a fiação é feita com cobre de Saturno e não venusiano. Queremos um desconto.

O Dunga olhou assustado, sem entender nada, e falou algo a respeito de 5% de desconto e voltou a brincar com a etiqueta de preço de um monitor.

Eu disse então que estava tudo fechado, que eu iria levar a máquina e ele foi cuidar da papelada – ou pular pelos outros corredores do mercado atrás de mais borboletas, vai saber. Fiquei esperando com meu primo um bom tempo, até que ele apareceu novamente. Desta vez, ele era o Mestre – e estava acompanhado de outro funcionário do Extra.

– Nós temos apenas duas peças desse computador. Uma é a do mostruário, e a outra não está no depósito. Nós vamos ter que procurar.

Pensei em perguntar “o que eu tenho a ver com isso?”, mas não tive tempo nem de abrir a boca. O Mestre, exercendo sua capacidade de liderança ímpar, mandou o subalterno examinar uma pilha de caixas de computador num canto, enquanto ele foi fuçar em outra pilha.

Aí, o Mestre saiu de cena e foi substituído pelo Atchim. Conforme ele mexia nas caixas de computador, nuvens de poeira começaram a subir pelo mercado, fazendo com que a rinite do vendedor-sete-anões atingisse estágio terminal. Era uma caixa, um espirro; outra caixa, outro espirro.

E nada do meu PC aparecer.

Estava quase perguntando ao Atchim se ele não queria uma picareta – eu sei que não ia ajudar em nada, mas como meu cérebro já estava trabalhando esta idéia dos sete anões... Bom, deixa para lá, tem certas coisas que acontecem no meu cérebro que devem ficar somente entre eu e ele.

Acabaram-se as caixas e nada do meu PC aparecer. Ele assumiu novamente a identidade de Mestre, soltou um comando qualquer para seu subalterno e veio falar comigo:

– Olhe, não encontramos a outra peça. Temos apenas aquela do mostruário.

Olhei para o PC. Ele estava ligado há sabe-se lá quantas horas. Tentei não pensar em quantas mãos haviam encostado nele e cheguei à conclusão de que ele tinha uma grande vantagem sobre a máquina que eu tinha em casa: ele ligava.

Chamei meu primo e disse:

– Eles só têm o do mostruário. Você acha que eu levo assim mesmo?

– Não tem problema, pois uma das características das ligas de cobre de Saturno...

Fiz minha tradicional cara de “ok” e chamei o Mestre.

– Beleza, eu levo. Coloque numa caixa.

Eu mal havia terminado a frase, e o Feliz havia possuído novamente o corpo do sujeito. Mas isso não durou muito, pois eu testemunhei uma verdadeira guerra de personalidades no sujeito:

– E como estou levando uma máquina aberta, quero um desconto maior.

– Desconto maior?, respondeu o Dunga.

– Claro.

O Soneca bocejou para ganhar tempo, e o Atchim espirrou uma três vezes. Eu fiquei apenas olhando.

– Olhe, na verdade, eu não posso dar um desconto maior que 10%. Ordem da gerência.

Não sei qual anão respondeu isso (deve ter sido o Dunga), mas emendei de primeira.

– Ótimo. Como você me deu um desconto de apenas 5%, agora você pode dar mais 5% então.

Foi aí que ele se tornou o Zangado.

– Mais cinco? Não posso.

– O maior desconto que você pode dar é 10%. Você me deu um desconto de 5%. 5% é menor-igual a 10%. Logo...

– Hum... Mais 5%?

– Sim. Desconto de 10% ou não levo.

– Ok, resmungou o Zangado.

Minutos depois, estávamos saindo do Extra com o PC embaixo do braço, deixando o homem-Sete Anões para trás.

Missão cumprida. Eu era o feliz proprietário de um PC novo. Poderia ir para casa e passar o fim de semana inteiro brincando com ele.

Ou não.

(continua...)

22 comentários:

Tyler Bazz disse...

Primeira vez que eu arrepio ao ler um "Ou não."


Ok, leitores, o Rob falou dos sete anões no texto, e ele tem 1.60m de altura. Fiz a piada. Não repitam =D

Anônimo disse...

Ok

A piada fácil do dia já foi feita. Vamos em frente? :-)

Rob

Bel Lucyk disse...

Rob,

eu tenho CERTEZA que foi uma péssima idéia levar o PC que estava exposto. Não que tivesse algum problema com ele. Mas enfim... a pessoa que estava levando era você ! kkkkkkk

Carlos Cruz Jr. disse...

Essa História nao podia acabar bem.
Se a terceira parte ainda não aconteeu (o que duvido)
Corra e aproveite pra comprar um garrafão de 20 litros de agua benta. :S

Sal Grosso

Patas de Coelho e tudo mais '-'

Kel Sodré disse...

Quarto dia no meu trabalho novo - sim, agora eu tenho um trabalho, e não mais um estágio :-) - e eu já estou esperando a chefa sair da sala pra ler o Champ. E, claro, fiquei sufocando as risadas, porque o post tá uma pândega (adoro essa palavra)! O dia que eu for demitida por causa do blog, Rob, vou bater na sua porta pra pedir um emprego em uma das revistas que você edita. Prepare-se!

Anônimo disse...

achei bem mais ou menos
Michel

Varotto disse...

Eu sabia! Eu sabia que você tinha de ter escolhido o HD com ligas de adamantium...

Pedro Lucas Rocha Cabral de Vasconcellos disse...

Por mais que eu goste de você Rob...

Ao comprar um PC fechado na caixa você já tem uma probabilidade de 25% dele estar com defeito, levando o do mostruário então...

Você pediu por esse "Ou não".

E por isso lhe sou tremendamente grato, afinal se tivesse levado o lacrado não teria continuação! hahahaha

Jullia A. disse...

Sem querer ser rude ou criar algum tipo de intriga, se o computador custa 100 reais e o cara te d'a 10% voce pagaria 90.
Se o cara te deu primeiro 5% voce pagaria 95 e depois ele te deu mais 5% em cima do pre'co que ele j'a tinha dado desconto antes ele te deu 9,75 de desconto. ao inv'es de 10 reais. O que no pre'co real do computador deve ter feito alguma diferen'ca. O cara te enganou ROb.

Anônimo disse...

Jullia

Não, ele deu 10% no valor total!

Valeu!

gilgomex disse...

tipo assim... concordo com o Varotto... e com HD de adamantium seri abem mais phodástico... se bem que as peças saturnianas são bem interessantes mesmo...

Pri disse...

Com certeza o fato de ser VOCÊ o comprador pode influenciar de forma negativa a aquisição (por melhor q seja)!uahahah
Acho q as vezes tenho desses disturbios de personalidade... talvez!

Rafiki Papio disse...

Seu primo tem o dom! Entenda.

Eu já nem sei o que dizer sobre tua extraordinária vida, acho que nem você sabe.

rbns disse...

Vc. devia ter levado um note... :-)

Unknown disse...

foda.

Lari Bohnenberger disse...

Eu tenho até medo do que estar por vir...

Natalia Máximo disse...

Você levou o feito com ligas de cobre de Saturno? Grande, grande erro. Seu primo não te disse que as placas de memória de Plutão têm um desempenho superior? =p

Pulo no Escuro disse...

Me ocorreu um pensamento sombrio: você não comeu nada parecido com maças lá dentro não né?
Porque esse vendedor-sete-anões tah muito com cara de bruxa má disfarçada.
ahuahuahuahuahuahuahuahua

Ou não não é um jeito bom de terminar textos... mas, vamos lá.

Sil disse...

Em dezembro comprei um Mini Vaio de mostruário em uma loja em NY.

Está funcionando que é uma beleza desde o primeiro segundo ^_^

Aposto como o seu não funcionou :D

Meu lado sádico aguarda ansioso pela continuação da Saga.

Meu lado mãe, morre de aflição por você ;)

Beijo

Sil

Dani Cavalheiro disse...

Ok, eu sei que o post anterior foi fechado pra comentários, e tal, mas eu adoro o Champ, e não vou deixar de fazer uma observação (inútil, e até mesmo um pouco infantil, mas não posso me segurar, é a vida): "O cara não tem culhões", "o cara não é homem"... gente, vamos parar para pensar nas nossas afirmações sexistas. Ter coragem não tem nada a ver com o sexo.

Sei que talvez eu tenha tocado num ponto delicado, e eu concordo com vc que o que tentaram fazer com seu blog foi rude, cruel e mesquinho. Não to dando razão ao infeliz (ou à infeliz). Só queria fazer a galera fã do Champ (me incluo nessa lista, seus textos às vezes me tiram do chão, principalmente no Chronicles)pensar nisso um pouquinho.

Besos

Rob Gordon disse...

Dani:

Quer saber? Você está coberta de razão.

Beijos

Dani Cavalheiro disse...

Rob;
obrigada! Ainda bem que não fui mal entendida, deixo aqui bem claro que não apóio em nenhuma instância o que o mala fez.

Besos.