24 de janeiro de 2010

Um Estranho numa Terra Estranha - Parte I

Quando você é homem e entra na adolescência, não é apenas o seu corpo que passa por transformações, mas sua mente também. Assim, enquanto você é criança, suas maiores ambições são terminar determinado jogo de videogame ou fazer um gol de calcanhar; mas, conforme você cresce, todas suas aspirações se resumem a uma só: fazer sexo.

Um dos grandes motivos para isso – descontando o fato de que, nesta idade, você está produzindo hormônios em escala industrial, o que resulta num apetite sexual semelhante ao de alguém que passou vinte anos numa cadeia – é que esse é um dos maiores rituais de passagem para a vida adulta. Afinal, adultos fazem sexo, e crianças não – ao menos na teoria.

Ou seja, o sexo sempre foi vendido como o grande rito de passagem da infância para a maturidade. Mas sejamos sinceros, isso se deve muito ao fato de que o sexo envolve peitos de fora (e qualquer coisa com peitos de fora tem apelo da mídia e vende mais). Mas, no auge dos meus 34 anos, posso dizer com certeza aqui que um homem não vira adulto quando começa a transar, mas sim quando ele começa a comprar sozinho presentes femininos.

E isso acontece normalmente muito tempo depois da adolescência. Eu, por exemplo, até os 30 anos de idade, não me arriscava a comprar este tipo de coisa. Dava sempre livros, CDs e DVDs de presente (mas claro que com certo bom senso; jamais dei coisas como o DVD de Predador ou um livro com a história dos campeonatos brasileiros). Mas, de uns anos para cá, eu comecei a me arriscar nisso. Já estava na casa dos 30, era hora de virar homem de verdade.

Evidente que eu faço isso do meu jeito, que é o mais masculino possível. Mesmo porque eu não consigo entender como as mulheres fazem isso. Às vezes, observo como uma mulher se comporta dentro de uma loja de roupa. Ela pega um vestido e olha a estampa. Aí, procura uma peça do tamanho correto e começa a alisá-lo. Passam a mão por ele, apertam a barra, deslizam os dedos pelas alças. Se você olhar de longe, é capaz de achar que ela está ficando com o vestido.

Após quase um minuto fazendo isso, ela pega o vestido e o coloca junto ao corpo. Repare no olhar dela, neste momento: ela está em transe. Ela está se imaginando naquele vestido, mas usando como cenário todos os ambientes nos quais ela já esteve um dia (casa, praia, campo, trabalho, clube) ou que ela possa vir a estar (festa do Oscar, Saturno). Ou seja, elas perdem quase 10 minutos em cada vestido. Multiplique isso por 500 peças de roupas, e o resultado tende ao infinito.

Sério, as mulheres devem ter o mesmo tato do Demolidor. Elas passam o dedo pelo tecido e conseguem saber coisas como o país onde foi feito, se os funcionários ganhavam bem ou eram crianças escravas, se o tecido não vai desbotar na primeira vez que lavar.

Eu? Eu passo a mão no vestido e consigo, quando muito, ver que ele é feito de pano. Aliás, para mim, existem quatro tipos de tecido: cetim (que engloba seda), veludo, jeans e pano.

Assim, eu coloco minha praticidade masculina em campo, toda vez que preciso comprar um presente feminino. Normalmente, eu passo a noite anterior assistindo a filmes como Três Homens em Conflito e Os Doze Condenados para entrar nas lojas suando testosterona e praticidade. Aliás, nas lojas, não. Na loja.

Isso porque eu entro em apenas uma. Eu ando pelo shopping olhando as vitrines – e se a vitrine não tiver preços, eu passo reto.

Faço isso até achar algo que parece ser bonito. Quando encontro, entro na loja, e chamo a vendedora.

– Oi. Eu quero aquele negócio verde da vitrine.

– O vestido ou a saia?

(Cabe dizer aqui que até pouco tempo eu não sabia a diferença entre vestido e saia. Para mim, os dois eram exatamente a mesma coisa, e podiam ser definidos da seguinte forma: vestido ou saia são não têm pernas; e calças têm.)

– O verde.

– Temos duas peças verdes nesta coleção.

– É o verde-claro.

– Tanto o vestido quanto a saia são verde-claro.

– Vamos até a vitrine e eu mostro.

Pronto. Vou até a vitrine, aponto (“eu quero isso, no tamanho P”), pago e saio com a sacola. Mas claro que às vezes a vendedora tenta me complicar. Ela separa o que você pede, aí vira e solta um:

– Olhe, eu tenho este outro modelo aqui, que custa somente R$ 15,00 a mais.

– Por quê? O que ele tem de diferente?

– Ah, o tecido deste é .................................. (insira aqui um termo técnico qualquer, como “panamenho” ou “algodão bordado”).

– Ok. Em termos práticos, qual a diferença dele?

– Ah, este aqui ................................... (insira aqui algo inútil como “possui as alças não esgarçam nunca” ou “tem as cores mais vivas por causa do jeito que foi costurado”).

– Não, obrigado. Eu vou levar aquele mesmo.

– O modelo clássico?

– Não sei. O modelo clássico é o verde?

– Isso.

– Então, sim. O verde.

Mas confesso que este estágio em que estou é um grau mais avançado. Afinal, implica em você ver algo numa vitrine e gostar. Agora, quando comecei a comprar presentes femininos, eu tratava isso da mesma forma que encarava Biologia, no colegial: como eu não entendo, eu decoro.

Assim, andando com o alvo do presente – seja mãe, seja sra. Gordon – pelo shopping, reparava quando ela gostava de algo. Decorava o modelo e o nome da loja (no caso do Shopping Paulista, era obrigado a decorar também o local da loja e a jogar feijões pelos corredores, senão nunca mais encontraria o lugar).

Dias depois, eu voltava ao lugar, entrava na loja e chamava a vendedora.

– Oi, tudo bem?

– Posso ajudá-lo?

– Sim, eu quero um sapato azul marinho, fechado, com um lacinho em cima.

Sempre que há outras clientes na loja, elas olham para mim assim que acabo de pronunciar esta frase. E me olham com inveja, com olhar de “queria ser decidida como essa bichinha careca, eu estou aqui há vinte minutos e não sei qual eu levo”. Um dia, eu ainda vou pegar o sapato, olhar com cuidado e perguntar para qualquer velhinha que estiver ao meu lado se “será que vai ficar bem em mim?”, só para ver a reação dela. Confesso que já quase fiz isso uma duas vezes.

Mas, voltando à vendedora. Apesar de contar uma descrição precisa (não devem existir muito modelos de sapato com lacinhos e na cor azul marinho na loja) ela começa com as perguntas técnicas.

– Você sabe se é da nova coleção?

– Não, é da coleção de sempre. Ela coleciona sapatos há anos.

– Não, as coleções da loja.

– Ah. Não sei.

– Por que acabamos de receber a coleção outono. Você não quer dar uma olhada?

– Olhe, eu vou ser sincero. Eu mal sei em qual estação nós estamos. Eu quero aquele azul marinho com lacinho.

– Ele tem salto?

– Sei lá. Tudo o que eu sei é isso. É azul marinho, fechado e tem um laço em cima. Estava na vitrine aí, outro dia. E, se ajudar, tenho quase certeza que eram dois, um para o pé esquerdo, outro para o direito.

– Ah, isso está parecendo ser da coleção nova. Você sabe o material dele?

– Não, ele estava na vitrine e eu estava fora da loja. Ou seja, do meu ponto de vista, ele era feito de vidro. Mas era um material azul. E tinha um lacinho.

– Ah, senhor, se ao menos eu soubesse a coleção. Assim fica difícil.

Assim, eu faço a mulher justificar o salário dela e descer com todos os sapatos de lacinho que ela possui na loja e ir me mostrando um por um, até minha mente encontrar um “perfect match”. E, acreditem: eu não saio dali até a mulher achar.

Quando ela encontra, eu pago, mando embrulhar e vou embora.

E, quer saber? Até que tenho me dado bem – sempre levando em conta que não é apenas o cartão que é mais importante que o presente, mas sim a forma que você entrega o presente.

Mas eu ainda tenho muito a aprender. No auge da minha arrogância, depois de treinar menos de um mês com um sabre de luz, achei que seria capaz de dar uma surra no Darth Vader. Depois de comprar meia dúzia de vestidos e pares de sapato, eu achei que seria fácil comprar uma bolsa.

Como eu descobri ontem, eu não poderia estar mais enganado.

(continua)

16 comentários:

Anônimo disse...

Primeira? \o/
Bom, eu acredito que nessas horas a melhor opção é levar uma companhia feminina, sem ser a presenteada em questão. Pelo o que eu andei lendo, sua mãe é sempre uma boa opção.
Vê se continua logo tá?

Pedro Dal Bó disse...

Huahuahua...

Poderia dizer que sou eu contando essa história. Sofro dos mesmos problemas, mas devo dizer que não tenho o poder de decorar os osbejtos desejados pela minha amada. Tá uma ótima dica.

Já vivi a fase do "mãe, compra um presente de Natal para a fulana...", mas já passsei disso.

Natal e aniversários são as piores datas para mim. O Natal é sempre pior por que preciso de pelo menos 2 presentes para ela.

Boa sorte nas suas próximas empreitadas.

Estou aguardando a continuação.

Tyler Bazz disse...

Os MELHORES diálogos dos ultimos posts.

Ok, os ultimos textos não tem diálogos... tava fácil essa =D

Rafiki Papio disse...

Boa técnica, vou me lembrar disso quando eu decidir que é hora de virar homem adulto.

Charlie Dalton disse...

Quando é pra dar um presente, eu procuro ver algo que tem a ver com a pessoa, e nada melhor do que algo que ela goste pra me ajudar a conseguir atingir esse ponto.

Interessante o modo masculino como vc resolve essa questão, do dar presentes a uma mulher. Realmente são muito úteis! Você provou a vc mesmo que é possível procurar um bom presente feminino, mesmo tendo a "limitação" masculina. :)

Charlie Dalton disse...

E mais uma coisa: vc não precisa necessariamente se ferrar pra fazer bons posts. Esse post é um exemplo. Você se dar bem não vai influenciar na qualidade de seus posts. ;)

Bruno disse...

O bom é que minha noiva leva em conta o fator "ai, que fofo, ele foi ao shopping, entrou numa loja de mulher e escolheu uma coisa sozinho pensando em mim" e não liga pra se eu comprei um sapato cinco números menor ou uma bolsa praticamente igual a uma que ela já tem e eu nem nunca reparei...

Unknown disse...

"ficando com o vestido"... essa foi ótima!
Aguardo continuação!

Dani Cavalheiro disse...

Ahh, o malévolo (continua)...

Só o fato de vcs entrarem numa loja, escolherem e tal já é muito fofo. A gente sabe que não é o forte dos seres masculinos escolherem roupas, nem as suas próprias. Eu sempre acabo escolhendo pra meu namorido qd a gente sai junto pra ele comprar alguma coisa pra ele...

Besos.

rbns disse...

Ok, o "queria ser decidida como essa bichinha careca" me fez acordar a casa inteira com uma gargalhada.

Muito bom.

Carlos Cruz disse...

Crueldade, seria tão bom se escolher sapatos ou roupas femininas fosse tão facil como escolher um par de chuteiras pra nós homens..


Espero mais.. ;)

Dani Cavalheiro disse...

Carlos Cruz
Isso é porque você nunca viu meu namorado comprando chuteiras. Ele olhou em nada menos que oito lojas, e comprou na primeira que viu. E depois não conseguiu usar as chuteiras, porque machucaram o pé dele. ahahaha

Renata Izandra disse...

Cara, eu devo ser muito macho mesmo.
Eu simplesmente ODEIO ficar horas olhando roupas, e ficar analisando as vitrines; por exemplo, se eu tiver que comprar calça, eu entro na loja, vou na sessão de calças, vejo algo que eu quero, experimento, se ficar bem eu levo e tchau. Nada de ficar enrolando, alisando x.x minha mãe que faz isso, eu fico morgando lá num canto... auhauhuahuha
Eu tb não gosto qnd a vendedora vem na minha cabine e mete a mão lá dentro com mais zilhões de roupas, eu falo "não quero, obrigada", e enche o saco dizendo o quão linda vc vai ficar, blablablááááááá ¬¬
Ô saco, viu. Sem falar que eu odeio ganhar roupa e coisas do tipo! Eu gosto de ganhar livros, e só! auhauhauhauha

MaxReinert disse...

"Ok, o "queria ser decidida como essa bichinha careca" me fez acordar a casa inteira com uma gargalhada." [2]

Sério... ainda tinha gente dormindo aqui em casa que veio perguntar qual era o "motivo" do escandalo!

Kel Sodré disse...

"Ela pega um vestido e olha a estampa. Aí, procura uma peça do tamanho correto e começa a alisá-lo. Passam a mão por ele, apertam a barra, deslizam os dedos pelas alças. Se você olhar de longe, é capaz de achar que ela está ficando com o vestido.

Após quase um minuto fazendo isso, ela pega o vestido e o coloca junto ao corpo. Repare no olhar dela, neste momento: ela está em transe. Ela está se imaginando naquele vestido, mas usando como cenário todos os ambientes nos quais ela já esteve um dia (casa, praia, campo, trabalho, clube) ou que ela possa vir a estar (festa do Oscar, Saturno). Ou seja, elas perdem quase 10 minutos em cada vestido. Multiplique isso por 500 peças de roupas, e o resultado tende ao infinito."

ROLEI de rir! Hoje dei uma "passada" no shopping depois do estágio. Entrei em três lojas e demorei duas horas no shopping. Quando li essa descrição da mulher analisando um alvo, aliás, uma peça qualquer, me enxerguei direitinho! E rolei de rir!

Vinicius Maffei disse...

Hahah muito boa... me redescobri nessa fase atualmente. Presentes pra namorada são dificílimos.