Eu sempre adorei o Natal. Sempre. E, para mim, o natal começava no dia 6 de dezembro, quando minha mãe tirava a caixa da árvore do maleiro, para montar num canto da sala. Assim, quando eu era criança, esperava ansiosamente pela data e proibia terminantemente minha mãe de armar a árvore sem minha presença.
Era mais que tradição. Era paixão. Afinal, sempre fui apaixonado pela árvore prateada da casa da minha mãe. Ela me acompanha desde meus primeiros natais – não me lembro de um natal com outra árvore –, e mesmo já tendo visto dias melhores, ela continua lá, firme, forte e brilhante. Em muitos aspectos, aliás, ela está mais inteira que eu.
E é justamente por causa dessa árvore da casa da minha mãe que eu ainda não havia montado nenhuma árvore aqui no meu apartamento, desde que vim morar sozinho. Claro que pesavam os fatos de que montar uma árvore de natal sozinho não tem graça, e de que eu não passo o natal aqui em casa. Mas o fator determinante mesmo é que árvore de Natal, para mim, tinha que ser a da casa da minha mãe.
Este ano, porém, senti uma necessidade absurda de voltar a ser criança. Com isso, decidi romper o galho natalino que me mantinha preso à casa da minha mãe. Se nos outros anos eu pensava em comprar uma árvore, mas sempre acabava desanimando na última hora, desta vez eu simplesmente não pensei a respeito. Coloquei o tênis e fui.
Afinal, eu moro do lado da Teodoro Sampaio. É hora de começar usar isso a meu favor.
Andei duas quadras e dei de cara com uma loja de porcarias. Explico: a Teodoro é dividida em pólos. Existe o pólo dos instrumentos musicais; o pólo dos móveis; e o pólo das porcarias. Eu moro na fronteira entre os móveis e as porcarias.
Entrei na loja e olhei as árvores. Algumas eram fora de cogitação, com quase dois metros de altura. Por um instante, pensei em unir o útil ao agradável: como eu jamais alcançaria o topo de uma árvore de dois metros, seria obrigado a chamar o zelador para me ajudar, o que acabaria com meu problema de ter que montar a árvore sozinho.
Mas, convenhamos, seria loser demais. Assim, escolhi uma de 1,5m. O problema é que, de todos os modelos de 1,5m, só haviam sobrados árvores completas, já montadas (ou seja, já com os enfeites). E aí não tem graça. Você entra em casa com a árvore pronta, coloca-a num canto da sala, senta no sofá e fica esperando o natal chegar?
Não, o legal da árvore de natal é montá-la.
Assim, comecei a examinar a árvore de perto. Os enfeites “de fábrica” dela eram laços de tecido, presos nas pontas dos galhos. Outro erro crucial: árvores de natal têm que ter bolas. Elas podem ter um ou outro enfeite diferente, mas as bolas (e de vidro) têm que ter superioridade numérica absoluta.
Comecei a examinar a árvore e percebi que os laços não faziam parte dela, estavam presos. Ou seja, eu poderia tirá-los em casa, e encher a árvore de bolas.
Perfeito. Eu havia encontrado minha árvore de natal. Chamei a vendedora:
– Eu vou levar essa aqui, e quero ver outros enfeites.
Com sua delicadeza teodorosampaiana, ela resmungou algo e apontou para uma prateleira. Fui até lá, comecei a escolher bolas de várias cores e tamanhos. Acabei optando por brancas e douradas, peguei alguns pacotes e saí andando pela loja tentando equilibrá-los. Antes que metade das bolas caísse e se espatifasse no chão, voltei apressado para o local em que deixei a vendedora, certo de que minha árvore estava pronta para ir embora comigo.
Não estava. Na verdade, a árvore continuava no mesmo lugar. A vendedora também continuava no mesmo lugar, com cara de interrogação. Ao lado dela, ou melhor, entre ela e a árvore – a MINHA árvore – estava um japonês gordo, de camiseta regata, todo suado e com cavanhaque ralo.
Percebi o que estava acontecendo. O japonês queria levar a minha árvore embora. Bom, ele que pegue um machado e saia atrás de um pinheiro. O bairro se chama Pinheiros, não deve ser difícil achar um por aí, o japonês que se vire
Assim, ainda equilibrando as bolas como um daqueles sujeitos que fazem show em semáforos, chamei a vendedora e perguntei:
– Você já embrulhou a minha árvore?
Ela me olhou com a mesma cara de interrogação. Curiosamente, quem respondeu foi o japonês.
– Você mora aqui perto?
Quase respondi “sim, moro a uma quadra daqui”, mas meu cérebro ligou o alerta vermelho. Será que eu estava sendo cantado? Só faltava. Eu nunca fui cantado na vida – quer dizer, posso até ter sido, mas sou tapado demais para perceber – e logo na primeira vez, sou abordado por um japonês gordo, de regata e suado? Ô fase.
Apertei as bolas no peito (eu sei, isso soou horrível) para me proteger de suas investidas sexuais e assumi uma posição defensiva.
– Por que você quer saber?
Ele me ignorou.
– Você mora aqui perto?
– Por quê?
Ele continuou me ignorando. Mas resolveu mudar a estratégia.
– Esta árvore de natal é sua?
Não agüentei.
– Vem cá, quem é você? O espírito dos natais passados?
– Eu sou o dono da loja.
– Ah, prazer. Eu sou o dono da árvore.
– Tudo bem?
– Tudo.
– Você mora aqui perto?
Ok. Havíamos voltado à estaca zero. Já vi que a conversa não avançaria se eu não respondesse.
– Moro a uma quadra daqui.
– Ah.
– Não, nada de “ah”. Por quê?
Ele olhou para mim, olhou para a árvore, olhou para mim, olhou para árvore. E, por fim, olhou para mim.
– Eu posso entregar esta árvore para você amanhã?
– Não. Eu quero montar a árvore hoje.
– É que seria mais fácil eu entregar amanhã.
– Desculpe, mas não vejo o motivo disso. Você tem a árvore na loja. Ela está aqui ao nosso lado. Você tem o cliente na loja. Sou eu. E eu tenho o dinheiro. Quer dizer, tenho o cartão, mas dá na mesma. Quer dizer... Você aceita cartão?
– Aceito.
– Ótimo. Árvore, cliente, dinheiro. Vou levar a árvore, é só colocar na caixa e eu pago. E esses enfeites aqui. Vou levar eles também.
– É justamente esse o problema. Eu não tenho a caixa da árvore.
Olhei para o japonês, olhei para a árvore. Quando eu voltei a ser criança, horas antes, e decidi comprar uma árvore de natal, outro aspecto típico da infância se manifestou em mim: o famoso “quando eu quero, eu quero agora”.
Ou seja, nem a pau a árvore seria entregue amanhã.
Por outro lado, eu não iria subir 500 metros da Teodoro com uma árvore de natal (com lacinhos vermelhos!) nas costas. Eu já tenho 1.60 e barba. Se saísse andando com uma árvore de natal no ombro era capaz de me confundirem com um dos ajudantes do Papai Noel. E a primeira criança que me entregasse uma carta, pedindo para eu entregar ao Papai Noel, ganharia de presente uma árvore de natal (com lacinhos vermelhos!) enfiada na boca.
Assim, voltei a apelar para o japonês:
– Cara, vamos pensar em uma saída. Eu quero a árvore hoje.
– Eu não posso entregar amanhã?
Respirei fundo. Era hora de usar a minha desculpa-padrão para ocasiões como essa.
– Não. Eu vou viajar hoje à noite.
O japonês pensou por alguns instantes enquanto olhava ao redor, na direção dos seus funcionários.
– Você disse que mora perto? Porque eu poderia pedir para alguém levar ela junto com você, mas só tem meninas aqui agora, ele entregou, sem perceber que estava dando um tiro no próprio pé.
– Você é homem.
Xeque.
– Oi?
– Você é homem. Você pode levar a árvore para mim.
Xeque-mate.
O japonês fez cara de quem estava olhando para o tabuleiro. O rei não tinha escapatória. Ele não conseguia comer meu bispo. Não conseguia cobrir o xeque. O rei não tinha para onde se mover. Suspirou e seus olhos assumiram a expressão da derrota.
Xeque-mate. Chupa, japonês.
Fui até o caixa, paguei a árvore e as bolas (resistindo à tentação de avisar a mulher do caixa que “estou levando o pau e as bolas”), e saí da loja, carregando uma sacola com os enfeites. Atrás de mim, o japonês de regata, e, evidentemente, mais suado ainda, com a árvore de natal.
A cena era inusitada. Saí para comprar uma árvore de natal e acabei conseguindo uma árvore e um japonês.
É claro que as pessoas na rua olhavam para mim. Afinal, eu era dono do meu escravo particular, que, aparentemente, havia ido comigo até uma floresta para escolher um pinheiro com o objetivo de decorar minha mansão. Papai Noel tem suas renas, eu tinha meu japonês.
Pensei em parar na padaria e escolher picolés enquanto o japonês me esperava com a árvore na calçada, mas aí seria abuso. E me amaldiçoei por não estar com minha máquina, para dar um jeito de tirar uma foto do japonês.
Ignorando os olhares curiosos das pessoas, cheguei até meu prédio. O japonês fez menção de me entregar a árvore no portão, mas eu fui mais rápido.
– Me ajude a subir com ela, por favor?
Assim, entramos no prédio, sob o olhar atento do porteiro, que deveria estar se perguntando “quem é esse japoneso?” (sim, meus porteiros têm toda a pinta de quem fala “japoneso”). Graças a Deus, minha síndica não estava por perto.
Contudo, assim que entramos no prédio, me lembrei de que a abordagem inicial do japonês havia soado como uma cantada. Ou seja, levar ele até meu apartamento seria um erro. Ele poderia considerar isso como um sinal verde e a coisa terminaria em briga.
Afinal, não é porque ele carregava minhas compras como um eunuco que ele efetivamente seria um eunuco. E eu não iria pagar para ver.
– Olhe, não precisa subir não. É só levar até o elevador e eu me viro.
Abri a porta do elevador e o japonês colocou a árvore lá dentro.
Me despedi, combinei de passar um dia na loja para pegar uma caixa da árvore e subi para o meu apartamento.
Assim, montei a árvore, sob os olhares atentos da Besta-Fera, explicando pacientemente que “não, essa árvore não é igual àquelas que estão na rua” e (não tão pacientemente assim) afastando ele com o pé enquanto tentava amarrar as bolinhas. Além disso, descobri que eu não precisava tirar os enfeites default da árvore, bastava apenas amarrar as bolas por trás (isso também soou horrível).
Agora, posso estufar o peito e dizer: eu tenho uma árvore de natal. Afinal, a primeira árvore de natal a gente nunca esquece.
Especialmente quando ela vem com um japonês de brinde.
23 comentários:
parabéns Rob!
uma arvore, um japonês! que natal! hehehe
A árvore ja vem acompanhada do presente, pode ser muito útil ter um japonês... ha ha
Feliz Natal :p
A árvore da minha infância também era prateada. Com bolas azuis de vidro (um bem fininho e bem assassino)e tinha uma ponteira.
Acho que essas árvores prateadas eram bem populares nos anos 70.
Amo o Natal e realmente montar uma árvore é uma das coisas mais deliciosas que existem... Ri muito imaginando o japa subindo a Teodoro :-)
Montar a árvore de natal é uma das coisas que mais me anima no final do ano! E a árvore da minha casa tem quase 2,00. E eu, no alto dos meus 1,65, tenho que usar uma escadinha pra montar.
A única diferença é que eu só posso fazer isso dia 8 de dezembro (vulgo amanhã - feriado em BH). Coisas da minha mãe, as quem sou eu de desrespeitar uma tradição tão legal... =D
Árvore de Natal é bem coisa de mãe mesmo. A minha também fazia questão de que estivéssemos todos reunidos pra montar, palpitar, pra cada um colocar o que queria (às vezes saía uma árvore meio mutante por conta disso)... Mas era muito divertido.
Montar a primeira árvore sozinho é um baita corte umbilical...rs.
Queria estar no seu lugar e poder estar montando minha primeira árvore sosinha tbm :(
"Eu já tenho 1.60 e barba. Se saísse andando com uma árvore de natal no ombro era capaz de me confundirem com um dos ajudantes do Papai Noel. E a primeira criança que me entregasse uma carta, pedindo para eu entregar ao Papai Noel, ganharia de presente uma árvore de natal (com lacinhos vermelhos!) enfiada na boca"
Todo o espírito natalino resumido em 1,60. hahaha
Será que o "japoneso" voa na noite de Natal?
é impressão minha ou na maioria das vezes as pessoas fazem perguntas estupidas pra você?
(ops... isso soou estupido também)
#Mimijei
Eu também tive uma árvore prateada na minha infância. Pequenininha e rala, mas definitivamente prateada. A diferença é que eu meio que cago, quero dizer, não ligo para o comércio, quero dizer, as festanças natalinas (Scrooge mode: ON).
Fora isso, alguns singelos comentários:
"E me amaldiçoei por não estar com minha máquina, para dar um jeito de tirar uma foto do japonês."
Você, entre todas as pessoas do mundo, se ainda não tem, PRECISA de um celular com uma câmera minimamente razoável (coloquei bastante ênfase no PRECISA?).
"...porteiro, que deveria estar se perguntando “quem é esse japoneso?”
Quando li isso, primeiro achei que era um trocadilho para japonês obeso...
"Afinal, não é porque ele carregava minhas compras como um eunuco que ele efetivamente seria um eunuco. E eu não iria pagar para ver."
Até mesmo porque, japonês sendo, corria risco de você perder seu dinheiro e não ver nada (politicamente incorreto mode: ON)
E sobre a profusão de piadas sobre bolas, acho que você está precisando de companhia... :oD
Nem preciso dizer que fiquei com vontade ter montar uma árvore esse ano...
Olha, as piadas com bolas são velhas, mas ainda me fazem rir.
Cara, tu precisa estar munido sempre de uma câmera, existem coisas que só você vê, e que poderia compartilhar com o mundo.
Belíssimo post, ri demais da conta!
Mazah, ganhou o japa? Rsssss!
Eu imagino a cena de você com as bolinhas na mão, voltando pra pegar a árvore, e encontrando o japonês ao lado dela... Rssss!
Este ano não teremos árvore aqui em casa. Pra ser sincera, não dou muita importância pra isso.
Bjs!
Que lindo! Ele tem uma árvore!
Adorei o texto mas esqueci que não deveria ler no horário de tabalho, quase caí na gargalhada várias vezes imaginando as cenas que você descrevia.
Eu amava a árvore de natal da casa da minha mãe mas, como já estou casada há 21 anos, tenho minha própria árvore, verdinha, sem bolas, lotada de luzes e de enfeites de porcelana da Disney. E em baixo, junto com o presépio, 15 ursinhos brancos de pelúcia. Sim, eu sou estranha, já me avisaram a respeito, afinal, quantas pessoas que você conhece, montam a árvore (e centenas de luzes no parapeito da janela) dia 2 de novembro?\O/ ^_^
Curta muito sua árvore Rob!
Feliz Natal!
Beijos
Sil
Rob do céu, ri muito - e ALTO - lendo isso.
O pior é que eu conheço essa delicadeza teodorosampaiana. Sempre faço compras aí. Mas ainda acho as vendedoras da minha cidade mais esnobes e mal educadas. Te olham da cabeça aos pés pra avaliar se você pode comprar na loja, mesmo sendo uma Boticário ou um Torra-torra da vida. Ô fase.
Moro só há 9 anos e até hoje nao montei arvore de natal na minha casa. Será um sinal?
E se eu for comprar uma, posso trocar o japonês pelo Jude Law? rs rs
O pólo de instrumentos da Teodoro é o que me interessa mais, rs
Mas japonês suado de regata é tenso. Vou sonhar com essa porra.
Parabéns por comprar uma árvore maior que você, Rob, hahahah
O japoneso vai te mandar flores, agora que ele sabe onde vc mora!
Acostumei tanto com o Twitter, que só consigo escrever várias frases pequenas XD
"Se um japonês suado te oferecer flores, isso é Impulse" (comercial antigo mode: ON)
nossa, ri muito com esse post, Rob.
agora, a besta fera ficou com ciúmes da árvore de natal? o meu cachorro fica horas rodeando e cheirando a árvore antes de se acostumar com ela.
beijo
Lívia e eu trabalhamos no mesmo lugar e estamos no combo de estagiários que serão demitidos em breve. Acredito que muito disso se deve às minhas risadinhas quase diuturnas enquanto leio os post do champ no estágio! huahuahuahua Já que a gente tem que sofrer, né, que pelo menos a gente se divirta!
Conte mais da Besta-fera com a árvore, tenho a sensação de que isso vai render outros posts ainda!
aahhh...nunca passei natal fora da casa da minha mãe... nem nunca em tooodos os natais depois que saí de casa (ou seja, ano passado) tb nao montei árvore
vc abusa da minha imaginação fértil: "Eu já tenho 1.60 e barba. Se saísse andando com uma árvore de natal no ombro era capaz de me confundirem com um dos ajudantes do Papai Noel."
paira em minha mente, vc com roupinha de duende e cara de tédio... to rindo dessa imagem há meia hora quase (exagero)
Meu Deus! Eu acho que esse tipo de coisa só acontece com você! Mas eu ri de imaginar a sena (HAHA) de um baixinho careca e barbudo com um japonês gordo atrás carregando uma árvore com laços vermelhos.
Mas isso me fez lembrar de quando havia uma briga entre eu e os meus irmãos pra ver quem colocava a estrela na árvore HAHAHA.
Mas nos últimos tempos eu quem tenho montado a árvore daqui de casa, e sozinha. Mas ok, não sou daquelas pessoas que dão muito valor pra isso não.
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