23 de dezembro de 2009

A Jornada do Herói

Dia 104
Escuridão completa. Não sei onde estou. Não sei quem sou.

Dia 107
Acordei novamente. Tudo continua escuro. Enquanto dormia, tive a impressão de ver luz em determinados momentos, mas não tenho certeza.

Dia 110
Gostaria de saber quem sou. Consigo apenas sentir que minha forma é quadrilátera. Tentei me mexer e ouvi barulhos de líquidos dentro de mim. Mas o que mais intriga é um órgão preso na parte externa do meu corpo.

Dia 111
Vi a luz hoje pela manhã. Descobri que estou numa espécie de caverna. A porta se abriu e uma criatura bípede, careca e gordinha, pegou alguma coisa aqui dentro. Felizmente, ele não me viu. Outra criatura, quadrúpede e peluda, estava aos pés dele. Também não me viu.

Dia 113
Flashs de memória estão pipocando em minha mente. Lembro de estar ao lado de centenas de seres iguais a mim, e ser arrancado de lá. Lembro de ser trancado aqui dentro. Mas não sei há quanto tempo estou aqui, ainda é tudo muito nublado.

Dia 114
O bípede veio aqui novamente esta manhã. Pegou alguma coisa e fechou a caverna novamente. O quadrúpede não estava perto. Assim que a porta fechou, ouvi um trovão, fez a caverna mexer. Agora sei que não era um trovão, era a voz do bípede, gritando: “pára de mexer no lixo, Porra!”. Presumo que ele estava falando com o quadrúpede. Seu nome deve ser Porra. O que será lixo?

Dia 117
Descobri minha identidade. Tive sonhos esta noite que me revelaram toda a verdade. Sou um Toddynho, arrancado de sua aldeia e do convívio com os irmãos e trazido para cá como prisioneiro, meses atrás. Aparentemente, sou o único organismo pensante nesta caverna. Isto me deixa com duas alternativas: ou estou preso em um depósito, ou estou aqui há tanto tempo que sofri uma espécie de mutação e adquiri consciência. Independente disso, terei minha vingança.

Dia 118
A teoria sobre minha identidade se confirmou hoje. A porta da caverna foi aberta hoje de manhã, e o bípede ficou olhando aqui para dentro. Não havia sinal do Porra. Em determinado momento, ele olhou fixamente para mim. Novamente, sua voz soou como um trovão, quando ele disse: “Esse Toddynho ainda está aqui?”. Fechou a porta e passei o resto do dia na escuridão.

Dia 120
Hoje não houve movimento aqui. Tirei o dia para tentar me mover. Passei horas concentrando esforços nisso, e consegui me mover cerca de três centímetros, na direção de um vidro com pó preto, e a inscrição Nescafé. Tentei chamar sua atenção, mas fui ignorado. Mais uma teoria provada: sou a única criatura consciente neste local. Mas o que importa é que consegui me mover. Este é o primeiro passo no caminho da vingança.

Dia 122
Estou me movendo cada vez mais. Consigo caminhar para a frente e para trás. Mas ainda não identifiquei o que é aquele órgão externo que possuo. Sei apenas que ele é branco, pois vi meu reflexo numa superfície prateada aqui ao lado, hoje de manhã, quando o Bípede abriu a porta, com o Porra aos seus pés. Aliás, pelo que pude deduzir da conversa que eles estavam tendo, o nome do Bípede é Au. Ao menos, foi assim que o Porra o chamou.

Dia 123
Ouvindo as conversas entre Au e Porra, descobri que o nome da caverna onde estou é Armário. Nome estranho para uma prisão. Pensei, num primeiro momento, que, por causa do nome, eu poderia encontrar armas aqui dentro, mas não encontrei nada. Amanhã vou investigar melhor o local.

Dia 124
Hoje foi um dia histórico, descobri diversas coisas. Percorrendo a caverna, percebi que este local é formado por diversos níveis. Mas realmente sou a única criatura pensante aqui dentro, acompanhado apenas de objetos inanimados. Tive certa dificuldade em pular de um nível para o outro, mas descobri que existem armas aqui dentro. Peguei uma faca e a trouxe para o meu local de origem. Deixei-a escondida atrás do pobre Nescafé. Passei o resto do dia explorando o local, e, quando já havia mapeado tudo (são cinco níveis), voltei ao meu local de origem. Não quero levantar suspeitas.

Dia 126
Estou em choque. Hoje, pela manhã, a porta do armário foi aberta e Au colocou diversas coisas aqui dentro, provavelmente espólios de outras aldeias. Acredito que ele e Porra sejam dois conquistadores. Para minha surpresa, trouxeram um de meus irmãos, que foi colocado ao meu lado. Assim que a porta se fechou, tentei falar com ele, mas não tive resposta. Isso abrirá caminho para eu descobrir o mistério sobre minha origem. Preciso esperar uns dias para descobrir se ele está morto ou não. Vou adiar meus planos de vingança. Eu preciso saber.

Dia 129
Meu irmão continua inerte, mas seu corpo não apresenta sinais de decomposição. Logo, ele não está morto. Ele é inanimado. Isso me deixa com a certeza de que eu era assim também, até desenvolver consciência. Eu sou diferente entre os da minha espécie. Sou uma espécie de Messias. Sou o Escolhido. E minha missão é derrotar os implacáveis Au e Porra, libertando os Toddynhos de sua tirania. Depois, guiarei meu povo até a Terra Prometida.

Dia 130
Estou me preparando para o ataque. Consigo me mover em todos os sentidos, com agilidade. Analisando meu irmão, descobri que o órgão externo do meu corpo é feito de plástico branco. Pelo que deduzi lendo as inscrições em seu corpo, o nome desse órgão é canudo. Talvez seja algo voltado para defesa. Uma espécie de arma. Aposto que se eu enfiar o canudo no olho de Au, consigo cegá-lo momentaneamente. Estou em dúvida, agora, se uso o canudo ou faca.

Dia 132
Estou pronto para a vingança. Decidi usar o canudo e a faca. Assim que a porta da caverna se abrir, atacarei. Primeiro, destruirei Au. Aí, partirei em busca de Porra e o eliminarei impiedosamente. Voltarei para meu posto, resgatarei meu irmão e iniciarei minha jornada de volta à aldeia em que cresci. Encontrarei um jeito de despertar meus imãos e os treinarei na arte de combate. Aos poucos, montaremos um império, conquistando territórios ao nosso redor. Hoje, o armário. Amanhã, o mundo. E, enquanto eu estiver vivo, jamais outro Toddynho será feito prisioneiro. Uma nova realidade no mundo dos Toddynhos começará no momento em que este armário se abrir.

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O trecho a seguir foi extraído do livro Toddynho - A História de uma Civilização – Vol. 3: Idade do Canudo Lascado (editora Toddy Ativa, 4ª edição, páginas 122 – 123):


"Séculos após a descoberta do diário escrito pelo Messias por arqueólogos nas ruínas de uma civilização humana, o diálogo a seguir foi recuperado nos arquivos de um blog chamado Championship Vinyl. Estudiosos acreditam que o texto seja da autoria da criatura conhecida como Au (que, presume-se ser um humano, já que estes acontecimentos ocorrem antes da extinção desta espécie), e que estas tenham sido as últimas frases ouvidas pelo Messias, em seu 132º dia de vida.

Infelizmente, os registros das respostas emitidas pela humana chamada Mãe foram perdidos. Apenas as frases proferidas pela criatura conhecida como Au foram recuperadas, e indicam o provável fim do Messias.

– Mãe? Tudo bom?

(Mãe responde)

– Foi você que tinha comprado um Toddynho e deixado aqui?

(Mãe responde)

– Tudo bem, não importa se você havia comprado isso meses atrás. O ponto não é esse.

(Mãe responde)

– Então, ele caiu aqui e explodiu. Como eu limpo isso? Com Veja?

(Mãe responde)

– Não, mãe, eu não fiz nada. Eu só abri o armário, ele caiu sozinho!

(Mãe responde)

– Mãe, eu estou falando, eu não encostei na merda do Toddynho, eu vim pegar caf.. Pára de lamber o Toddynho, Porra! Esta merda já deve estar podre!

(Mãe responde)

– Mãe, por favor. É com Veja que eu limpo?

(Mãe responde)

– Ok. É só isso que eu precisava saber. Eu me viro aqui.

(Mãe responde)

– Tudo bem, você não precisa nunca mais comprar Toddynho para mim quando vier para cá.

(Mãe responde)

– Mãe, deixe eu desligar, preciso limpar isso aqui, está um nojo! Tem Toddynho na cozinha inteira! PORRA, PÁRA DE MEXER NESTA MERDA! VAI PARA A SALA!

(Mãe responde)

– Um beijo, Mãe!

(Mãe responde)

– Ok, Mãe. Eu preciso desligar!

(Mãe responde)

– Beijo."

28 comentários:

Bruno disse...

De longe um dos posts mais criativos que eu já li. De longe.

E deixa o cachorro tomar o Toddynho, pô! :P

May. disse...

Au, acho mesmo que é o melhor post do blog. Obvio que todos são ótimos, mas esse... Sério. Que criatividade!

To impressionada, depois eu volto pra comentar direito.

Lua Durand disse...

Rob, sua mente é uma viagem!
hahahahha, tô rindo até agora com esse texto, como Bruno disse logo acima:

"De longe um dos posts mais criativos que eu já li. De longe." [2]

criatividade para dar e vender ai, em?

"Toddynho - A História de uma Civilização – Vol. 3: Idade do Canudo Lascado (editora Toddy Ativa, 4ª edição, páginas 122 – 123)" hahahahha, até referência bibliografica! mas o melhor foram os nomes!

Bel Lucyk disse...

Au! Bom demais seu post!
Me diverti, como sempre! =)

Juju disse...

conforme previsto aqui: http://twitter.com/jujubalandia/status/6965389250

GENIAL!!!!

Pedro Lucas Rocha Cabral de Vasconcellos disse...

Como transformar o acontecimento mais banal da história alimentícia de Rob Gordon (vulgo, AU), em um dos posts mais sensacionais da história do champ...


Parabéns de novo, Rob, acabando com a vida de pseudo-messias desde 1975...

Renata Gonçalves disse...

Sabia que vc não ia nos decepcionar :-)

Marina disse...

Suponho que o nome do Toddynho agora seja "merda"...

K.P. disse...

Meodeos... Duas semanas sem passar por aqui e quando volto passo quase uma hora sem parar de rir... Que em 2010 essas suas "fases" rendam ainda mais!

Kel Sodré disse...

Gente, Rob Gordon, vou ser clichê, mas vou: você é genial! Ficou sensacional esse post!

E por que mesmo, além de ele ter diarreia (perdeu o acento com a reforma maldita ou ainda é "diarréia"?) por três dias, o Porra não pode tomar Toddynho? Todo mundo merece...

Yellow disse...

Uau! Sério! Uau!!! Au, Uau!!!

Aí eu leio esses textos e dá um desânimo de continuar "fake writing"...

Cheers!

Otavio Cohen disse...

vc tem serios problemas haha

Ana Savini disse...

É difícil falar sobre esse post... Nós, fãs do Rob, sempre estamos super elogiando seus posts, falando o quanto o cara é foda e tal e aí ele vem e escreve um dos posts mais geniais do Champ.
Sinceramente, vou ser repetitiva, você é impressionantemente foda!

Frank disse...

Esse não foi o melhor post do champ como muitos estão dizendo... Não, vai além disso, esse foi um dos melhores e mais engraçados textos que eu já li.

Parabéns, Au. Continue assim.

Anônimo disse...

Olha nao sei de onde vem tanta criatividade, nao sei mesmo, putz este posto fechou como o melhor do ano, me divertir muito parabens !!!

Pri disse...

Nem tem mais o q comentar.. fiquei chocada! Parabéns Rob! bjs

Varotto disse...

Meu amigo, o que você fumou???

Acho que essa história está mal contada: na verdade, você bebeu esse Toddynho e delirou...

P.S.: Me lembra aquele episódio da Família Dinossauro que a comida estragada no fundo da geladeira inicia uma revolução contra os dinos...

Anônimo disse...

É impressionante como o AU consegue fazer de uma coisa tão cotidiana um dos melhores posts que eu ja vi!

Unknown disse...

Au, você é genial!
Quanta criatividade...
Estou sem palavras!

Gilmar Gomes disse...

Eu realmente já estava (vergonhosamente) falecendo de rir aqui mcom o "Porra", mas na hora da descoberta do seu nome real... huehuehuehuehuehuehuehue
heuheuheuheuhuehuheuehuhe
ehuehuehuehuehuehuehuee

Meu chefe perguntou do que eu estava rindo. Até pensei em divulgar seu blog pra ele, mas primeiro ele não conseguiria entender que isso se trata de um texto engraçado e iria dizer que "o cara que escreveu isso é tao idiota quanto você" (se referindo a mim) e segundo, que eu não posso usar internet nesse PC (sou um contraventor mesmo).

Vou dizer, ando meio desatualizado com seus textos (alguns eu ainda nem li), mas esse me fez recordar de outros tempos...

Melhor texto de 2009 na minha opinião! E é opinião de um leitor dos primórdios do Champ...

Gilmar Gomes disse...

varotto... boa!!!

me lembro deste episódio... quase faleci de rir (na época) com os "dois milhões de helicópteros e 1 dóar"...

Varotto... o Senhor twitta???

Jullia A. disse...

como diria o tyler: você tem um problema. Na verdade uns 18 problemas.

Jullia A. disse...

como diria o tyler: você tem um problema. Na verdade uns 18 problemas.

Anônimo disse...

Cara, muuuito bom!

Pulo no Escuro disse...

Eu vou muito me livrar de todos os toddynhos acumulados no armário de casa por culpa da minha mãe depois dessa.

agradecida pelo alerta.
xD

auhauhauhauhaua

Felipe Lima disse...

Rob, não posso deixar de ser redundante neste comentário: foi o post mais criativo dos últimos tempos!! E, vindo de você, isso com certeza é um grande acontecimento. Às vezes, fico pensando em como vc consegue se reinventar tantas vezes. Não existe mesmice no Champ. Esse talvez seja um dos maiores atrativos do seu blog aliado, é claro, à qualidade do escritor e dos textos.
Bom, espero que a civilização Toddynho jamais seja esquecida e que o autor deste blog tenha o seu talento literário reconhecido cada vez mais pelo maior número de pessoas possível.

P! disse...

Meu Deus, de onde você tira isso? Eu vivo tomando toddynho e nunca cheguei nem perto de ter uma idéia como essa!
Meus toddynhos não vivem tempo suficiente para criar consciência. HAHAHA

Patricia Borges disse...

Rob,
Sera que vc lera esse comentario mais de 2 anos apos a publicação do post ? Bem, se chegar ate aqui saiba que esse post do Todynho foi a coisa mais divertida que li em anos...e olha que eu leio muuuuuito ! Parabens demais !