1 de outubro de 2009

Teodoro e Sampaio. E Rob.

Ontem eu estava descendo a Teodoro Sampaio – sempre ela! – para trabalhar quando, na frente do Pão de Açúcar – sempre ele! – dois mendigos promoviam uma espécie de festival de música.

Um deles estava sentado na calçada, batucando numa caixa de papelão; o outro, em pé, acompanhava o ritmo batendo os dedos numa pá de lixo, enquanto dançava. Ambos cantavam alguma coisa ininteligível (não sei ainda se a letra da música foi composta num idioma deste planeta).

Os transeuntes passavam por eles e a dupla parecia não se importar com o movimento da rua, continuando tranquilamente a executar seu Concerto para Caixa de Papelão e Pá de Lixo. Aliás, o da pá de lixo não apenas parecia não se incomodar com isso como se sentia extremamente à vontade, dançando em meio aos pedestres, batucando no plástico, totalmente à vontade.

Vi o concerto de longe, mas fui me aproximando normalmente. Afinal, se eles não estavam nem aí para as pessoas, eles também não estariam nem aí para mim.

O problema – que eu lembrei apenas depois – é que eu sou eu. E isso faz toda a diferença.

Me aproximei dos dois justamente quando uma das canções terminou. Sem desconfiar de nada, continuei andando na mesma velocidade, vendo, com o canto dos olhos, o mendigo que estava sentado começando a se preparar para a próxima música e mexendo na caixa de papelão – provavelmente, afinando o instrumento.

Fui surpreendido pelo mendigo que estava em pé, que se virou para mim subitamente e perguntou:

– Quer cantá aí com a gente?

Antes que eu pudesse responder, fui atingido por uma bola de calor que quase me derrubou. Na hora, pensei que algo tivesse explodido na Teodoro e eu estava sendo arremessado para trás, junto com carros e pessoas. Abri os olhos e vi que nada havia acontecido. As pessoas continuavam andando normalmente, os carros continuavam parados no trânsito, buzinando. E o mendigo continuava de pé, na minha frente.

– Vem cantá aí!

Outra explosão. Me senti como se a pele do meu rosto estivesse sendo arrancada do meu corpo com uma face quente. Olhei para cima, procurando um cogumelo atômico. Nada. Olhei para frente e dei de cara com o mendigo que esperava pacientemente pela resposta do novo artista convidado do seu show. Olhei para o mendigo sentado, que continuava afinando sua caixa de papelão. E foi aí que entendi tudo.

Ao lado da caixa, uma garrafa de pinga descansava na calçada. Dizem que para os otimistas, a garrafa está meio cheia, enquanto para os pessimistas, está meio vazia. Independente da corrente de pensamento que você segue, a garrafa estava quase vazia, tinha apenas mais uns dois ou três goles ali.

O calor que eu sentia era o bafo de cachaça do mendigo-músico.

– Vâmo cantá e dançá!

Dei um passo para trás, para tentar escapar do cheiro de açude. Ajudou, mas ainda senti o calor.

– Não, eu tenho que trabalhar.

– Nós tâmo cantando e dançando.

– Eu vi.

– E tocando!

– Por que é sempre comigo?, resmunguei.

Ele, obviamente, ignorou. Era um artista. O estado psicológico de seus parceiros não era importante. Somente a música importava.

– Vâmo tocá! Tem uma vassoura ali!

Pensei em aceitar.

Afinal, tudo o que eu sempre quis na vida era participar de um conjunto musical imaginário, e ficar pulando na Teodoro Sampaio fingindo que tocava uma guitarra com uma vassoura piaçaba vermelha nas mãos. Quem sabe, seríamos descobertos por um caça-talento, e contratados para uma série de shows para outros mendigos, sob viadutos.

Gravaríamos CDs com nossas canções imaginárias e batucadas em objetos encontrados no lixo. Faríamos enorme sucesso, e até mesmo um jogo chamado Vassoura Hero seria lançado para os videogames, em minha homenagem. Mas, eventualmente, nos separaríamos alegando diferenças criativas. Anos depois, promoveríamos uma Reunion Tour, que culminaria numa apresentação memorável para os garrafeiros que dormem sob o vão do MASP.

Infelizmente, eu não estava bêbado o suficiente. Aliás, somando tudo o que eu bebi na vida, eu ainda não estaria bêbado o suficiente.

– Então, eu realmente preciso trabalhar. Não dá.

– Mas você volta?

– Mais tarde.

– Volta aí pra nóis tocá!

– Pode deixar.

Desviei dele – tomando cuidado para não me queimar no bafo de pinga – e continuei descendo a Teodoro. Logo eles começaram a tocar alguma outra coisa. Eu não olhei para trás, mas aposto que o da pá de lixo estava dançando.

À noite, voltando para casa, passei por ali. Não havia sinal deles ou dos instrumentos. Provavelmente, desistiram de me esperar e saíram em turnê.

Ou, o que é mais provável, a polícia passou ali, e, seguindo os passos de Johnny Cash e B. B. King, a dupla estava promovendo um show na cadeia. Mas do lado de dentro.

20 comentários:

Anônimo disse...

Olha Rob, sem comentário, mas o vassora Hero eu ia gostar !!!

May. disse...

hahahahahaahahahahaha

Sério, você devia contratar alguém pra te filmar 24h, porque a sua cara quando essas coisas acontecem deve ser im-pa-gá-vel.

Tati disse...

vassoura hero ia ser demias, até porque domino muito mais a vassoura que a guitar.

Charlie Dalton disse...

Guri, deviam fazer um seriado contigo. Sério!

Te imagino um dia sendo entrevistado no programa do Jô. Suas histórias transcendem do mundo real.

Climão Tahiti disse...

Você podia acabar voando se pegasse na vassoura ao dizer "e lá vamos nós...".

Seria o maior menor voador do mundo. =p

Anônimo disse...

Oieoieoeioeieoioeioeioie

Varotto disse...

Fala sério, você já se acostumou a essas coisas que podem render posts. Com certeza você foi em direção a eles (conscientemente ou não), torcendo para acontecer alguma coisa bizarra (possibilidade de 117,32%).

Inspiradíssimo o parágrafo sobre a possível carreira de vocês ("Gravaríamos CDs com nossas canções imaginárias ... sob o vão do MASP.").

Pena que eu não vi uma coisa dessas naquele dia em que estive por aí...

Sil disse...

Tem que ser sempre com você, senão como teríamos diversão garantida no blog? ^_^

Não me aguentei de rir quando li sobre a Vassoura Hero :D

Bom fim de semana(se for possível)

Beijos

Sil

Ando disse...

Rob, não querendo ser chato, mas já sendo...

"a garra está meio cheia"

...acho que é garrafa, né?

E outra... vc já escreveu roteiros na vida? Já pensou em escrevê-los?
Pq todas essas histórias ficariam realmente boas numa série. :-D

Abraço!

Bridget Jones disse...

Bem, eu pensei em algo grandioso, muito grandioso. Uma banda mundialmente famosa também e tal. Acompanhei seu raciocínio.

Aí depois me veio amente aquele cara que canta em uma língua estranha e batuca qualquer coisa numa caixa de fósforos. Acho que é Sargentelli.

Depois, me veio a mente aquele cara que toca com obejtos e eu sempre confundo com o Sivuca: Ermetto Pascoal.

Grandes nomes.

Não sei onde eles começaram, mas pode muito bem ter sido assim.

Bridget Jones disse...

@ DRAGUS:

Eu ri sozinha qdo li seu comentário. A bruxa do Pica Pau testando as vassouras é um crássico do cancioneiro popular! Um crássico!!!!!!

Thiago Apenas disse...

"Anos depois, promoveríamos uma Reunion Tour"

Certeza que ia ter uma pá de fãs dizendo que você traio o movimento e tal...

Varotto disse...

Rob, se você conseguir transformar aquele almoço relâmpago, por mais agradável que ele tenha sido, em um post especial, acho que significa que você é realmente um gênio... ;o)

P.S.: Acabei de conseguir, após semanas de tentativas, pegar a cópia única de Watchmen aqui na locadora do trabalho. Estou resistindo à vontade até de colocar uma placa de "EM REUNIÃO" aqui na porta da minha sala e ficar assistindo.:oD

Anônimo disse...

Ando

Valeu o toque! Já pensei. Mas toda vez que eu penso sobre isso, o telefone do trabalho toca, deve ser algum sinal. :-)

Tyler Bazz disse...

Não acredito que você não aceitou! Jogou fora a oportunidade de toda uma vida... agora o sonho acabou.

Alê Guidoni disse...

E vc poderia ter ficado mais famoso que JC...

Anônimo disse...

Quas Quas Quas! Você perdeu essa? ah! não acredito!
Mas sabe, pessoa, aqui no purgatório também acontecem coisas bem parecidas, só não temos um Rob Gordon que possa relatar com genialidade esses fatos. A minha gargalhada aqui é certa!.
#beijojávou

Flavia Penido disse...

Tsk tsk tsk...vc não entende nada de conjuntos de mendigos pelo visto.

Conjunto de mendigos são seres iluminados - foram avisados que suas tuitadas estavam cada vez mais sorumbáticas, que vc está praticamente acampado no trabalho e só queriam trazer um pouco de diversão pra sua vida. Tá, eu sei, talvez seu conceito de diversão não seja este - mas eles tentaram né? Se eu fosse você, da próxima vez eu topava! Bom, aliás eu tenho até post interação com mendigos, hehehe

Ando - é óbvio que a garrafa está quase cheia; afinal, ainda tinha cachaça!

Varotto - eu fecho com vc. Se duvidar um dia antes ele contrata uns caras pra fazer algo inusitado no caminho pro trabalho só pra ele ter assunto!

Beijos

Lua Durand disse...

" seguindo os passos de Johnny Cash e B. B. King, a dupla estava promovendo um show na cadeia. Mas do lado de dentro." essa foi boa, hehehehe

seria memoravel se voce tivesse aceitado o convite, oportunidade unica. =)

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a velha sociedade e seus meios coercitivos, e ai perdemos tanta coisa.

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você não existe, =).

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lua.

Hally disse...

Vassoura Hero... mijei! Kkkkkkkkkkkkk

O pior é que as coisas sempre acontecem contigo. Como pode? Não que eu ache ruim, pois isso me proporciona espasmos de tanto rir, mas me preocupo, pois somos do mesmo signo, e isso significa que, muito provavelmente, eu possa ser tão azarada quanto você... MEDO!