5 de maio de 2009

Virada... Cultural? - Parte II

(leia a primeira parte aqui)


Assim que colocamos o pé dentro do cinema, descobrimos que as sessões – obviamente – eram gratuitas.

No exato momento em que fizemos esta descoberta, o Destino, sentado numa cadeira confortável e assistindo a tudo de uma TV de plasma, deu uma gargalhada, pausou o vídeo e foi buscar pipoca.

Meu sentido de Aranha começou a disparar. Eu respondi a ele que “porra, são os filmes do Romero!” e ele resolveu esperar mais um pouco antes de começar a reclamar novamente.

Como era de esperar, o saguão estava lotado de pessoas de todos os tipos, numa proporção que ficava próxima a essa: 5% de nerds que sabiam exatamente o que estava sendo exibido ali (incluindo um grupo de seis pessoas que, maquiados como zumbis, tentavam reproduzir a coreografia do Thriller); 5% de roqueiros cosplay (coturnos, sobretudo de vinil, meia arrastão, maquiagem borrada), que, atraídos pelo tema, resolveram dar uma passada por ali; 3% de jovens bem-criados nos Jardins que estavam ali apenas para poder dizer, na escola, que estiveram ali; e 0,2% correspondente ao dono do cinema e os seguranças.

Os outros 86,8% eram de pessoas que não faziam a menor idéia do que estava acontecendo, mas resolveram aproveitar a pausa entre um show do Wando e outro do Calcinha Preta para descobrir o que acontecia lá dentro.

Em poucas palavras, estava lotado.

Atravessei o saguão e fui até a sala de projeção, para sentir o ambiente. Se a capacidade do cinema era de 200 pessoas, pelo menos o dobro disso se amontoava lá dentro. Na verdade, tratava-se uma massa humana de pessoas (em pé, sentadas, sentadas no colo, sentadas no ombro dos namorados, transando, bebendo, tocando violão ao redor de uma fogueira) que tornava impossível colocar o pé lá dentro.

Assim, resolvemos ficar num canto do saguão, próximo a entrada da sala. Assim, poderíamos ver a movimentação das pessoas dentro da sala, conforme o filme se aproximasse do final. Sim, até esse momento, nós três mentíamos o tempo todo para nós mesmos, dizendo uns para os outros que “esse filme é pop, quando começar A Noite dos Mortos Vivos, preto e branco, com produção tosca, esse povo todo vai fugir para o show do Reginaldo Rossi”.

Mas a espera não foi tão difícil. Quer dizer, foi, mas, ao menos, foi divertida.

Eu não sei se já disse isso antes, mas meu cérebro instintivamente fica procurando por pessoas parecidas com qualquer coisa (celebridades, personagens de filmes, objetos) em todos os lugares que eu vou. E, em poucos minutos, descobri que eu havia morrido e estava no paraíso das pessoas-parecidas-com-algo. O número de pessoas parecidas com algo era demais até mesmo para mim e meu cérebro não conseguia processar todas as informações. Em poucos minutos, vimos um klingon, um Barão de Munchausen, um Obelix e um Groo.

E, mesmo as pessoas que não se pareciam com nada chamavam a atenção, pois, ao parar do nosso lado e olhar para a tela, soltavam pérolas como “olha, ta passano (sic) filme de terrô! (sic!)”, e “é filme de gente possunhída (sic! sic! sic!). E, em algum momento entre essas amostras da sabedoria humana, um sujeito de cerca de 50 anos se aproximou, fez que ia perguntar alguma coisa para nós, mas mudou de idéia, virou as costas e foi embora.

E, no exato momento que este sujeito estava ao nosso lado, o Destino pausou novamente a televisão, ligou para um de seus assistentes e disse algo como “esse aí está ótimo”, antes de desligar o telefone e se acomodar melhor na poltrona.

O problema é que, mesmo num canto do saguão, o número de pessoas começou a crescer cada vez mais e resolvemos ir para a calçada do cinema – já que a entrada era gratuita, pelo menos podíamos entrar e sair a qualquer hora.

Assim, fomos para a rua, onde fomos brindados com a apresentação (altamente cultural) de um sujeito que se apresentava (cantando músicas ridículas em cima de um carro ridículo para meia dúzia de adolescentes ridículos e bêbados) e parecia um misto de ovelha com o Pennywise, adicionando pitadas de drag queen. Mesmo sentindo extrema vergonha de ser biologicamente reconhecido como pertencente à mesma espécie que aquilo, resolvi engolir o sapo e continuamos na porta do cinema olhando as pessoas na rua, num desfile que lembrava a escolha do elenco de uma refilmagem de Star Wars.

Neste momento, percebemos que uma fila se formava às portas do cinema. E não era uma fila, era A fila – sério, se existisse um faculdade de fila, aquela fila à nossa frente seria Trabalho de Conclusão de Curso -, que ia mais ou menos da porta do cinema, no centro, até a minha casa, em Pinheiros, fazendo todas as baldeações possíveis de metrô. Não demorou muito para descobrirmos que era a fila para o próximo filme (o primeiro do Romero).

E, poucos minutos depois, descobrimos também que quem estava no cinema era obrigado a sair após o término de cada filme, e, mesmo assim, quem estava na fila ainda tinha que contar com a sorte para conseguir entrar no cinema. Matematicamente falando, se nós entrássemos na fila naquele momento (cerca de 01:40 da manhã), talvez (e somente talvez) conseguiríamos entrar na sessão das quatro da manhã.

Não, nem Romero merece tanto assim.

Assim, nossa tão sonhada Madrugada dos Mortos acabou sendo enterrada antes mesmo de falecer.

Claro que o texto poderia terminar aqui. Mas, como eu sou uma pessoa que, quando está no fundo do poço, ainda consegue vasculhar lá embaixo até encontrar um alçapão e descer mais cinco metros, claro que a noite não estava nem na metade.

(continua...)

21 comentários:

MaxReinert disse...

hauhauhauhaua.... ainda tem a tentativa de volta pra casa....... já estou me preparando pro melhor!

Anônimo disse...

No exato momento em que fizemos esta descoberta, o Destino, sentado numa cadeira confortável e assistindo a tudo de uma TV de plasma, deu uma gargalhada, pausou o vídeo e foi buscar pipoca.Nesse momento, juro, quem gargalhou fui eu!

possunhídavou integrar isso ao meu vocabulário.

E... tem certeza que a apresentação do Pennywise gay não era o Teatro Mágico? :P

Impagável como sempre. Grata pelas gargalhadas.

Anônimo disse...

Ai que droga. Fiz tudo direitinho e o Blogger não quebrou as linhas dos comentários. Desculpem.

Tyler Bazz disse...

Confesso que depois do meu não-comentário no primeiro post, me deu vontade de voltar lá e dizer que vocês foram muito (muito) ingênuos ao acharem que ia dar certo. Ainda mais com Rob Gordon presente...

Mas - usando uma comparação sua - se seu blog fosse pago, depois da piada da fila que vale como TCC a gente tinha que sair do blog e pagar pra entrar de novo!

\o/

Kel Sodre disse...

huahuahuahuahua

Vou te dar outros vocábulos que a pessoa que fala "possunhida" provavelmente usa - com as respectivas traduções para o Português, claro:

Poço nestesiano - poço artesiano (admite a variação poço cartesiano)
Venezuela - veneziana
geme - gêmeos (as)
desmagrecer - emagrecer
Preprex - perplexo
estrambo - estômago (admite variações como estâm, estâmgs, strombs)
poblema - problemas da esfera pública. Ex: o poblema da saúde, o poblema da violência...
probrema: problemas da esfera pessoal. Ex: Ih, menina, o filho da Noca tá com pobrema de cabeça...

Todas essas pérolas são fruto do meu estágio no Incra, logo, são pérolas reais...

Leandro disse...

boa!!

Então você também é do tipo que descrobre que no fundo do poço tem um porão e dentro desse porão tem um maluco com uma picareta?

Sil disse...

Meu Deus! E você ainda tem coragem de confessar que passou a noite nesse lugar! O_o
Infelizmente (para você) seu infortúnio é sempre motivo da minha diversão de logo cedo aqui na empresa ^_^
Não demore para postar a saga da volta para casa quero rir mais um pouco ;)
Beijo

Gabi disse...

Com certeza a volta pra casa vai ser a melhor parte,no caso, a sua pior parte da noite.


;D

Varotto disse...

A humanidade não deu certo...


... e pelo visto, a inumanidade também não.

Reginal(e)do Rossi disse...

ahhh ... a volta pra casa.....
hauauhauhauh... mal sabem q a melhor parte foi antes disso!

Gilmar Gomes disse...

Nem vou dizer nada em apenas três palavras: Puta merda!

Crisolda disse...

ADOREI!

Arthurius Maximus disse...

Cara, recomendo fortemente uma junta de pais-de-santo e uma unidade de elite de 600 (porque 500 é pouco) pastores da Universal para te dar um descarrego urgente.

Otavio Cohen disse...

"o filho da Noca" citado pela Kel deve ter sido o tal q falou q o filme era d gente possunhida.
ohaohahoa

divertido!

Anônimo disse...

"Em poucos minutos, vimos um klingon, um Barão de Munchausen, um Obelix e um Groo."

Poutz, não viram o Wally?

Vini disse...

“é filme de gente possunhída"

hAhuHUAUHAuhUHAhuAhu, ri litros... hahah

kakah disse...

Se a continuação envolver praça da República, talvez vocês tenham visto um cara vestido de Gizmo. Eu vi. Foi tenso.

Tyler Bazz disse...

Parte III, né???? ¬¬

Flavita disse...

TCC da fila foi tudo.

Bonaldi disse...

Ah, que mancada ñ conseguir ver o filme do Romero, sacrilégio.... realmente, provavelmente mais da metade do público não sabia da "fodisse" desses filmes....

TCC da fila, preciso anotar essa.

Unknown disse...

Não só não sabia do que se tratava, como não calavam a boca em NENHUM momento do filme. Riam de tudo, gritavam por nada, e depois de uma hora, metade do cinema já tinha saído. É muito bom ver Romero em tela grande, mas vc tem q ter uma paciência gigante com a molecada que entrou lá. E se vc achou a fila pra Night gigante, vc deveria ter visto a fila pra Dawn...sem brincadeira, chegava quase na av. Ipiranga!!