25 de maio de 2008

Ser ou não Ser... Mas que Seja Longe de Mim

Eu sempre me perguntei onde os freqüentadores da Mostra de São Paulo se escondem durante o resto do ano. Na época da Mostra, eles podem ser encontrados ao montes na Avenida Paulista, discutindo a nova fase do cinema egípcio (isso porque acabaram de assistir ao primeiro filme egípcio de suas vidas, mas não entenderam o final direito) ou reclamando que os filmes iranianos “estão se tornando comerciais demais e perderam sua identidade criativa”.

Mas, no resto do ano, o número de intelectualóides diminui consideravelmente. Claro, alguns continuam sendo vistos nas imediações da Paulista – especialmente no Espaço Unibanco – desfilando com suas roupas que nada mais são que contradições climáticas (afinal, eles usam boina e cachecol com bermuda e papetes). Mas estes são apenas criaturas desgarradas do rebanho e não correspondem a 10% da população total de intelectualóides da cidade.

E aí cabe a pergunta: onde ficam os outros? Será que passam o ano escondidos num enorme galpão, assistindo filmes do Godard até o começo da Mostra, quando eles recebem dos seus líderes o catálogo do festival, junto com as ordens de conquistar a Avenida Paulista? Ou se organizam em pequenas células terroristas, elaborando planos mirabolantes para conquistar um Cinemark e promover um festival de cinema húngaro?

Aos poucos, tenho descoberto que eles ficam, na verdade, procurando outras formas de cultura. Cinema, para eles, só existe durante a Mostra. Nos outros meses do ano, eles dedicam-se a freqüentar peças de teatro amador, exposições de arte e leituras de poesia, sempre com aquele ar blasé de quem está absorvendo cultura e disparando seus comentários repleto de polissílabas e expressões rebuscadas, mas que normalmente tem a profundidade de um pires.

Dias desses fui ao teatro com a Sra. Gordon e uma amiga dela. Sempre gostei de teatro, mas admito que vou muito menos do que gostaria, por basicamente dois motivos: primeiro, minha conta bancária mal consegue lidar com as paixões que eu tenho (jantares, cinema, DVDs, CDs, quadrinhos etc), e uma nova paixão iria deixar meu saldo em frangalhos; segundo, meus horários de puta jornalista não permitem nem que eu tenha a certeza de vou almoçar no dia seguinte, quanto mais saber que estarei livre no dia e horário da peça.

Enfim, esta semana consegui achar uma brecha e fomos assistir a uma peça produzida por uma amiga da Sra. Gordon Mas, apesar de ter gostado do espetáculo, saí de lá com uma certeza na cabeça: o teatro brasileiro sofre de um grande problema. E este problema é o público, que está cada vez mais dominado por intelectualóides.

Claro, eu já deveria ter desconfiado de que estaria me enfiando num reduto de intelectualóides se tivesse simplesmente juntado os fatos. Na minha cabeça, eu estava apenas indo ao teatro com a namorada, mas, na verdade, eu deveria ter me preparado para ir a uma peça de teatro amador em Pinheiros – o que, no mundo dos intelectualóides, deve ser um equivalente a uma semifinal de Copa do Mundo.

Comecei a desconfiar no que havia me metido já no saguão do teatro, minutos antes da peça. Olhando ao redor, estranhei o fato de que eu – usando apenas calça jeans e uma camisa – era o homem mais bem vestido do lugar. Justo eu, que não consigo ser o homem mais bem vestido do lugar nem mesmo se colocar um smoking e ficar sozinho em casa. Estudando as pessoas do lugar, avistei uns dois pares de papetes, alguns cachecóis e – claro – uma boina. E, obviamente, uma pessoa sentada em um canto, lendo um livro arrebentado.

Todas as pistas estavam ali, na minha frente: a boina, as papetes, o livro arrebentado (intelectualóides estão sempre lendo livros caindo aos pedaços) os ares de superioridade e as olhadelas pedantes por cima dos óculos de aros grossos e vermelhos – porque nem todo mundo que usa óculos vermelhos é intelectualóide, mas todo intelectualóide usa óculos vermelhos.

Percebi o que estava acontecendo. Eu estava no meio de uma ninhada de intelectualóides.

Obviamente isso fez com que a peça (que narra três histórias diferentes e é bastante interessante, mesmo com o texto arrastado demais em um ou outro momento) saísse perdendo, já que os melhores personagens estavam na platéia e não no palco. Convenhamos, não dava nem para competir. Afinal, qual nem Shakespeare, Tennessee Williams ou Nélson Rodrigues, juntos, poderiam criar algo tão estranho quanto aquele ser que se sentou na minha frente e começou a tirar a roupa no meio da peça?

Não, não estou exagerando.

No meio da peça, a criatura, de aproximadamente sete metros de altura e pesando uns 9 kilos (eu consegui identificar como bípede; calculo que era humano, mas não sei o sexo, já que a cabeleira mostrava apenas que ele (a) era parecido (a) com o Sideshow Bob, dos Simpsons) levantou a camiseta até o meio das costas e apoiou o rosto nos joelhos, numa clara demonstração de “estou consumindo cultura, e nem o calor pode me atrapalhar neste momento”. E eu ali atrás, olhando aquelas costas “bronzeadas” e “musculosas” (vela de sete dias mode: on).

Então, ao assistir uma peça de teatro amador, você escolhe: ou senta-se na frente e corre o risco de ter que participar do show – afinal, muitas peças querem bancar as modernosas e fazem os atores interagirem com a platéia (quer a platéia queira isso ou não) – ou você se senta lá trás é obrigado a presenciar uma palmeira-albina-metida-a-cult exibindo o corpinho que Deus lhe deu porque como ela está num ambiente cultural, faz questão de mostrar a todo mundo que está se sentindo em casa. Faltou só começar a coçar as frieiras na minha frente. Ô fase.

Curioso é que olhei ao redor e os outros intelectualóides continuavam vestidos. Claro, todos faziam aquela cara de conteúdo, com o rosto apoiado em uma das mãos e o olhar perdido, mas, ainda assim, vestidos. Típico. Num lugar com 90 intelectualóides, o mais estranho deles, que tem mania de tirar a roupa no teatro, vai se sentar logo na minha frente. É sempre assim.

Passei a última meia hora da peça me controlando para não acender um cigarro – já que as pessoas podem tirar a camisa, eu posso fumar – e começar a bater as cinzas nas costas do it (porque, como eu disse, não sei ainda se ele he ou she, então vamos de it) e me concentrei na peça. E, confesso que fiquei chateado quando acabou, porque eu realmente estava gostando. Mas nem tive tempo para pensar nisso, pois, enquanto me levantava, uma mulher atrás de mim comentou com a amiga:

– Nossa, eu adorei a montagem. Como eles usaram bem a linguagem cinematográfica na narrativa, você reparou?

Deus do céu. Porque não dizer apenas que “gostei da peça”? Tem que ficar inventando teorias de linguagem para gostar do que viu? Não basta apenas dizer que “foi bem legal”? Tem que ser sempre uma narrativa aristotélica que causa uma ruptura na semiótica teatral clássica dos anos 50? Imagino uma pessoa dessas assistindo Star Wars e comentando o filme com o George Lucas depois, dizendo que:

– ... mas o que me chamou a atenção mesmo foi o foco narrativo episódico, com diálogos entrecortados e metafóricos, abordando com sutileza cortante o modo de pensar das religiões asiáticas.

E o George Lucas respondendo: “Hã... Ok”.

Sério, que povinho sacal.

Gostei da peça? Gostei. Mas isso não me impediu de voltar para casa e ler um Homem-Aranha antes de dormir, sem ficar procurando referências pictográficas aos quadros de Goya em cada quadrinho.

Falando sério, se você é metido a cult e quer mostrar que é inteligente, intelectual e escolado no mundo das artes, uma dica: fique em silêncio. Isso dá um ar intelectual indiscutível. E, mais importante, você não corre o risco de dizer bobagem, algo que, inevitavelmente, você vai dizer, no máximo, na terceira frase.

Mas, caso você queria realmente sair por aí cagando regra sobre o filme, a peça ou o livro, segue o Top 5 expressões que todo intelectualóide usa, invariavelmente, ao comentar uma obra artística:

1. “Resgate”

2. “Ruptura”

3. “Rompe os parâmetros”

4. “Brinca com os estilos”

5. “Provoca o público”

25 comentários:

Giz Cupolillo disse...

Faço os mesmos questionamentos e piadas a respeito dos pseudo cults cariocas. Adorei!

Gilmar Gomes disse...

"Tem que ser sempre uma narrativa aristotélica que causa uma ruptura na semiótica teatral clássica dos anos 50?"

Está ficando cada dia mais difícil comentar aqui.
Como um cara pode ser tão inteligente, ter um humor tão phodão (não vou colocar nenhum elogio intelectual aqui), e ler as mesmas coisas que eu leio... Homem-Aranha e outros quadrinhos?
Os intelectualóides (acima citados) devem lhe odiar, não por você detoná-los num post, mas sim por você ser o cara normal mais intelectual do mun... Ops, de Pinheiros!

PS: fazia tempo que eu não rasgava seda, mas depois do comentário que "não fiz" no último post, e esse post que me fez olhar no dicionário 157 vezes, eu precisava elogiar de novo.

PS: não, eu não sou gay...

Marcio Sarge disse...

Essa é a primeira vez que fico sabendo de um intelectualoide hippie ou naturalista sei lá rsr

paulonando disse...

No mundo teatral você faz mais um papel de observador das reações humanas do que crítico de uma peça. Gostei!

Anônimo disse...

O único cult que presta é o The Cult, e tenho dito.

Thiago Apenas disse...

Cult é cult em todo lugar.Aqui em Recife é assim também, é tipo status ser assim.Vai entender... As pessoas são estranhas.

Fugindo do assunto, olha o que apareceu na verificação de palavras na hora de comentar:
http://img389.imageshack.us/img389/7837/nerdvinylou8.jpg

Tô passando muito tempo na internet...

Perci Carvalho disse...

aiuehiuehea - Veio a Calhar! Semana q vem termina a campanha da popularização do teatro aqui na minha "roça". PIMBAs aos montes...

aah sim, explico: PIMBA éuma palavra que minha querida amiga Clarii me ensinou, e que desde entao faz parte do meu vocabulariozinho... significa Pseudo Intelectual Metido a Besta e Associados

e concordo grandão com a ultima parte do post 'fique em silêncio'. Li e algum lugar (nao sei onde e nem que escreveu, mas li) que 'É melhor ficar calado e deixar que achem que você é um idiota do que falar e acabar com a dúvida'




bj

An@Lu disse...

eu já estava com saudades de um top 5! :)

sabe onde essa espécie se esconde? nos sebos! experimenta ir a um sebo pra ver como tá cheio dessa gente prolixa e sem noção.

Ah, mas depois eles tiram essas roupas (aliás, o que é um papete?) e colocam uns jeans normaiszinhos pra ver o indiana jones!!!

Silvinha disse...

Não se esqueça de atemporal, pos-moderno e das referência à Sartre ou Foucault. Porque intelectualoide que se preza tem altar para um dos dois...

E (2) o que diabos é um papete???

Helen disse...

Hoje caberia um bonus track: "transcedental".

URGH.

Thiago Dalleck disse...

Putz, ninguém merece esse povo metido a Blasé. A moda agora é de indie pagar de cult também...

Varotto disse...

E quando é um daqueles filmes tão herméticos, mas tão herméticos (e chatos), que nem mesmo o autor conseguiu entender (tipo letra dos Engenheiros do Havaí), mas os caras ficam com vergonha de dizer que não entenderam, então saem comentando como o autor quis demosntrar apequenezadoserhumanofrenteaograndiosoUniversoquenoscerca?

Nem todo filme blockbuster é bom, e nem todo filme cabeça é ruim, mas fingir cultura é, digamos assim, patético...

PS: Indiana Jones! Indiana Jones! Indiana Jones!

Kath disse...

Seu Top 5 tá muito incompleto. Intelectualóide não vive sem falar de desconstrução, vital também achar com quais obras o cara dialoga.
Bah, sabe nada!

casa101.blogspot.com

Tyler Bazz disse...

É cooooooomplicado...

Aí em Sampa a coisa é muito pior, certeza. Mas eu estou metido numa universidade publica né, então tem intelectualóide aos montes...

E 99% do que eles falam é puuuura bobagem...


o/

Anônimo disse...

Cara, pensa assim: Intelectualóides paulistas são os menos piores. Imagina um intelectualóide, sei lá, do Piauí?

Tyler Bazz disse...

[Rob, fiz uma gracinha lá no blog. Se não puder, avisa que eu tiro ;)]

Tyler Bazz disse...

vai ficar ali até eu cansar... :D

Anônimo disse...

Li bastante teu blog na época do concurso, depois sumi do mundo blogueiro, bom ver que manteve a qualidade.
Pessoas cultas são ótimas, pessoas cult são malas e otal de brincar com estilos/conceitos/... chega a doer os ouvidos mesmo.

P! disse...

Rob, serei sincera, este post ficou ruim. Não ficou ruim, ruim, só ficou meio chato. Eu quase desisti de lê-lo logo no começo! Mais prossegui, como se faz um bom leitor. Aliás, uma dica: confira a pontuação do texto, teve um momento em que em deparei com 2 erros, um de digitação e outro de pontuação.

beijo

P! disse...

PS: se eu estiver errada sobre os erros(não tenho muita certeza), foi mal!

Anônimo disse...

aouHAhHAohAHouH
Rob, você meio que julgou BEM as pessoas. Mas não posso negar que eu me mijei de rir
aouUHOAuUAHoAOUHHUOAA

Londrina tem vários pseudo cults, me divirto muito vendo eles.
aouHUUAuHAHAOOHAhuA
Mas aqui também tem gente do meio com muito conteúdo e o pior é que eu nunca vejo eles fazendo comentários grandiosos sobre as coisas, os cultos são muito de boa.


Venha ver peça amadora em Londrina, você vai adorar/odiar :D

MaxReinert disse...

auhauhauhauhaha....

Interessante a tua "leitura"! Será que a "proposta" do seu pseudo-cult-naturalista-esquelético não era promover uma "troca" com o espetáculo? Promovendo novos pontos de vista e aimentando o "vocabulário conceitual" da platéia, no caso, você?

jaahuahauhauhauhauhau

Anônimo disse...

como observador vc eh admiravel, o mais foda eh a forma q vc escreve issu, eh tão real ... as pessoas são taum estranhas, muito bom!!!

Deise Rocha disse...

fico com inveja de vc...

vc tem motivos pra ficar p da vida com as pessoas ou simplesmente morrer de rir com elas...

aki em bsb - brasília, a gnt só pode rir bebados e butecos mixurucas, piguetes q andam de bikini na noite mais fria maio/junho ou de blogs feito o seu...


*eu gosto de boinas... mas eu não sou uma intelectnumsei o q...

até msm, pq, peça aki ta mto cara, num pra ficar indo em tatro pra dizer q a metafórica da um certo ânimo radical à peça...

será q eles falam assim???


demais, como sempre...

Anônimo disse...

Meu primeiro post aqui, que emoção.

Primeiro eu queria dizer que vc conquistou uma fã de uma cidade que c parece mais com uma moita no google earth (acredite, eu ja procurei.)

segundo: para ressaltar o meu apreço por plantas, eu devo estar roxa como uma beringela me segurando pra não rir alto dos seus textos, pq c eu acordar minha mae ela vai vir aqui junto com as olheiras dela me dar um xingão(provavelmente de filha da puta...mais vai intende...)

e terceiro que eu ainda não li todos os seus textos, mais um dia eu chego lá, afinal, eu sou brasileira.
bejos,e q esse seja o primeiro de muitos