15 de dezembro de 2007

Ice Cube

Você sabe que o final do ano está chegando quando as sacadas dos prédios começam a ser decoradas com milhões de luzinhas de todas as cores e (ao menos em São Paulo), o trânsito começa a ficar caótico – nas ruas e nos shoppings. Espírito de natal? Época de paz e Harmonia? Nada. Você sabe que o final do ano está chegando quando todos os cantores e bandas de rock começam a lançar coletâneas especiais e definitivas (ainda não vi o best of definitivo deste ano do Aerosmith, mas tenho certeza de que ele deve estar para chegar às lojas. O dos Rolling Stones já chegou).

E, claro, você sabe que o final do ano está chegando quando começam os insuportáveis amigos secretos em restaurantes da cidade (que já foram assunto aqui no blog). E, pior, quando eles começam a acontecer no meu restaurante (leia-se: Bovinus, da Rebouças). Sim, é o meu restaurante, já que vou lá pelo menos duas vezes por semana. Todos os maitres e garçons sabem quem sou eu, qual mesa eu gosto, o que bebo, e como gosto da minha carne.

Ontem foi assim. Fui jantar com três amigos, e, ao entrar na churrascaria, vi que quase todas as mesas estavam arrumadas como num refeitório de uma prisão, com mais ou menos 30 lugares cada. Olhei para um dos maitres e perguntei:

– Hoje é uma daquelas noites?

– É, ele respondeu, com olhar desanimado.

Dito e feito. Menos de uma hora depois, todas as mesas estavam ocupadas por pessoas que provavelmente mal se toleram durante o ano todo no escritório, mas que decidiram beber e trocar presentes como se fossem amigos de infância. Até aí, tudo bem. Eles estão pagando, e têm todo o direito de ficarem trocando presentes ali dentro e tirando fotos com o chefe.

O que eles não têm direito é ficar gritando como um bando de idiotas a cada presente aberto, a cada foto batida e a cada copo derrubado, impedindo o resto das pessoas no restaurante de comer em paz. E, ontem, todas as cerca de 20 pessoas de uma mesa, aparentemente, tinham apenas um objetivo: o de mostrar para todos o quanto estavam felizes, nem que para isso tivessem que impedir as outras pessoas do local de conversar.

Um presente? Gritos. Uma piada? Gritos. Uma bêbada que quis tirar foto com três caras? Gritos? Um garçom que trouxe a cerveja errada? Gritos. E eu ali, no meio daquela batalha sonora campal, tentando conseguir a atenção de um dos garçons, porque eu queria apenas um pedaço de fraldinha e tendo que gritar com as pessoas na minha mesa, porque ninguém ouvia nada do que era dito.

Implicante? Não, não sou. Quer dizer, sou sim. Mas não nesse caso, porque as outras mesas cheias de pessoas de outras empresas fazendo amigo secreto não incomodavam ninguém. E também havia troca de presentes, fotos, risadas. Ou seja, é possível você comemorar o final de ano com as pessoas que trabalham com você sem incomodar alguém que não tem nada a ver com isso.

Aos poucos, a coisa começou a ficar pessoal, especialmente quando um dos animais da mesa começou a bater com o talher num prato, ininterruptamente, por quase 10 minutos. A cada batida, eu sentia meu fígado se contraindo de ódio. Cada molécula do meu corpo clamava por vingança. Pensei em ir até lá e pedir para ele parar de bater aquela colher no prato, mas ele não iria me atender. Aliás, ele não iria nem me ouvir. Pensei em ir ate lá e dizer que “ou pára com isso, ou quebro o prato na sua cabeça e enfio essa colher num orifício específico e, teoricamente, bastante íntimo do seu corpo”, mas desisti. Eles estavam em 30, e nós em quatro. Chamei um dos garçons e perguntei se ele poderia fazer nada. Ele me respondeu que já havia feito, e o cara não havia parado.

Não havia saída. Argumentar não resolveria. Brigar não ajudaria.

Foi aí que eu decidi ter 16 anos de novo. É para ser imaturo e bancar o babaca? OK, vamos todos ser babacas. E comecei a bolar meu plano de ataque. Meu objetivo não era mais fazer com que eles parassem de gritar. Meu objetivo agora era o de estragar a noite de pelo menos um deles, como estragaram a minha.

Comecei a estudar o ambiente. Todos sentados na mesa, e, em uma das cabeceiras, uma cadeira com sacolas de presentes. Totalmente desprotegida. Não deixaram um sentinela tomando conta daquilo. E, no meio delas, uma sacola de papel, daqueles usadas por lojas de roupas.

Idéia.

Virei para um dos meus amigos e disse, apontando para o copo dele:

– Me arruma um gelo.

– Quê?

– Me arruma um gelo. O maior deles.

Ele não entendeu nada, mas pegou o gelo e colocou na mesa. Eu peguei o cubo na mão e levantei, indo na direção do banheiro. Parei na porta do banheiro e comecei a observar as pessoas na mesa, com o gelo na boca. Preciso de apenas uma brecha. Alguns segundos, apenas isso. De repente, um dos animais, na outra ponta, levantou e começou a falar alguma coisa. Todos olharam para ele. Perfeito.

Saí andando, apressado, com o enorme gelo na boca e, ao passar pela cadeira com as sacolas, vi uma peça de roupa feita de algo parecido com seda. Rapidamente tirei o gelo da boca, todo babado mesmo, e o deixei cair dentro da sacola, bem no meio do casaco. Rob Gordon, cesta! Um dos maitres viu. Mas fiquei tranqüilo quando ele foi para o caixa começar a rir.

Voltei à minha mesa e deixei o gelo ali, com a natureza fazendo seu trabalho. Missão cumprida. Mais tranqüilo e mais relaxado, pensei em pedir sobremesa. Eis que um deles, no meio da mesa, levanta para fazer um outro discurso e empurra a cadeira para trás. Todos olharam para ele, que, em pé ali, impedia os colegas de olharem para seu assento. Uma descarga elétrica passou pelo meu corpo. O cheiro de oportunidade no ar. Comecei a avaliar o perigo da situação: uma sacola de presentes não reage, mas uma pessoa sim. E eles estão em maior número e são maiores do que eu – todo mundo no planeta é maior que eu. Não, é arriscado demais. Pode dar merda.

Quer saber? Foda-se, só se vive uma vez.

– Me dá mais um gelo.

– Outro? O que você vai fazer agora?

– Dá essa merda aqui, eu disse, enfiando a mão no copo dele e pegando o maior cubo que tinha ali.

Levantei e fui em direção ao buffet de sobremesas, tomando o cuidado de passar discretamente por trás do sujeito. Quando me aproximei dele, sem diminuir a velocidade, larguei discretamente o gelo entre ele e a cadeira, com receio de usar muita força, o que faria o gelo cair no chão – o que tornaria tudo em vão – ou bater na perna dele – o que causaria briga. Olhei discretamente para trás e vi o gelo no meio do assento da cadeira. Rob Gordon, de três! Dei a volta na churrascaria e voltei para a minha mesa.

Olhei na direção dele. O cara ainda estava de pé, com a cadeira atrás dele, e o cubo de gelo ali, no meio do assento, esperando para molhar aquela bunda gorda. E ele falando, em pé, todos rindo, e eu ali, com o cigarro na boca, vendo o gelo derreter. E esperando pacientemente. Senta logo, cara. E ele ali falando. Todos na minha mesa em silêncio, observando o sujeito, que fazia um pronunciamento da duração dos discursos do Fidel Castro e não sentava nunca.

De repente, todos começaram a aplaudir. E ele sorriu. É agora. Ele vai sentar. Ele tem que sentar. Não é vingança, é justiça. Ah, está bem é vingança mesmo.

Eis que a pentelha da namorada dele olha para a cadeira e vê o gelo. Sem entender direito como aquele gelo chegou ali, ela simplesmente pega o cubo e joga no chão. E destrói minha obra-prima da noite. E ele sentou em seguida, sem nem desconfiar que, por pouco, não passou o resto da noite com bunda molhada. Gritando, cantando, incomodando os outros, mas com a bunda molhada.

Fiquei tão brochado que pedi a conta logo em seguida. Ao sair da churrascaria, fui dominado por um sentimento de remorso, pensando que, talvez, a dona do presente da sacola de papel não tinha nada a ver com aquilo. Comecei a considerar a hipótese de, um dia, crescer, e parar de fazer essas coisas com as pessoas. Afinal, estou com 32 anos, é hora de me comportar como um adulto.

Senti o celular vibrando no bolso. Olhei e vi que era uma mensagem da Sra. Gordon, que está viajando, reclamando que não havia recebido nenhuma mensagem minha ao longo do dia – sendo que eu mandei duas. Olhei o celular e vi que a mensagem havia sido enviada há mais de uma hora, mas eu não ouvi o celular tocando por causa do barulho que os energúmenos faziam na churrascaria. Obviamente, ela vai achar que ou fui atropelado e morri, ou esqueci dela.

Fiquei puto, mas confesso que, com isso, aprendi uma lição.

Jogar gelo nos outros não adianta nada. E não resolve nada. na próxima vez, vou escolher a sacola mais cara e jogar uma polenta cheia de queijo ralado ou um pedaço de cupim.

Antes disso acontecer, deixo vocês com o Top 5 frases que eu mais disse ontem, na mesa:
1. Por que as pessoas não morrem logo e me deixam em paz no planeta?
2. O mundo precisa de outra peste negra. Tem gente demais aqui.
3. Me dá um gelo!
4. Senta logo, cara, senta logo!
5. Será que eles realmente acham que estão agradando e sendo engraçados?

23 comentários:

Anônimo disse...

é por isso que todo ano eu tenho saudades de 2001, ano em que fiz uma cirurgia no começo de dezembro e passei essas 3 semanas infernais de cama, sem precisar encarar esse trânsito, essa euforia ridícula, as compras...

gostaria de congelar todo dezembro e acordar no maravilhoso dia 26, quando toda a cidade foi para a Praia Grande.

Em dezembro eu faço a compra do mês de caminhão, pois nem na padaria dá para ir.

Pior de tudo é que o ápice desse negócio é com peru e espumante.

abraço

G7

MaxReinert disse...

"O mundo precisa de outra peste negra. Tem gente demais aqui."

-Estou começando a concordar com essa opinião!!!

humpfffs!!!

Anônimo disse...

Haha espírito de natal virou rockeiro...

abraço!

Anônimo disse...

Por que as pessoas não morrem logo e me deixam em paz no planeta?

hauahuahuahu adorei...

pq essas coisas so acontecem com vc?Ha, Rob Gordon atrai loucos.... ^^

rs

bjus

Anônimo disse...

isso aconteceu mesmo?
nossa!Coitadinho de você, mas porque não saiu e pediu a conta?

Tyler Bazz disse...

Ahhhhh! É horrível..
E quando você está naquele shopping, comendo seu lindo lanchinho do Mc, e o amigo secreto está acontecendo ali, na mesa ao lado.. EEEE o participante mais velho tem 15 anos... :/

Precisamos de outra peste mesmo.. Cade a caixa de Pandora???

o/

Renata Schmitd disse...

"Olhei o celular e vi que a mensagem havia sido enviada há mais de uma hora, mas eu não ouvi o celular tocando por causa do barulho que os energúmenos faziam na churrascaria."

Ou por causa de sua atenção estar toda voltada pra bunda gorda que ia sentar no gelo.
Cada um com suas prioridades....

Anônimo disse...

"mas eu não OUVI o celular tocando"

"(...)e eu ali, com o cigarro na boca, VENDO o gelo derreter"

Pegou a diferenca?

Jefferson Barbosa disse...

dahduaheuhdauhuehaudauh
Ah não acredito.
Tu tem que ir pra NASA velho. Puta estrategia; HAHA

To te linkando.
Abraço.

Pamella disse...

hsuahhsua
nossa,
muito bom...
um abraço!

Thiago Neres disse...

Não foi só você quem broxou... eu também fiquei triste quando estava lendo seu post e vi que o cara não sentou no gelo =(

Boa sorte na próxima vez =)

Renata Schmitd disse...

claro, desde o princípio.

O Antagonista disse...

É mesmo uma situação típica de final de ano... imbecis em grupo tendem a se comportar mais agressivamente nessas confraternizações hipócritas. E para os que estão sendo incomodados não há mesmo o que se fazer... a não ser criar pequenos joguinhos divertidos compostos por arremessos de pedras de gelo e uma boa dose de adrenalina.

Valeu!

Anônimo disse...

Então não me acuse levianamente, cu. :-p

Lari Bohnenberger disse...

Rob, tô chocada com a tua imaturidade! Colocar um cubinho de gelo na sacola dos presentes? O que é isso? Que amadorismo, meu Deus! Tinha era que ter pego um pote de sobremesas, com uma bem melequenta, tipo mousse, e derrubar na sacola dos presentes! Aí sim ia fazer um estrago de verdade!
Espero que tu cresça e aprenda umas vinganças de verdade, para fazer com as pessoas!
Bjs!

Renata Schmitd disse...

asuhasuahsuahsausasuh

fica exxxxperto, cu.

Thiago da Hora disse...

sempre no mesmo restaurante, na msma mesa e a mesma comida? mas que metódico hein? HAHAHAHA

por favor, vira meu amigo AGORA! essa sua atuação na churrascaria foi demais! HAHAHAHA

Gilberto Porcidonio (Puppet) disse...

Passei mal só com o título. \o/

É como um amigo meu diz: Todo ser humano tem o direito de ser intolerante.



ps: uma pedradinha de gelo de leve na testa não deve doer tanto assim...

Abraços!

P! disse...

hahaha
realmente, você prova porque ganhou tantos prêmios.
a vingança é doce meu caro, sei disso.
hahahaha

aliás, se der, entre no meu blog!
:D


beeijo

Carlos Vin disse...

Vingança com bons motivos é sempre bom! Mas qdo dá certo né...

Oh Rob, eu estava viajanndo e fiquei com algumas pendências..Em relação ao Projeto Curta Aí, tem um amigo meu querendo participar, é pq tinham te indicado ñ sei se vc lembra... Se vc estiver sem tempo ou ñ quiser participar, vc me dá um toque lá no meu blog, pra eu passar a continuação do enredo pro meu amigo..
Um abraço, cara!

JKishin disse...

Ótima conclusão. Gostei do blog. O meu é um Universo Bizarro. Passa lá: www.jkishin.blogger.com.br
: - ))

Gilmar Gomes disse...

eu vi um parente (ou o próprio) da Besta-Fera no filme tainá, que passou domingo...

Sil disse...

A minha empresa também faz jantar de fim de ano em chorrascaria.

Só que o amigo secreto acontece antes, no escritório mesmo porque ninguém da nossa empresa gosta dessas muvucas em restaurante.

E nesta última festa tinha uma mesa do lado da nossa com gente exatamente igual aos seus amigos aí da zona oeste, aliás, acho que foi pior porque eles estavam cantando e batucando nos pratos e copos. Foi uma verdadeira tortura. Ainda bem que é só uma vez por ano.

Beijo

Sil