22 de outubro de 2007

Mostra o Seu, que eu Mostro o Meu

Pronto.

Começou a Mostra de SP.

Com isso, os bichos grilos e indies metidos a cult que habitam as calçadas do Espaço Unibanco podem abandonar por alguns dias aquele ecossistema que dividem com os camelôs que vendem livros sobre socialismo e camisetas do Che Guevara e migrarem para outros locais da cidade. Assim, nos próximos dias, as imediações da Avenida Paulista serão tomadas por dois tipos de pessoas: alguns poucos fãs de cinema que se deliciam com a programação da Mostra de São Paulo, mas, que, como possuem empregos normais, precisam escolher a dedo qual sessão irão assistir; e hordas de jovens que estudam ciências sociais na USP ou na PUC, não trabalham porque são sustentados pelo pai, lutam pelo fim da exclusão social (mas moram num apartamento de quatro quartos no Jardins) e que são loucos para trabalhar numa Ong e passar o resto da vida fumando maconha na praia porque, além de serem intelectuais e de esquerda, são moderninhos e transgressores.

Se você se encaixa neste último tipo, e esta é a sua primeira Mostra de SP, não fique nervoso. Siga as dicas abaixo e você passará tranquilamente por cult, talvez até mesmo tornando-se mais insuportável que muitos intelectualóides que carregam muito mais Mostras de Cinema que você na bagagem.

O que assistir?
Pegue um catálogo da Mostra e selecione seus filmes, fazendo isso obrigatoriamente sentado sob o vão do Masp. O critério de seleção dos filmes é fácil: primeiro, elimine todos os filmes falados em língua inglesa. A seguir, analise as películas francesas e marque para assistir aqueles cuja sinopse de duas linhas já é terrivelmente chata. Por fim, pegue todos os filmes feitos em países latino-americanos ou em regiões da Ásia que não possuem água potável e assinale como obrigatórios. Marque com canetinha, pois, assim, qualquer pessoa que espiar o seu catálogo verá o quanto você é cult e só assiste a filmes difíceis. Não se esqueça de dizer repetidamente para todos os seus amigos que a única coisa que presta na Mostra é aquele filme afegão sobre uma noiva que cai – junto com um camelo e um garoto aleijado – numa fossa de esgoto e passa oito dias lá dentro – e que ninguém vai ver – é, de longe, o melhor filme dos últimos quatro anos.

O que vestir?
Vá de bermuda e havaianas, porque calça jeans e sapato é coisa de gente que segue modinhas fúteis como ter emprego com carteira assinada. Não se esqueça também daquela camiseta do Che Guevara (com ou sem a cara do Seu Madruga, para mostrar sua verdadeira consciência política latino-americana) que seus amigos acham que foi comprada na porta do Espaço Unibanco mas, que, na verdade, sua tia comprou no Shopping Iguatemi e lhe deu de Natal. Se estiver frio, vá com seu abrigo da Adidas daquele modelo que se usava nas aulas de educação física dos anos 70 (época na qual já eram toscos) e que foram retirados do esquecimento uns dois anos atrás por algum estilista infeliz . Se você for mulher, uma saia indiana e um chinelão de couro gasto também podem ser utilizados.

E os acessórios?
Durante a Mostra, os assessórios são quase tão importantes quanto a roupa, pois são eles que fazem a diferença entre o cult profissional e o amador. O primeiro item é o cachecol: independente de estar fazendo 42 graus à sombra, o uso do cachecol é obrigatório em todas as sessões. Lembre-se que, sem cachecol, você não é digno de assistir a nenhum filme da Mostra e deveria estar estar mesmo é num Cinemark qualquer, assistindo a Hora do Rush 3 e se empanturrando com baldes daquele líquido negro do imperialismo norte-americano. Outro item essencial são os óculos de Mostra, com armação grossa, pequenos e quadrados que só quem é cult usa. Alguns acessórios que não são obrigatórios mas muito bem vindos são a bolsa de couro meio hippie, que você vai encher de livros do Gabriel Garcia Marques que você nunca leu (e nem pretende, porque você já teve dificuldades em entender o texto da contracapa), mas que deixará à vista de todos – lembre-se que todos os livros devem ser surrados, porque cult que é cult só compra livros em sebo. Não se esqueça também de comprar a Caros Amigos e andar com ela fora da bolsa, para as pessoas acharem que é isso que você lê quando quer uma leitura leve.

Como se comportar?
Nas filas, finja que está fazendo marcações no seu catálogo da Mostra, para as pessoas acharem que você é altamente experiente no que diz respeito às mostras de cinema. Ou finja que está no celular com alguém explicando porque aquele filme afegão da noiva no esgoto é, de longe, o melhor filme dos últimos quatro anos. Durante as sessões faça cara de conteúdo o filme todo, mesmo que você não esteja entendendo nada do que está acontecendo na tela – o que é bem provável que aconteça. é fácil: fique com o rosto apoiado na mão (o ideal é manter o indicador ao lado do rosto e o polegar sobre o queixo) e, se o braço começar a doer, não demonstre isso. Além disso, se as pessoas começarem a rir em alguma cena engraçada do filme, vire-se para trás e olhe feio para todo mundo, deixando clara sua indignação. Lembre-se que você não pode rir no cinema. Os filmes da Mostra são arte em estado puro e arte não é divertida.

O que fazer depois do filme?
O único lugar que você pode ir após os filmes é um Frans Café. Faça questão de manter o seu catálogo da Mostra na mesa, bem visível a todos, para que os demais clientes saibam o quanto você é cult. Se estiver sozinho, compre uma Folha de São Paulo e faça comparações entre os horários das sessões no jornal e do catálogo da Mostra. Se estiver com seus amigos insuportáveis como você, faça questão de que as pessoas das mesas ao lado ouçam o que você fala, para que você possa mostrar o quanto manja horrores de cinema alternativo. Lembre-se: os filmes que todo mundo assistiu (e gostou) são ruins; já aquele filme afegão sobre a galera presa no esgoto – que passou em apenas uma sessão e ninguém viu porque tinha apenas legendas em alemão – é a única coisa que valeu a pena na Mostra. Faça referências a todos os diretores pelo sobrenome, como se você estivesse familiarizado com o trabalho deles – mesmo o sujeito tenha feito apenas um filme (não se esqueça de estudar a pronúncia correta dos cineastas franceses antes de sair de casa). Quando comentar os filmes, use sempre, em alto e bom som, expressões como "transgressor", "ruptura", "resgate", "releitura", "humano demais" e "bem construído" sempre que possível.

O que fazer até a próxima Mostra?
Não se esqueça que ser intelectualóide da Mostra é algo que rende frutos mesmo depois do final do festival. Quando seus amigos lhe convidarem para assistir algo, diga que você não vai porque já assistiu na Mostra. Aliás, diga que você já assistiu na Mostra e é bem meia-boca. Caso o convite seja para ver a porra do filme afegão sobre a noiva, o camelo e o menino presos no esgoto, diga que após a Mostra você assistiu ao primeiro trabalho do diretor (não se preocupe, ninguém vai saber se é verdade ou não) e que é infinitamente superior. Sendo assim, seus amigos estarão todos no cinema e você poderá ir para assistir a Heroes ou 24 Horas sem correr o risco de algum amigo seu descobrir que você gosta desses programas burgueses e comerciais.

33 comentários:

Wagner disse...

o mais "ironico" é que isso realmente acontece! hehehehe

ComputerDicas disse...

Maravilhoso Post!Muito bom.

Karin Kollnberger disse...

Rob, acabei de me formar em ciências sociais na usp... Mas como de esquerdista não tenho nada, pelo contrário, sou libertária radical e odeio comunistinha de merda, até achei engraçado. Mas certamente você está sendo preconceituoso. Alguém que não consiga entender a contracapa de um livro do Gabriel Garcia Márquez, jamais conseguirá se formar em sociais na usp. A quantidade de leitura obrigatória durante o curso é maior do que a maioria das pessoas lê no espaço de uma vida. Eu sei que o estereótipo do comunistinha intelectualóide é um prato cheio para zoação - mas é isso aí, um estereótipo.

Anônimo disse...

Karin

os que não entenderam a contracapa são os da Puc. :-)

MaxReinert disse...

huahauhauhahua....
malvadamente delicioso!!!!!

E não lega pra Karin não!!! De vez em quando ela fica brava com alguma coisa que a gente escreve... mas é gente boa... e tem um blog bem legal tbm!!!!!!!!

Marcelo disse...

eu diria "morte aos indies", mas tmb tenho alguns gostos indies heheh

Isadora disse...

é, Rob, é cuspir no prato que comeu...

gente: a namorada dele faz História, na USP, tem uma coleção de saias havaianas e chinelos de couro ! e tava louca pra ver algum filme francês na Mostra, de cachecol, mas ele não deixou, e quis ver Tropa de Elite!

PRONTO ! CONTEI TUDO !

Anônimo disse...

Cara, simplesmente sensacional esse seu post! Tá de parabéns mesmo! :)

Varotto disse...

Perfeito. Não teria escrito melhor. E para comemorar a derrocada do povo da inteligência artificial, encomendei na Amazon esta semana as dez temporadas de South Park em DVD.
Porque eu acho um desenho super-transgressor que represente uma clara ruptura com os padrões politicamente corretos e faz o resgate da tradição do humor negro deixar de ser humano demais. Além de ser contra tudo isso que está aí...

An@Lu disse...

Rob, o que você tem contra o uso de cachecol?!
Ah, eu gosto pô! Já avacalhou meus fandangos, agora avacalha meu cacehcol... Hummmm....
Acho que você está me persenguindo!!! Hehe
Também detesto esses falsos intelectuais. Aliás, detesto tudo que é falso! Parabéns pelo post.

Zanfa disse...

heaUEhueaHEAueaHUEah

Modinhas por todos os lados.

Você chega a sufocar de tantos "meios culturais", são os emos, os cult's, os punks, os neonazistas, os roqueiros, pagodeiros, funkeiros, crentes, católicos fervorosos...

É a sociedade atual.

Alexandre disse...

Aqui no Rio foi igual, tirando as diferenças regionais, mas com o mesmo povinho "cúrti".

E o que bombou mesmo foi "Tropa de elite", que não tinha camelo afegão, mas corpo na vala tinha aos montes.

Anônimo disse...

Adorei esse post! Pior de tudo é que eh assim .

romahribeiro disse...

desculpe a invasão (pela segunda vez), mas você é bom demais!

beijos!

Tyler Bazz disse...

Cara, esses seus manuais são PERFEITOS!!! auhAUHauhAUHAuhaUHA
Eu travo muito aqui...

o/

Mikael Ferreira disse...

hauhuahuahuah


parabens

Anônimo disse...

Rob... entre a Mostra de SP e uma Fest Comix da vida... eu fico com a Fest Comix! HEHEH!

Sou mais eu, viu. Não tenho saco para programa intelectualóide. :-P

(sem ofensa, pessoal)

É por isso que tenho orgulho de ser nerd. Curto Heroes sem peso na consciência!

Um abraço!

Nanci (que usa camiseta laranja em Jedicons)

Anônimo disse...

O título do post poderia ser "Como se tornar uma pessoa extremamente chata"

credo...

Otavio Oliveira disse...

Sempre fui um leitor assíduo e anônimo nesse blog, mas esse post com certeza merece comentário. Porque aqui em Belo Horizonte (onde estudo Comunicação na UFMG, diga-se de passagem, e onde há um grande fluxo de pessoas IGUAIS ao que você falou) teve uma mostra de cinema alternativo há pouco tempo atrás. E a mostra se chama INDIE. Um caldeirão de estereótipos é pouco. Vi vários filmes de países com PIB inferior ao do Piauí (cult que é culte sabe todos os números depois da vírgula do PIB do Piauí) e achei todos ruins. (perdão piauienses...)
Porque eu só tenho um allstar. E ele nem é tão sujo. Porque eu uso xadrez por falta de opção. Porque eu não tenho boina.
E porque eu sempre quis saber qual é o problema em gostar tanto de um filme do (pré-nome suprimido) Visconti quanto de um filme do Cameron Crowe (ok, eu sei que vc não gosta de Vanilla Sky...).

aah, acho que vou comentar sempre.

Anônimo disse...

Argh.

Mas os piores mesmo são os "from UK".

Pegue o típico comunistinha intelectolóide, dê um banho, mantenha os óculos de aro grosso, adicione um all-star branco, um terninho e voilá.

Como eu sempre digo: se cult fosse bom não começaria com "cu", pra começo de conversa.

(e demorou pra fazer um review do Tropa de Elite!)

Marcelo Gavini, não-pensante e insistente disse...

Rapaz... O negócio ´bem por aí.
Pra achar alguns personagens do tipo intelectualóide, dá um pulo no 'Ó do Borogodó' de domingo. Como diria meu amigo Rusben Violino, vai ter um monte de gente de óculos com armação grossa e barba por fazer conversando sobre a estética revolucionária do novo filme do 'Waltinho' (coitado do Walter Salles...)

E claro, sem saber absolutamente nada do que estão falando.

Thiago Toscani disse...

SEN-SA-CIO-NAL!
Eu não teria descrito melhor, com certeza!

Thiago da Hora disse...

incrivelmente hilário e, pior, verdadeiro. hahahaha
adorei o texto. parabéns!

Johnny disse...

Por causa desses tipinhos que voce descreveu tão bem, não consegui um maldito ingresso para assistir os filmes do Robert Rodriguez e do Tarantino...
E aposto que ainda sairam falando mal dos filmes!
Abraço!

blog disse...

Boa, camarada.
Ou ótima.

Chuveiro disse...

Mto bom o post mesmo.O público que vai na Mostra uma parte é desse jeito mesmo, mas muitas outras pessoas são "normais" que saem do trabalho ou da aula e vão ver filmes.Pra mim, tanto faz se o filme é da Etiópia ou da França, Gus Van Sant ou um diretor equatoriano qualquer, o que importa é o filme e em muitos que escolho sem saber nada dele a não ser uma sinopse bem mal feita, acabo gostando.Mostra é assim, escolha um filme do nada, vá ver, e muitas vezes vc vai gostar, outras não.Pelo menos é assim q eu faço.

Abraços!!!!òtimo Blog

Danilo Venâncio disse...

escreves bem rapaz...passarei mais vezes

Filho do Padre disse...

Falar que todos os estudantes de sociais da usp entenderiam uma contracapa de qualquer livro também não seria um estereótipo?
Se em toda a faculdade de ciências sociais da usp não houver um mísero zé-ruela incapaz de interpretar uma contracapa, tiraria o meu chápeu.
Falo isso em defesa dos que, assim como eu, um dia não conseguiram entender uma contracapa.
PS: contracapas de livros de cálculo, física cinética e direito previdenciário não valem.

Anônimo disse...

O pior é uma pessoal ser assim para assistir o Curta Santos (festival de curta metragens de Santos)...


Rob.. esta de parabéns.

Adorei ler o Champs. Cada post é melhor que outro. A besta-fera. O "Causos" do Pão-de-Açucar. Hilário. Está de parabéns. Você trabalha em alguma revista/jornal? Conte-nos, assim poderemos conheçer seu trabalho fora do mundo virtual!!!

Abçs

Anônimo disse...

Ótimo post, hilário. Mas você esqueceu de citar os piores intelectualóides, aqueles q além de fazer cara de conteúdo o filme inteiro (apesar de não estarem entendendo nada sobre o enredo)ainda balançam a cabeça em sinal de afirmação, como se estivessem fazendo uma profunda reflexão.

Conheci seu blog há pouco tempo e adorei, virei cliente. Parabéns pelo blog, é simplemente ótimo.

Abraços

Francine Ribeiro disse...

Texto muito bom! me matei de rir aqui.

Parabéns pelo blog!

Pri disse...

Nunca tinha lido este post. Adorei, completamente irônico como eu amor!

Lu Lima* disse...

Adorei o post, mas vim em defesa dos Filhos da Puc. Sou formada em Letras, e meus irmãos, respectivamente, doutor em História e pós-doc em Ciências Sociais: nunca bebemos dessa água que oferecem no campi de Perdizes, quiçá, aspiramos aquele ar poluído de uma duvidosa névoa, rs*
Há rebeldezinhos sem causa em todos os lugares. Não deixe os "pucnianos" de bem tão envergonhados, please?! rs*

Beijos,
Lu.