3 de agosto de 2007

Lord of the Rice - Parte Final

(você confere a segunda parte aqui)

Voltei para casa a passos largos, empolgado por ter encontrado o arroz no mercado, mas principalmente por ele estar num saco com o manual de instruções. Nem mesmo o fato de, ao atravessar a Teodoro no caminho de volta, quase ter sido atropelado por uma Kombi desgovernada – igualzinha a usada pelos terroristas libaneses no primeiro De Volta para o Futuro –, minou minha determinação. Hoje, nós lutamos! Fique tranqüilo, Aragorn: eu não vou decepcionar você. Hoje, a coragem dos homens irá prevalecer!

Entrei em casa e a Besta-fera, ainda ao lado do aquecedor, me lançou o seu clássico olhar de desprezo, com aquela expressão de “você sabe que está perdendo tempo, certo?”, que ele usa toda vez que percebe que estou tentando fazer algo novo. Foi a mesma coisa quando tentei instalar o home theater sozinho ou quando montei a expansão da minha estante de CDs. A única vez que ele pareceu aprovar uma iniciativa minha foi quando tentei assar minha primeira peça de fraldinha no forno, mas, obviamente, só me apoiou porque era parte interessada.

Desta vez, porém, não agüentei o descaso dele.

– É por causa de gente como você que o mundo está nessa merda!, gritei.

Ele continuou me olhando com cara de paisagem.

– Merda de cachorro sem iniciativa!

Como ele não se dignou a me responder (pelo contrário, ele apenas bocejou e se deitou novamente, com a cabeça virada para o aquecedor), fui para a cozinha e procurei me recompor. Antes de começar a estudar as instruções do saco de arroz, percebi que algo estava errado. Claro. Nenhuma tarefa épica é uma tarefa épica de verdade sem uma trilha sonora adequada. Voltei para sala e coloquei um best of do Megadeth, e o CD começou a tocar justamente Simphony of Destruction. Tive um mau presságio com isso, mas não me deixei abater.

Voltei à cozinha e, enquanto o Mustaine cantava na sala com sua voz de vilão de desenho japonês, peguei o saco de arroz e comecei a estudar as instruções. Decidi primeiro conferir o material necessário.

Água... OK.

Panela... Acho que tem algo parecido com isso guardado no forno. Ok.

Fogão... Ok.

Xícara... Xícara?

Fudeu, eu não tenho xícara em casa. Eu nunca usei uma xícara na minha vida. O mais próximo que eu tenho disso é a minha caneca da Quadrilha de Morte (nerd mode: on), mas até eu sei que uma caneca é muito maior que uma xícara. São unidades diferentes. Duas xícaras é um conceito totalmente diferente de duas canecas. Tentei puxar pela memória as aulas de física, pensando em alguma fórmula para converter duas unidades de xícaras em caneca, mas logo em seguida me lembrei que as aulas dessa matéria foram trancafiadas naquela seção obscura do meu cérebro, que fica cercada com arame farpado e vigiada por guardas armados, cujo conteúdo só pode ser extraído por meio de hipnose.

Decidi fazer no olho mesmo. Afinal já sou uma marionete na mão das empresas de congelados, não vou me curvar à merda do Tio João também. Vou jogar pelas minhas regras. Uma xícara é algo muito menor que uma caneca, logo, meia caneca deve ser o equivalente a duas xícaras. E se não for, a partir de agora, será. Abri o forno e peguei a primeira coisa parecida com uma panela que eu avistei lá dentro. Joguei meia caneca de água lá dentro, acendi o fogo e pronto.

Perfeito.

Enquanto a água esquentava, comecei a imaginar meu futuro brilhante à frente do império construído com o arroz do Tio Gordon. Entrevistas nas quais eu revelaria que o segredo do sabor do meu arroz era usar meia caneca (e não duas xícaras) de água. Capa da Veja, manchetes de jornais, documentários sobre como meu império revolucionou a cultura do arroz no mundo...

Meus pensamentos foram dissipados quando tive a estranha sensação de que algo estava errado. Olhei ao redor, mas não vi nada de estranho. Besta-Fera deitada, Mustaine cantando... Passei os olhos pela cozinha. Nada de anormal. Olhei para a panela e vi a água começando a ferver. Nada de errado também.

O arroz! Puta merda, esqueci o arroz!

Comecei a correr pela sala, procurando a maldita tesoura para abrir o saco. Nada. Tesouras são como polícia, você só precisa delas quando elas não estão por perto. A minha tesoura passa os dias na mesa da sala, imóvel, esperando, toda empolgada, pelo momento de cortar algo. Mas, na hora em que eu realmente preciso dela, a maldita se teleporta para baixo da cama ou para dentro da geladeira.

Resolvi abrir o saco de arroz na mão mesmo. Primeiro, arranquei uma ponta com os dentes (criança mode: on). Feito esse buraquinho, coloquei um dos dedos nele e, segurando o saco com a outra mão, tensionei os músculos e, pedindo força e determinação aos deuses, soltei um urro e abri o saco, usando todo o poder que percorria meu corpo esculpido por anos e anos de vida sedentária.

Nada. O saco nem se abalou.

Mesmo de costas para a sala, eu sabia que a Besta-fera estava rindo de mim. E a água ali, quase fervendo. Ódio. Tentei de novo, desta vez usando mais força ainda.

E, finalmente, fui bem-sucedido.

Aliás, fui extremamente bem-sucedido. Mais até do que eu imaginava – ou queria. A merda do saco rasgou e voou arroz pela cozinha inteira. Se alguém estivesse olhando de longe, imaginaria que minha cozinha estaria sendo usada como palco para algum casamento. Pia, fogão, chão, Rob Gordon... Tudo coberto por arroz. A Besta-fera, obviamente, gargalhava na sala.

Orgulhosamente, ignorei a reação do animal e joguei o que tinha sobrado de arroz dentro do saco na panela. Já estava puto mesmo, não ia ficar medindo canequinha de arroz. Abri a geladeira, peguei um strogonoff congelado e coloquei no microondas. Separei o saco de batata palha e fui para a sala, esperar o arroz cozinhar e me preparar psicologicamente para o lauto banquete.

Desliguei o Megadeth e liguei a TV, esperando o arroz cozinhar. Tudo cronometrado, segundo a segundo, de acordo com o manual de instruções. Quando deu o tempo (aliás, por que a comida sempre fica pronta no momento em que que você se interessou por algo na TV?) fui até a cozinha e desliguei a panela. Caminhei com cuidado sobre os grãos de arroz do chão e peguei uma colher.

Abri a panela e olhei, orgulhoso, o marco zero do meu império.

Na verdade, estava mais para tijolo inicial que para marco zero. Não sei o que era aquilo, mas definitivamente não era arroz. Parecia mais uma massa disforme, mas com a consistência de titânio. “Bem, o que importa é o sabor”, pensei. Peguei uma colher e tentei mexer o arroz, mas a única coisa que consegui foi entortar a colher. Com uma faca, tentei quebrar o tijolão, mas não consegui. Pensei em ligar para o zelador e pedir uma enxada emprestada, mas desisti quando pensei que, obviamente, eu teria que explicar as razões de eu precisar de uma enxada dentro de um apartamento, no meio da madrugada.

Sem desistir da minha missão, peguei o tijolo habilmente com a colher e a faca e o depositei no prato – com calma, claro, para não quebrar o prato. Levei o prato até a mesa e fiquei cuidadosamente observando aquela espécie de ovo alien, procurando por alguma espécie de abertura ali.

Examinei, olhei, girei o prato... Nada. Bem, já que você assumiu a forma de ovo, será tratado como tal. Peguei o martelo de carne, me posicionei a uma distância segura do... da... é... daquilo (pois não fazia a menor idéia do que poderia estar lá dentro) e dei um golpe seco e certeiro.

Um pedaço lateral trincou e finalmente o segredo daquele artefato foi revelado. Uma gosma viscosa feita de arroz branco e água começou a escorrer. Cheguei a conclusão que não era um ovo alien, mas uma espécie bizarra de ovo de Páscoa ou até mesmo um ovo kinder, com uma surpresa de merda escondida lá dentro.

Ô fase. Aos poucos, o "recheio" começou a cair no prato, emporcalhando tudo. No meio da gosma, eu consegui enxergar um ou outro grão de arroz, que havia sobrevivido a intempérie.



No espaço, ninguém pode ouvir você gritar.
Ainda bem, porque, por causa daquele
arroz estranho, o grito seria de nojo mesmo.

Peguei o prato com nojo, fui até a cozinha e joguei no lixo. Provavelmente, o sujeito do apartamento de baixo acordou com o barulho, pois o troço caiu com a delicadeza de uma bigorna.

A Besta-fera gargalhava.

Tudo o que me sobrava agora era strogonoff, sem arroz. Peguei a bandeja do strogonoff, cobri de batata palha e fui comer na frente da TV. Na primeira garfada, suspirei e refleti sobre os últimos acontecimentos. Sinto muito, Aragorn, mas não conte comigo. Hoje a coragem dos homens falhou e e eu não tenho nem um hobbit para vir me ajudar a limpar o estrago agora. Sinto muito, Pedra Élfica, você está sozinho. Me inclua fora dessa.
Porque você pode ficar aí, todo pimpão, enfrentando milhares de orcs, mas, eu, no melhor estilo Leônidas, naquela noite, jantei no inferno.

E ainda tive que varrer a merda da cozinha depois, catando grãos de arroz debaixo do armário.
Ô fase.

31 comentários:

Tatiana Babadobulos disse...

hahaha... o mais engraçado dos seus posts, é que eu fico realmente imaginando você falando, gritando com a besta-fera. como se fosse real. e a contar pelo jeito como você escreve, acredito que o fato seja real! mais uma vez parabéns pelo texto! uma saga melhor que a outra!

Juliana Farias disse...

Texto engraçadinho...

:DDD

Legal seu blog!
Parabéns!

Flá Romani... disse...

Cara que doido uahauhauahuahuahau

\O/

huahuahuahauhauhauhauah

Abel disse...

Cara, a cada dia que passa seu blog se torna mais fenomenal ...
XD

MaxReinert disse...

huahauhauha... ja ouviu falar naqueles arroz de saquinho???

Fácil, fácil!!!!!

[]'s

Anônimo disse...

Puts.... vai ser afetado assim em outrolugar!!!
Mesmo com as instruções de preparo vc conseguiu fazer um "tijolo" de recheio gosmento??
Onde está sua capacidade?
Tente novamente,quem sabe vc será bem sucedido?

Wagner disse...

meu, só vc mesmo! ahuahauahahua

Anônimo disse...

Venho sempre aqui... e acompanhei os últimos textos, são realmente muito bons!!!! O humor é na medida exata! Muito bom mesmo!!!!

Anônimo disse...

Dica: Use a faca na falta de tesoura. ;)

Diego Moretto disse...

Bah cara!!! Ficou foda o texto... assim como o segundo. Bom, PARABENS por um anod e blog....tomara que o meu "1 ano" chegue logo. abs!!!

Eduardo Vilar disse...

"começou a tocar justamente Simphony of Destruction. Tive um mau presságio com isso"
hahahah

tinha esperança que você vencesse a batalha... seguiria os seus passos pra preparar meu próprio arroz um dia

Climão Tahiti disse...

Q droga que o arroz não deu certo. =/

Se bem que do jeito que fez parecia mais uma mistura entre fazer arroz de saquinho com fazer arroz tipo 1.

E deve ter comprado arroz japonês, pra grudar desse jeito. =p

pam disse...

HUAHAUHUAHUAHUAHHAUHAUHA


Muito bom o seu texto.
Ja ta nos meus Favoritos..
ainda vou ler todos os seus posts...
huhuh

Adorei...

Parabéns..

*rindo até agora*

abraçoss.
xD~

Anderson disse...

aushaushasuahsk, está no meus favoritos. Muita comédia!

M. disse...

Estou com medo do conteúdo de dentro do ovo o___ô

Adorei teu blog! Li toda a saga do Lord of the Rice hoje e já coloquei nos meus favoritos! Parabéns! :D

R. B. Dillinger disse...

Hhahuahua a conclusão da saga foi a melhor!
Como um bom Espartano vc lutou até onde conseguiu... hahuahuahuauha
Excelente texto!

abraço!

Isadora disse...

que tipo de pessoa é você, que tem um martelo de carne mas não tem um lápis ou uma xícara em casa ?

como vc é estranho, Rob !

pam disse...

Pedindo licença pra te linkar..

Abraçoss.

:D

- Cah disse...

mt legals
:DD

*-*

Thais G. disse...

muito louco!!!!

Parabéns pela história!

ex-amnésico disse...

Então, aconteceu o impensável: Barad-dúr (na língua dos homens, a cozinha) prevaleceu!

A vitória das trevas culinárias...

=]

Parabéns pela saga! E não se desespere: o mundo ainda clama por um líder! (de um aliado na luta pelo arroz congelado)

Lari Bohnenberger disse...

É, Rob, você me ganhou...
Meu primeiro arroz foi só a gosma interna do teu ovo de titânio...
Mas não desista! Você só foi derrotado em uma batalha! Ainda não perdeu a guerra.

vera maya disse...

Muuuuito booooommm

Fico com os maxilares doendo de tanto rir e a vizinhança muito curiosa em saber do que tanto rio sózinha (gargalhadas inevitáveis!)
Parabéns, voce está se superando
Bjo

Carol disse...

Já experimentou usar arroz Uncle Ben???

é tipo chá de saquinho, é só pôr na água, já vem temprado! (Y)

Silvinha disse...

Acredite, até arroz de saquinho pode dar errado... Eu vi duas caixas da Uncle Bens no mercado, uma dizia que o arroz ficava pronto em 20 (a que eu normalmente compro e dà certo) e a outra em 10 minutos. Ok, vamos no mais ràpido.
Depois de 10 minutos tiro do fogo, afinal, se ficar além, até Uncle bens empapa. E estava cru. O que eu ìa fazer com aquele troço? Joguei na panela com àgua e esperei secar. Ficou como o seu. E sem gosto algum.
Aff...

Braghi disse...

cara, tu é um gênio!


esse blog é do caralho!

parabéns!

Perci Carvalho disse...

Vc decepcionou o Aragorn... to passada...

mas td bem... da primeira vez q eu fiz arroz a cozinha ficou cheirando a queimado por uma semana...

Anônimo disse...

Isso me lembra e meu primeiro e único risoto. =/ Ate hoje olho pro buraco na parede e penso que que deveria ter guardado a gororoba pro caso de estourar uma guerra no Brasil.

Anônimo disse...

Aproximadamente 30 min. depois...
não, eu não consegui evitar depois de ler isso,
vc não está sozinho no universo, outro dia eu fui fazer uma vitamina, mas aquele negocio tava sólido e borbulhando, parecia que a qualquer momento ia olhar pra mim e falar: -Mamãe!
(risos silenciosos)
bjmeliga. hahaha

Pulo no Escuro disse...

Só não ri mais dessa história porque eu, na minha linda vida de moradora da casa dos pais e cagona oficial, tenho medo de fazer ovo frito... porque o ovo frito de ninguém espirra, com excessão do meu.

µαri µαtos disse...

Ainda acho q é sacanagem da tua mãe n fazer uma porrada de arroz branco pra tu e congelar. Alias.. só guardar na geladeira serve.

Ps: Sim, estou lendo todos os posts desde o início! Tou de férias, querendo rir e Marina(http://do-fundo-do-mar.blogspot.com/) me mostrou seu blog a um tempo!
Na minha casa já estão atestando insanidade ao gargalhar na frente do PC! ^^