(a parte II você lê aqui)
Em casa, vi que estava ficando completamente sem opções. A cada minuto, as carolinas ficavam mais distantes, tudo porque os malditos confeiteiros continuavam implicando comigo. Malditos. Tentei seguir o conselho de algumas pessoas que comentaram aqui no blog, nos posts anteriores e fui à outra padaria, mas quando descobri que eles não trabalhavam com Coca, só com “Péps” virei as costas e fui embora. Por motivos religiosos, me recuso a consumir qualquer coisa num lugar assim.
Além disso, a coisa já tinha virado questão de honra. Eu não queria mais carolinas, eu queria AQUELAS carolinas. De um jeito ou de outro, eu teria que derrotar esses confeiteiros. Não me importa se eles pertencem a alguma seita obscura que cultua as carolinas, se contrabandeiam jóias dentro dos doces, ou se simplesmente não gostam de mim. Eu iria colocar as mãos naquelas carolinas de qualquer jeito. Pensei em cavar um túnel do meu apartamento até a padaria, mas abandonei logo a idéia. Eu moro no oitavo andar e uma operação dessas iria me destruir totalmente a minha popularidade no prédio.
Não. A estratégia teria que ser mais sutil. Eu precisava descobrir o ponto fraco deles. Jogo, mulheres, bebidas, qualquer coisa que me mostrasse que eles não eram invencíveis.
Passei três dias, escondido atrás da banca de jornal, observando o dia-a-dia dos desgraçados e anotando tudo. Cada vez que um deles ia para a copa almoçar, eu ia para o balcão e tomava uma Coca, anotando discretamente o que eles comiam. A única coisa que descobri é que um deles não gosta de tomate e isso não iria me ajudar em nada.
Aos poucos, comecei a perceber que um deles (o magrelo que usa um bigodinho que o deixa parecido com uma ariranha) se atrapalhava quando ficava sozinho no balcão. Errava o número de pãezinhos, esquecia de marcar itens na comanda. Tudo ficou óbvio para mim! Ele era meu ponto fraco! Enquanto os outros confeiteiros deveriam ser oficiais, ele era apenas um soldado raso.
Voltei para casa e planejei minha estratégia com cuidado. Iria apostar todas as minhas fichas na falta de intimidade dele com o raciocínio lógico (eufemismo mode: on). Eu não apenas sairia da padaria com as carolinas, como faria com que ele desse graças a Deus por se ver livre de mim.
No dia seguinte, voltei à padaria no horário em que os comparsas dele almoçavam. Dito e feito. Ele estava sozinho no balcão, brigando com uma mulher, porque tinha cobrado 5 reais cada pãozinho. Perfeito. Entrei na fila e esperei minha vez. Aos poucos, a fila foi andando.
Chegou a minha vez. Olhei para ele e disse:
– Oi, tudo bom? Eu não quero meio kilo de carolinas.
– Hã?
– Eu não quero meio kilo de carolinas.
– Como assim?
– Ué, acho que fui claro. Eu não quero meio kilo de carolinas, por favor.
– Espera... você quer ou não?
– Não. Você é surdo?
– Então por que pediu?
– Aí que está. Eu não pedi. Por que eu pediria, se eu não quero? Mas não demora, por favor.
– Olha, rapaz...
– Tem leite? Eu também não vou querer um litro de leite B, também. Pode esquecer.
Ele ficou me olhando com cara de interrogação. Algumas pessoas realmente conseguem assumir expressões de pontuação em momentos críticos. Está dando certo, pensei. Tive vontade de gargalhar, mas me contive. Um sorriso agora iria estragar tudo. Aproveitei que os neurônios dele estavam começando a trincar e continuei:
– Olhe, eu não quero leite B, hein? Não adianta tentar me empurrar uma caixinha longa vida. Faço questão do leite B, é esse que eu não quero. E a carolinas também não. Aliás, eu não vou querer também 8 pãezinhos. Está amanhecido?
– É... Não. São frescos.
– Ah, que pena. Então esqueça, eu vou querer. Pode deixar. Não tem amanhecido mesmo?
– Não.
– Ah, tem?
– Não, eu disse que não.
– Então eu quero. Nem se dê ao trabalho de pegar. Vou não querer apenas o leite e as carolinas. Quanto não está o kilo de carolina?
Antes que ele respondesse, alguém tocou no meu ombro. Olhei para trás e dei de costas com ela. A velha. Maldita velha, que sempre frustra meus planos. Nesse momento, tive certeza que ela fazia parte do exército de confeiteiros. Provavelmente era uma mercenária, contratada para resolver casos assim. Ela me olhou friamente, com sua sacola de tricô numa mão, e um guarda-chuvas na outra. A ponta de uma das agulhas de tricô furando a sacola me fez tomar cuidado. Mas eu não iria desistir. Ela disse:
– Você vai demorar muito para fazer seu pedido? Tem gente na fila.
Hum... se estava dando certo com o confeiteiro, daria certo com ela.
– Eu não estou pedindo. Aliás, estou pedindo. Estou pedindo o que eu não quero. Pode demorar, porque não sei se tem o que eu não quero. Enfim, não tem problema, porque eu não vou levar mesmo. Mas olhe, deve demorar. Vamos temos que esperar o pão deixar de ser fresco, para eu não levar. Desculpe, mas a culpa não é minha, entendeu?
– Olha, mocinho...
– E se eu não quero leite B nem carolinas, não tenho o que fazer na padaria. Se não tenho o que fazer na padaria, eu não estou aqui, concorda? Ou seja, a senhora pode pedir, é a sua vez. Eu não estou aqui. A bola está na sua mão. Mas aconselho a senhora tomar cuidado com o que pedir.
– Como assim?
Arregalei os olhos e coloquei o sorriso mais demente que consegui no meu rosto.
– Às vezes, temos que tomar cuidado com o que não queremos. Podemos acabar não conseguindo. A senhora sabe disso, claro. Leite B mole em carolina dura tanto bate até que fura. Mas isso não vem ao caso. O risco é seu.
Ela deu um passo para trás, assustada. Vitória! Chupa, velha! Fiquei encarando ela com os olhos estalados, sem piscar, e com um sorriso totalmente débil no rosto. Ela ficou me olhando, o medo estampado em seus olhos. Todos seus instintos de sobrevivência diziam que ela estava na frente de um louco. E, tecnicamente, ela estava mesmo. Meu olhar deixou claro para ela que a conversa estava encerrada. Voltei minha atenção ao confeiteiro.
– Onde estão minhas carolinas?
– Mas você disse que não iria querer...
– Justamente! Você acha que eu não estou esperando o quê?
– E o leite?
– Não, também não quero. Rápido, não estou com pressa!
Ele olhou de lado, confuso. A velha deu um passo para a frente e ameaçou falar com ele, mas eu comecei a cantarolar (alto) Paranoid, do Black Sabbath. Ela provavelmente entendia inglês, pois bastou eu cantar a frase “finished with my woman ‘cause she couldn’t help me with my mind” para ela mudar de idéia e recuar. O confeiteiro ainda parecia confuso. Eu precisava resolver isso antes que os comparsas dele voltassem.
– Ei, eu tenho o dia todo! Ou não! Demore! Ou não!
– Olhe...
– Eu vou ser obrigado a não chamar o gerente! Você não está me dando o que eu não quero! A fila está diminuindo e você aí, se mexendo! Rápido. Eu já disse o que não quero! Meio kilo de carolinas e um litro de leite B.
Minha vontade era dizer “dá logo a porra da carolina que até eu já estou me confundindo aqui”. Ainda com ar de dúvida no rosto, ele abaixou atrás do balcão e começou a colocar algo num saco de papel. CAROLINAS! Minha vontade era sair correndo pela padaria, fazendo aviãozinho ao redor da geladeira de sorvete, mas me contive. Isso iria estragar tudo. Ele colocou o saco na balança. 550 gramas.
– Meio kilo, né?
– Não, eu disse, pegando o saquinho da mão dele.
Finalmente! Carolinas! Minhas carolinas! Com ar de naturalidade, continuei:
– Quanto não é? Onde eu não pago?
Ele escreveu algo num papel e me deu. Virei as costas e saí na direção do caixa. No meio do caminho, ele gritou:
– Ei!
Não. Não agora. Não assim, já tão perto da saída. Virei-me lentamente para ele, novamente arregalando os olhos. Ele estava segurando um saquinho de leite.
– Você vai querer o leite?
Respirei aliviado. Fui andando rapidamente até o balcão, olhei para ele e disse:
– Sim. Vou.
Virei as costas, deixando-o com um litro de leite na mão e um nó no cérebro. Cheguei ao caixa e joguei o papel e o dinheiro no balcão:
– Cobra para mim, rápido, antes que eles percebam o que aconteceu. E me dá um maço de Marlboro.
Ele abriu a gaveta e ficou olhando para as moedas. Levantou a cabeça e disse:
– Estou sem troco nenhum. Posso te dar três dadinhos?
– Dadinho é o caralho!, gritei, porque percebi que o post estava chegando ao final e eu ainda não tinha citado nenhum filme.
Rapidamente, coloquei os dadinhos no bolso e saí apressado da padaria. Antes mesmo de chegar ao meu prédio, já tinha comido metade do saco de carolinas (tazmania: mode on). No meu apartamento, sentei na varanda e saboreei o resto das carolinas, olhando a paisagem (e segurando com um dos pés a Besta-fera, que insistia que uma das carolinas eram dele por direito).
Claro que nunca mais voltei naquela padaria. Provavelmente eu não seria bem-recebido ali. Mas também não vou naquela outra que só tem "Péps". Qualquer lugar que não vende Coca não merece meu respeito. Não, vou numa outra, que abriu do outro lado do bairro.
E ainda não pedi carolinas nessa padaria nova, mas sei que um dia eu vou ser vítima de uma crise de abstinência e terei que correr esse risco. Será inevitável.
E ai deles se a carolina tiver acabado.
26 comentários:
mto legal seu blog!!
de uma passadinha no meu depois/!!!
bjuxxx
hahahahahahha
E finalmente a saga chega ao fim.
E você saiu vitorioso!
Mas é isso ai, sempre corra atrás dos seus sonhos... digo, carolinas!
hehehehe
abraço!
AEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEE
Finalmente! Uhuuuuuuuuuuuu!
A torcida vibra em extâse!!!
Essas foram as carolinas mais complicadas de se conseguir que eu já vi!
Happy Valentines Day!
Passei para deixar um alô!
Dadinho é o caralho!, ótimo!
Li a parte II do seu post e fiquei com vontade de comer carolinas. Como hoje, voltando do trabalho.
Até torci para você não ter conseguido as suas e eu poder me vangloriar aqui nos comentários. Mas de qualquer forma, fico feliz pela sua vitória.
E a sua conversa com o padeiro parece uma fala que tem no filme Shrek III, dita pelo Pinóquio. O filme é uma porcaria, mas essa parte é muito boa.
Bjos
cara
como eu ri
como eu ri!
aehaehaeh
muito bem mesmo
Estava esperando terminar a saga das carolinas, digna de uma ópera!
Parabens cara, bela história!!!
O jogo psicológico no final com o atendente lerdo ficou muito bom!
Ri muito.
Rapaaaaaz!!!
Você é um exemplo a ser seguido!!!
Minha inspiração...
Quando me deparar com algo dificil, antes de desistir pensarei "Mas o que Rob faria nessa situação!!!!"
Ótimo texto, e velhas são VELHAS!!
Abraços
Pelo menos comeste tuas carolinas.
Devia ter anotado a receita... Deve ser engraçado ver você descrevendo como tentou fazer ou como obrigou sua mãe a aprender. =p
Abraços.
Conseguiu aplacar o desejo... Mas como todo sentimento insaciável, ele voltará.... Lembre-se daquela idéia do caminhão. Tô nessa!
um abraço.
pelo menos uma das tantas trilogias do ano se deu bem! parabéns! muito bom o post! beijos
"Dadinho é o caralho" foi a melhoooor!
A propósito, eu tinha lido seu blog há muito tempo, e não lembrava do endereço de jeito nenhum. Aí lembrei do post sobre o "bam bam pelado". Dito e feito. Botei no Google "bam bam pelado", e voilá! Seu blog era o primeiro da lista!
hehehe!
"..mas eu comecei a cantarolar (alto) Paranoid, do Black Sabbath. Ela provavelmente entendia inglês, pois bastou eu cantar a frase “finished with my woman ‘cause she couldn’t help me with my mind” para ela mudar de idéia e recuar..."
HAUHAUHAUAHUAHUAHAUHAUHA
mto boom!!! ri demais! xD
só espero q não tenha sido vc q entrou na padaria com vontade de carolinas, logo depois q eu comprei todas q tinha...
5 REAIS DE CAROLINAS! =D
adoro! *_*
hehehehehe
bjus
Olá,
Gostei muito de seu blog,
bastante criativo!
Parabéns.
Prometo que vou ler a saga completa da Carolina.
Abraços.
Tecnicamente você é louco mesmo. mas um louco criativo ( puxasaquismo mode: on).Adorei a história. Continue nos brindando com elas.
ps: cuidado com a diabetes hein ?!
Ahahahaa!
Finalmente o desfecho! Mas sabe, por aqui as carolinas não são tão populares, tanto é que eu nunca comi!
Fiquei tão curiosa que amanhã mesmo irei em uma confeitaria aqui perto de casa para comprar!
Ah, e pertenço a mesma religião que você, aquela que não me permite consumir nada em um local que não tenha coca!
hauhauhauhauhauhauhauhaua aí Chupa essa Mangaaaaaaaaaaaa hahahahhaha
Dadinho o caralho foi ótimaaaaaa.
Bjos....
Não li a historia com calma, mas vou fazer isso depois com mais tempo, gosto de relaxar e entrar na história... mas pelos comentários acima parece ser boa. Eu li a do cinema, e já passei raiva no cinema, mas comigo são sempre os joelhos dos outros cutucando minha poltrona... abraços.
ô, ô, ô que maldade to sem tempo de ler seu post. Mas Amo o Rob Gordon, ele é tipo é o meu ego masculino. Aliás, TODOS os livros do Nick Hornby são perfeitos.
Ele mora na minha cabeça.
"guts have shit for brains" :)
Beijos!
Não conseguir as carolinas é pros fracos, né?
Parabéns, cara, pela determinação.
e realmente: lugar que não vende coca, não merecec respeito!
Hasta!
Ah, o doce gosto das carolinas, digo, da vitória...
Eu já estava perdendo as esperanças... deu até vontade agora. Bom é que sou mulher, acho difícil me negarem carolinas.
Coincidentemente, hoje eu fui à padaria que tem aqui perto de casa e dei de cara com uma bandeja de carolinas. Começei a salivar e desejar aquela bandeja, até porque naquela merda de padaria só tem carolinas uma vez por ano bissexto, e como eu tenho preguiça de andar um quilometro a mais pra ir à outra padaria, espero 4 anos mesmo, sem problmemas. O unico problema é que estavem muchas, e eram de ontem. [:'(]. Tudo bem, não disperdiço uma iguaria dessas. Só queria compartilhar esse vício em comum, apesar de agora você ser viciado em vinagre e eu em Ricochet. :P
Um abraço e parabens pelo blog!
Aeee, legal!!!
Agora sempre que eu for em alguma padaria e ver carolinas vou lembrar deste texto!
Huhauahua muito bom hein, parabéns!!!
Experimente sentar a 1 metro e meio do seu chefe, de frente pra ele e ler essa saga inteira (pois estamos sem sistema hoje) sem manifestar qualquer vontade de gargalhar até doer a barriga.
Já estou mandando curriculos.
abraço!
Hahahaha Uma estratégia, muito mais que militar para conseguir carolinas kkkkkkkkkkk Genial e impressionante como dar uma de louco sempre funciona, isso é um fato!!! Ótimo texto, os três, que tive a sorte de ler em uma tacada só =) Parabéns pelo trabalho!!!
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