31 de maio de 2007

O Tigre e a RONC! Neve

O problema de você morar em Pinheiros é que os costumes locais ordenam que você faça pelo menos um programa cult por mês, ou você corre o risco de ser sacrificado em algum ritual indie praticado pelos locais. Sim, porque se a associação de moradores do bairro descobrir que eu passei os últimos dias assistindo aos DVDs da segunda temporada de Desperate Housewives ou jogando a expansão de Age Of Empires III, é bem provável que eu seja perseguido nas ruas por uma multidão de intelectualóides usando óculos de aro grosso e camisetas do Che Guevara, que irão me encurralar em algum beco e me espancar com os catálogos da última Mostra de São Paulo, até eu concordar em ou freqüentar dois saraus de poesia concreta por mês, ou me mudar do bairro.

O que tem me salvado é a Sala UOL de cinema. Neste fim-de-semana, decidi ir ver o que estava passando lá e dei sorte. Eu esperava dar de cara com um daqueles filmes feitos num país sem água potável, mas dei de cara com o poster do filme novo do Roberto Benigni, O Tigre e a Neve, e na mesma hora soube qual seria o meu programa da noite (apaixonado por cinema italiano mode: on). Afinal, o cara que fez A Vida é Bela merece meu respeito, independente do que as pessoas que passaram a odiar o filme depois que ele tirou o Oscar de Central do Brasil digam.

Cheguei vinte minutos antes da sessão e já comecei a comemorar: somente umas 30 pessoas esperavam no saguão pela abertura da sala. E, melhor ainda, nenhum grupo de adolescentes – sim, porque adolescentes nunca vão sozinhos ao cinema, mas sempre em matilhas. Além disso, nem sinal daquelas pessoas típicas dos cinemas de shopping que ficam perguntando para a mulher da bilheteria se “o filme tal é bom”, se “aquele outro é longo demais”, ou se “aquele ali é muito triste”. Nada disso. Somente casais de meia-idade, bebendo seus cafés e esperando a sala abrir. Todos, claros, exibindo seus cachecóis, porque cult que é cult vai ao cinema de cachecol até quando está fazendo 40 graus.

Quando as portas se abriram, fui direto para o meu lugar preferido: aquele corredor que divide a sala, que faz com que a probabilidade de alguém sentar na sua frente seja literalmente zero (se você tivesse 1.60m, daria tanto valor a isso quanto eu). O problema é que quase todo mundo teve a mesma idéia que eu, o que fez com que, em três minutos, aquela fileira estivesse praticamente lotada. Ao meu lado, sentou-se uma mulher de uns 40 anos e seu marido / namorado / amaziado / rolo / amante / "estamos apenas nos conhecendo" / whatever.

Foi quando tudo começou.

Se você já foi ao cinema, você já travou, ao menos uma vez na vida, a guerra dos cotovelos. Você está sentado, com o cotovelo apoiado no braço da poltrona, e a pessoa sentada ao seu lado começa a apoiar o cotovelo junto com o seu. Primeiro, você acha que é acidente, mas, quando você menos percebe, ela está empurrando o seu para fora da poltrona e acomodando o dela ali.

Sorry, comigo isso não funciona. Ela encostou o cotovelo no meu, mas permaneci firme. Ela tentou empurrar de leve, e eu coloquei todo o peso do corpo no cotovelo. Uma guerra fria instalou-se no local. A tensão no ar era palpável. Ela insistiu novamente e eu, com cara de paisagem, não movi um centímetro. Comecei a perceber que antes do filme começar eu e ela já estaríamos rolando de pau dentro do cinema.

Tive que apelar para minha arma secreta. Quando ela tentou empurrar novamente, dei uma fungada que fez todas as pessoas num raio de cinco metros olharem na nossa direção. Só que na mesma hora eu olhei para ela com um misto de espanto e nojo, o que fez todo mundo ficar na dúvida sobre o verdadeiro autor da fungada. Será que foi o baixinho mal barbeado ou a mulher de jaqueta?

Ela entendeu o recado. Não foi uma fungada, foi uma declaração de guerra. "Tente de novo que eu fungo de novo. E olhe que você ainda não me viu tossindo", disse para ela com o olhar. Deu certo e ela tirou o braço. Arregou, né? Chupa, pentelha! Mas os problemas estavam apenas começando. Sem conseguir apoiar o cotovelo, ela decidiu conversar com o namorado. E foi a conversa mais estranha que eu vi na vida, já que ele pronunciava uma frase em português e a outra em inglês, alternadamente.

– Estava gostoso aquele café que tomamos a tarde, não?

Yes, very much. What a delicious coffe!

– Mas eu gostei bastante do enrolado de canela que comemos.

– Sim, eu também. E olhe que eu não gosto muito de canela.

– Ah, mas eu já vi você comendo canela outras vezes.

Well, I kind of like it, but I’m not really a fan.

– Mentiroso!

– Mentiroso nada! Você que não presta atenção!

– Hihihi! RONC! hihihi! RONC!

Não. Não. Por favor, não. Ela é uma daquelas pessoas que ronca quando dá risada. Não, pior. Ela é uma daquelas pessoas que ronca quando dá risada e vai assistir a um filme do Roberto Benigni. Não, não. Pior ainda. Ela é uma daquelas pessoas que ronca quando dá risada e vai assistir a um filme do Roberto Benigni, sentada ao meu lado.

Ô fase.

Comecei a perceber que meu programa cult estava lentamente se esfacelando. Fechei os olhos e comecei a meditar: em poucos segundos, eu tinha me transportado para fora do meu corpo e e estava tranqüilo, num nirvana espiritual, assistindo a Piratas do Caribe num Cinemark qualquer, repleto de adolescentes gritando e jogando pipoca nos outros. Mas meus momentos zen-espirituais eram sempre cortados por aquele maldito som que vinha do meu lado, conforme a conversa entre a pentelha e o Yazigi se desenvolvia.

– Hihihi! RONC!!

– Hihihi! RONC!!

– Hihihi! RONC!!

– Hihihi! RONC!!

– Hihihi! RONC!!

E o filme ainda nem tinha começado.

Comecei a avaliar minhas opções. Claro que eu poderia mudar de lugar, mas isso entregaria o braço da poltrona para ela, e eu realmente não estava disposto a isso. Eu também poderia golpeá-la na cabeça com um dos extintores de incêndio, mas isso também cederia o apoio de cotovelo para ela, já que eu seria preso.

As luzes se apagaram e os trailers começaram a aparecer na tela. Os dois conversando e ela roncando do meu lado. Foi quando eu percebi que estava ficando sem saída, encurralado. Eis que o namorado-Yazigi puxa um assunto que me chamou a atenção:

– Esse cinema aqui parece o cinema do Cinema Paradiso.

– Quê?

– Yes, the theater of that movie we've watched, Cinema Paradiso, remember?

– Ah, sim. Mas só porque aqui está caindo aos pedaços, que nem o desse filme aí.

"Caindo aos pedaços? Desse filme aí?" Na boa, ninguém fala de Cinema Paradiso desse jeito do meu lado e sai impune. Fui tomado por uma fúria cega. Meu corpo começou a formigar. Já comecei a levantar as mãos, pronto para entrangulá-la ali mesmo, mas a divina providência evitou o pior. Ela virou-se para o Yazigi e disse:

– Vamos mudar de lugar?

– Are you sure? The movie is about to start!

– Ah, vamos mais para perto da tela.

– OK, mas vamos rápido, para não incomodar os outros.

Levantaram-se e foram se sentar lá na frente, sozinhos, onde ela podia roncar a vontade. Coloquei meu braço inteiro no braço da poltrona, cocei o nariz - sem fungar - e assisti ao filme, que, por sinal, nem é grande coisa. Tem seus momentos engraçados, mas acaba tentando emular A Vida é Bela (até mesmo com a trilha do Nicola Piovanni, que pode ser considerado um virtual sucessor de Ennio Morricone) mas transpondo a ação no Iraque.

Pobre Yazigi. Nem desconfia o quanto chegou perto de virar viúvo. Ou widow, como ele mesmo diria. E, para finalizar, cinco filmes italianos que devem ser assistidos por qualquer vertebrado (filmes do Sergio Leone não contam):

1. Feios, Sujos e Malvados - para mim, o melhor do Ettore Scola. Assisti mais de 10 vezes e passo mal de rir em todas.
2. Amarcord - não é tão festejado quando 8 1/2 ou A Doce Vida, mas, em toda filmografia do Fellini, esse é meu ponto fraco.
3. Cinema Paradiso - Ao contrário do que essa idiota diz, o filme é mais que um "cinema caindo aos pedaços".
4 - Quinteto Irreverente - Seqüência superior de Meus Caros Amigos. Assista os dois juntos e aprenda como sacanear as pessoas na rua.
5 - O Incrível Exército de Brancaleone - O primeiro filme italiano que eu vi. E o primeiro filme italiano que a gente vê, a gente nunca esquece.

16 comentários:

filipe soares disse...

eles deram sorte se fosse comigo o blasfema contra o paradiso não sairia impune...eu estrang...esquece.
como diria o post do dna na geral.
"curso prático de inglês"
uara foc
bye. o blog é demais.

www.omundoemaluco.blogspot.com

Anônimo disse...

huahauahuahauhauhauha
ja aconteceu o caso do cotovelo comigo rsrs

pelo blog :D
parabéns!

pois eh a pirataria está aí para acabar com o trabalho de pessoas honestas, as vezes nem tanto, mais trabalhou pelo msm!


bjus

Anônimo disse...

E não é que eu já assisti 2 dessa lista? Feios, Sujos e Malvados e Cinema Paradiso. Realmente, muito bons e o primeiro, com certeza o melhor.

E cinema eu perdi o costume de ir quando estava no exército. Como acordava cedo e as sessões em que eu podia ir eram as de final de noite, eu quase sempre dormia, não importava muito o tipo de filme. Pelo menos não tenho essas lutas (mas que ainda acontecem em viagens de ônibus).

Agora só assisto filmes que baixo na internet (a.k.a. hollywood trash) ou filmes que alugo, geralmente europeus.

Vou ver se encontro os outros para alugar na locadora. Abraço.

young vapire luke lestat disse...

Olá meu amigo é sempre uma delícia ler seus textos.
Quem nunca passou por uma situação semelhante a esta?
Mas, esta é a primeira vez que vejo uma descrição tão hilária do ocorrido.
Quanto a sua lista cult do cinema italiano faltou apenas um filme.
"Germania anno zero" - Roberto Rossellini, produção italo-germanica de 1948, na minha opinião maravilhosa.

abs: L.Sakssida

Isadora disse...

vc e suas fungadas...

e tomara que um dia você congele, pra parar de falar mal dos cachecóis.

Wagner disse...

estou vendo que você também é um daqueles que sempre acontece algo quando resolvi ir ao cinema..

abraços
=)

R. B. Dillinger disse...

A batalha de cotovelos, é uma das piores batalhas que se pode enfrentar dentro de uma sala de cinema. Só se compara com o "bate-papo" da cadeira de trás.

Hahahahahaha

Seu blog é EXCELENTE!
adoro!

abraço!

Anônimo disse...

Tõ doido pra ver o filme novo do Benigni e na boa, "A vida é bela" mereceu muito mais o oscar do que o filme Central do Brasil, embora eu tambem tenha gostado, mas poxa, até a história em si do filme italiano é melhor elaborada, bon giorno principesa!

Tenho 1,68m... entendo-te muito bem com as poltronas escolhidas. O.O

Hum, detesto pessoas que conversam no cinema, mas eu não dou fungadas não, sou cara de pau e dou o recado falando no mesmo tom. COmigo, o buraco é mais embaixo. Ops. Nada de buracos.

E ah, sou fã de cinema paradiso, poxa!

Bom, vou terminando ´por aqui, tenho um blog que so fala de cinema e no momento, muito impressionado com pessoas que conseguiram assistr o albergue (mudando um pouco a prosa...)

É isso.
Inté mais ler!

Jeffmanji disse...

Cinema Paradiso é o Filme!

Bom post (além de longo). entrevista com a Panicat no blog do arroto, viu?

Valeu, cara!

Anônimo disse...

ufa, até que enfim você conseguiu se redimir antes do final do mês (sorry, mas o aviso da atualização chegou atrasado) com um post excelente. hehehe
eu com certeza sou uma das mal-humoradas no cinema, quando o assunto é comportamento. tem gente que sai de casa e acha que o cinema é uma extensão da sua sala de visita e fica roubando o braço da poltrona do outro, narrando o filme inteiro, comendo pipoca barulhenta em filme silencioso... ai ai ai
Pode não ser o melhor filme italiano da vida, mas quem quer ver na tela grande, "Vermelho como o Céu" (atualmente em cartaz nos melhores cinema da cidade -- plim-plim) é poesia pura!

Igor Lins disse...

Post longo... mas ótimo...

xD

E o caso da 'guerra du cotovelo' ja aconteceu diversas vezes cmg...

Unknown disse...

cinema é a melhor opção de diversão em minha opinião...Aqui na minha cidade é um dos poucos programas que me atraem... olha um diac de filme super bacana é : Adeus, Lenin! É uma comédia culta, não é aquela futilidade adolescente, é comédia de adulto...

Eduardo Vilar disse...

nossa, mas nunca assisti nenhum desses filmes da lista, nem nunca ouvi falar... só sei que tem uma locadora aqui que se chama Paradiso. e dizem que é muito boa.

bem que podiam fazer umas cadeiras com dois apoios pra cada cadeira, se bem que ainda não perdi nenhuma dessas brigas de cotovelos (a tática da fungada ja ta anotada)

Maurício disse...

uahauahauahau, adorei esse texto, tô adicionando aos meus favoritos! Abraço!

Chantinon disse...

Hahahah! Já vi e passei por coisas muito estranhas em cinema :)

Agora olha lá... Ennio Morricone não tem substituto rapaz!
O camarada é o mestre dos mestres!

An@Lu disse...

olha rob, guerra de cotovelo é uma coisa complicada. ontem tive uma no avião. imagina, classe econômica, comida ruim e guerra de cotovelo. hummm....
fica a questão: será que vale usar o gás lacrimogêneo nessas horas? hehehehe