4 de junho de 2007

Carolina - Parte I

Uma das coisas que minha mãe comentou comigo, quando mudei para Pinheiros, é “que o comércio daqui é muito bom”. Aliás, esse é o tipo de coisa que apenas mães reparam. Antes mesmo de eu me mudar, ela já conhecia todos os supermercados e farmácias num raio de 5 km do meu apartamento, com anotações e planilhas detalhadas sobre os preços e horários de funcionamento de todos. Eu? Eu demorei uma semana para achar uma banca de jornal.

Mas ela tem razão. O comércio aqui é realmente bom. Ao lado do meu apartamento, há umas cinco farmácias, oito bancas de jornais, dois supermercados (um deles, o famoso Pão de Açúcar, já citado várias vezes aqui) e uns quatro restaurantes por kilo. Na verdade, cinco, mas como um deles serve rodízio de sopa (o que chega a ser uma heresia com a palavra “rodízio”), então não o coloquei na lista. Sem dúvida, minha mãe tem razão. O comércio daqui é muito bom.

Exceto por uma coisa. Estou sendo boicotado na padaria ao lado de casa.

E sou cliente da padaria, almoço lá praticamente todo sábado. O garçom dali, inclusive, já me conhece e sabe como eu gosto da minha picanha (“mal-passada, né, mestre?"), do meu omelete (“com bastante bacon, né, mestre?”) e da minha Coca Light (só gelada, sem geli-limão, né, mestre?”).

Não, o pessoal da copa não tem nada a ver com isso.

São os malditos funcionários da confeitaria.

Tudo porque umas duas semanas atrás, acordei com vontade de comer carolina. Fui até lá, encostei no balcão, pedi 200 gramas e o funcionário me disse que as carolinas tinham acabado. Voltei no dia seguinte, e a história se repetiu. Voltei no terceiro dia, mas desta vez na hora do almoço. O balconista não conseguiu disfarçar a surpresa por me ver ali num horário inesperado. Gaguejou dizendo que as carolinas haviam acabado e rapidamente começou a atender outro cliente, sem me deixar chance de responder algo.

Comecei a desconfiar que algo estava errado. Não existe uma padaria que não tem carolinas. Tudo bem, admito que sou azarado (aliás, meu azar é como herpes: quando você acha que sarou, sofre um surto da doença), mas realmente comecei a desconfiar de tudo aquilo.

Minhas suspeitas se concretizaram dois dias depois. Fui atendido por um funcionário que não conhecia. Provavelmente era seu primeiro dia de trabalho. Pedi 200 gramas de carolina e ele, tranquilamente, me disse:

– Claro, só um minuto.

Enquanto ele virou as costas para ir buscar os doces, soltei um “yesss!” discreto na frente do balcão. Finalmente, eu havia triunfado! Comecei a sonhar com o sabor da cobertura de chocolate e do recheio de doce de leite espalhando pela minha boca. Como é doce o sabor da vitória! Ah, aqueles que esperam pacientemente pelos momentos de triunfo são recompensados! Prometo que não vou comer nenhuma no caminho de casa. Serei adulto, comerei apenas em casa. Afinal, convenhamos, é apenas um doce. Deus do céu, o gosto do doce de leite, a consistência da cobertura de chocola...

– A carolina acabou.

Senti um calafrio. Levantei os olhos lentamente. Na minha frente, estava um dos três funcionários que sempre me atendiam. Olhei ao redor e não vi nem sinal do balconista que havia me atendido. Provavelmente fizeram alguma coisa com o rapaz. Devia estar sendo espancado no depósito, ao lado dos sacos de farinha. Olhei para a copa. O garçom que sempre me atende estava observando tudo, mas, quando meus olhos encontraram os dele, abaixou a cabeça e fingiu que estava limpando uma mesa. Eles controlam a copa também! Até onde vai o poder desses confeiteiros? Mantive a calma e perguntei:

– Como assim acabou?

– Acabou. Mas ainda tem bomba.

– Não! Eu não quero bomba! Você não vai me comprar com uma bomba! Eu quero carolina!

– A carolina acabou.

– Vocês estão escondendo alguma coisa!

– Não, estou apenas dizendo que a carolina acab...

– Eu sei o que você está dizendo. E estou dizendo que não estou acreditando.

– Olha, a carolina acabou. Não sei se sai mais hoje.

Tirei o maço de cigarro do bolso. Coloquei um na boca e acendi com meu zippo dos The Bits. Deixei ele pendurado na boca e soltei o melhor olhar Clint Eastwood que consegui. Olhei dentro dos olhos dele e disse, calmamente:

– Eu sei o que você está pensando. Você está pensando se eu vou virar as costas e ir embora, ou se eu vou insistir. Mas, saiba que eu estou prestes a pular esse balcão, jogar você no chão e esmurrar sua cabeça até você confessar onde escondeu as carolinas. Então, quando você me viu nessa fila hoje, você deveria ter feito uma perguntado, para você mesmo: "estou me sentindo sortudo hoje?"

Eu podia sentir a tensão no ar. Dei uma pausa dramática e continuei, ainda com o cigarro na boca:

– Well... Do ya, punk?

Antes que ele pudesse responder, a tensão foi quebrada por uma velhinha gorda, que estava no final da fila e gritou:

– A fila não anda mais? Minha Nossa Senhora de Lurdes, que demora!

Merda de velha, estragou tudo!

Virei as costas e fui embora. Mas, antes de chegar à porta, virei para trás e olhei o confeiteiro nos olhos. Isso não ia ficar assim.

continua...

27 comentários:

Lari Bohnenberger disse...

Estou muito curiosa com duas coisas?
Primeira: como termina essa história das carolinas eternamente em falta na confeitaria.
Segunda: o que seria carolina.
Por favor, exclareça-me pelo menos a segunda! A promeira faço questão de esperar até o próximo post para ler!
Bjs!

Anônimo disse...

Taqueopariu hein! Quando eu estava no auge das minhas gargalhadas aqui você me solta um "continua".

Agora sei oque você sentiu quando te negaram as carolinas...

Anônimo disse...

Essa me lembrou: "meu, eu prefiro ter um filho viado que um filho velha!"

Anônimo disse...

carolinas... ai ai ai
sabe, no bristol tem uma une & due (plim-plim) que vende umas carolinas ótimas. elas ficam melhores ainda quando vc assiste a um filme do tipo "pecados íntimos". não estresse com o confeiteiro não. mude de padaria. tenho certeza que em pinheiros tem padoca a cada esquina :-)

Anônimo disse...

Cara,você nunca poderia ter feito isso...continua? que droga, que dia? quando? quero saber o final...
Tudo bem, tudo bem,também sei me controlar...(mãos se esfregando)..quer saber? escreve logo o epilogo aí cara..(desespero)..cadê a droga da Carolina balconistaaaaaaaaaaaaaaa ???????

Jeffmanji disse...

Adorei a parte "melhor olhar clint Eastwood que consegui"!

Muito bom, cara!

Bruna disse...

É pois é... nunca confie em balconistas de padaria... ¬¬"
Mas não desista! As carolinas serão suas finalmente!
Voltarei para o resto da história...!
Beijos

Cris Penha disse...

adoro posts com continuação! Nos deixam atentos e atônitos para que chegue o próximo.

Gosto muito dos seus testos, parabéns!!!

Cris Penha disse...

Adoro Carolina, esqueci de dizer antes!!

Renato Freixeda disse...

eahaeh
meu deus do ceu, bom demais cara

muito bom mesmo mesmo

haehaeh
abraços

filipe soares disse...

Olha cara pra ser sincero mesmo, eu li praticamente todas as crônicas do Fernando Veríssimo, e o único que eu vi escrever algo semelhante o que ele escreve foi você, ta de parabéns.

Aqui do lado de casa tem uma padaria, e o que não faltam são as carolinas.

Anônimo disse...

Isso me lembrou um velhinho de uma loja de doces que eu ia e comprava sempre o mesmo chiclete, até que um dia eu não encontrei mais o chiclete e ao perguntar quando ia chegar novamente, o velhinho me dizia 'semana que vem'. O FI*** DA PU** me enrolou falando 'semana que vem' por mais de um mês. No final ele ainda teve a coragem de me dizer que a loja ia fechar pra reforma, mas quando voltasse ele iria comprar novamente. Desgraç***, quando a loja abriu novamente, não era mais loja de doce e sim uma sapataria! Que raiva que eu passei desse cara! O velho deve estar rindo de mim até agora!

R. B. Dillinger disse...

hahahaha a pararia da minha rua não tem Carolina, não tem bomba, não tem brioche, só pão de sal e doce. É praticamente a mesma coisa todos os dias. Depois quando perde cliente, reclama.

E quanto ao boicote, tenho a mesma impressão na lanchonete da faculdade. Com as coxinhas de catupiry... ah o catupiry! hehehehe

abraço!

Cinthia; disse...

to esperando a outra parte da história, moço que não tem 39 anos e nem sabe fazer batata-palha!

se cuida, bjs.

Pimenta disse...

adorei. é praticamente um curta!!

Juliana do N. Nunes :) disse...

AOSPAKSOPASKOAPSKASOPKSAOPK x;
veih eu to me segurandooo akii
to rindo muuuuitoooo dessa historia ,nooossa que comediaaaa tão te boicotando tadinho inda bem que eu não gosto de carolina se nao ia ficar P da vida ;x

enfimmmm boa sorte
quem sabe um outro diaaa se arranja uma carolina bem gstosa x).Adooorei u blog cheio de humor ,beeijos boa semana =*

=D

Lucas Lima disse...

uihaiuhaiuhiuhuhauihahaa

Muito engraçado mesmo. Adorei o blog cara, você tem o sangue de humorista nas veias. Virei mais vezes, abraço!

Tarzan ® disse...

Muito bom o texto.
Deu até fome e vontade de comer. rsrs
Eita água na boca que não acaba. rs

Blog Esponja
www.blogesponja.net

rodia.romanovich disse...

Odeio Carolinas. A última delas me fez ficar uns dois meses ansioso e angustiado e tum. Malditas.

Na linha do-it-yourself: http://www.livrodereceita.com.br/doces/carolinas.htm

Cozinhar e tal é sooooo indie e bem condizente com morar em Pinheiros, rá.

Wagner disse...

acho que da próxima vez, você deveria levar dois amigos viciados em música, e quando o confeiteiro negasse a carolina, vocês três deveriam espancá-lo. E um dos seus amigos deve ter força suficiente para jogar o ar-condicionado nele... ou a caixa-registradora!

hehehehe

Anônimo disse...

ok. Eu já linkei seus blogs no meu.

abraço.

Anônimo disse...

SIMPLESMENTE DEMAIS!
será que você irá conseguir as carolinas?!
eu tb sou fascinada por elas ¬¬'.
é um mal que carregamos!

adorei seu blog.
virei mais vezes!
até mais ;**

Mayra Luna disse...

Eu comi uma carolina ontem, de doce de leite! mto boa! ah, assista o filme Intacto que fala sobre sorte e azar. vc escreve mto bem, ri mto lendo. daria um filme ótimo. qndo eu tiver minha produtora, te mando outro comentário...

M. disse...

Comi uma Carolina ontem. [2]
Ela era amiga da minha ex, foi bem legal. QQQQQQQQQQQQ///////

To de brimks.
Comentário chato pra criar problemas nos posts conceituais.

Carol disse...

O que é uma carolina?
Me senti um pouco ofendida, ou o confeiteiro deveria se sentir ofendido?


Afinal, pq não uma Angélica? Laura? Bethânia?

CarolBorne disse...

Eu sei o que é uma carolina!
É um doce de massa com recheui, tipo profiteroles, né não?
Mas como acaba essa história?
Curiosidade vai me matar!

Fabi disse...

'tô emocionada. Ainda bem que a história já 'tá toda escrita, senão ia ser como esperar episódio de série.