A Noite é uma Vaca Preta

Quem freqüenta esse blog sabe que eu não gosto de ficar caçando vídeos no Youtube e postando aqui, com um comentário qualquer. Porém, me vejo obrigado a abrir uma exceção. Semana passada, topei com uma verdadeira obra-prima da boçalidade humana e, na mesma hora, percebi que havia encontrado um tesouro na internet. Conforme eu ia assistindo ao vídeo, ia me sentindo cada vez mais como um gordo olhando a vitrine da Ofner. Fiquei babando, maravilhado por ter encontrado a prova cabal de que realmente a humanidade não deu certo.

Apenas um adendo: o vídeo está no Youtube há um ano. Meu objetivo não é ser reconhecido como o autor dessa descoberta, mas sim que todos o assistam ao menos uma vez, porque o valor antropológico disso é incalculável – acredito piamente de que se trata do elo perdido na cadeia evolucionária. São novas informações sobre a Aurora do Homem (2001 - Uma Odisséia no Espaço: mode on). Acredito que se Darwin assistisse a isso, ele provavelmente olharia a sua Teoria da Evolução e diria, suspirando: “Merda, vou ter que fazer tudo de novo”.

Senhores, com muito orgulho, apresento-lhes Marli e sua obra-prima: Bertulina.




Desde que vi esse clipe, frases como a "Meu nome é Bertulina", "A noite é uma vaca preta" e "Fico sozinha nas floresta" ficaram martelando na minha cabeça. Eu não conseguia parar de imaginar a tal da Marli se apresentando em Donnington, num festival ao lado de Iron Maiden e AC/DC, com 40 mil pessoas entoando o refrão de Bertulina com devoção quase religiosa. Eu não conseguia parar de cantar o refrão da música. Ficava ouvindo a música o dia inteiro e comecei a chamar a Besta-fera de Bertulino.

Fiquei obcecado. Eu precisava saber mais sobre isso de qualquer maneira.

Me enfiei no Google e consegui descobrir justamente o que eu queria: um site oficial da tal da Marli. Foi lá que descobri que ela é nada menos que a precursora do gênero Música Popular de Cozinha, graças ao seu trabalho desenvolvido em parceria com um tal de Witched, que é seu compositor, empresário, videomaker e assessor de imprensa – além de patrão, já que o relacionamento profissional dos dois começou quando ela trabalhava como empregada na casa do sujeito. Curiosamente, pelo que eu entendi, o termo Música Popular de Cozinha foi inventado não por críticos da Rolling Stone ou da Creem, mas justamente pelo Witched, mas acho que isso nem vem ao caso. E nem tira o mérito da tosquice toda, pelo contrário.

A dupla – sempre com Witched “compondo” e Marli “cantando” – já acumula seis discos, de 2002 para cá: Rainha das Trevas, Virgem Brasileira, Eu Gosto de Louvar, Uma Garota do Cacete, A Árvore Ginecológica (que é uma espécie de best of) e Colostro. O sensacional na evolução da obra dela é ter um disco chamado Eu Gosto de Louvar em meio a outros como Rainha das Trevas e Uma Garota do Cacete, o que deixa claro a filosofia atirar-para-todo-lado vista na obra da cantora. Queria que tivessem mostrado isso para o Papa, quando ele esteve aqui.

Mas o ápice da carreira dela, pelo que entendi no site, é mesmo este último disco, que conta com as músicas Sou Sua Pálida Amante Vaporosa, Mamãe Satanás, O Amor está no Ar (que conta com um maravilhoso refrão que canta “O amor está no á / Vomo copulá!”) e, claro, o épico Bertulina, que pelo que é dito no site, pode ser comparado a uma espécie de Geni e o Zepelim da cantora.

Agora, a biografia e o FAQ sobre ela são um caso a parte. O FAQ chega ao cúmulo de trazer a pergunta "A Marli existe?", explicando às pessoas que, por mais que pareça improvável, sim, a Marli é real. E sua biografia (que começa com a pérola "Desde a abolição da escravatura, uma voz permanecia calada na escuridão" para destacar a importância histórica da tal da Marli como porta-voz da raça negra, o que colocaria todos os outros cantores negros no limbo, caso este ainda existisse) beira a genialidade.

O texto traça todo o histórico da Marli, como o fato dela ter perdido a virgindade aos 9 anos de idade, com um lenhador – o que deixa claro que ela cresceu em alguma aldeia de Age of Empires ou de Warcraft, pois esses são os únicos dois lugares do mundo onde os lenhadores ainda existem - seu casamento aos 15 anos e sua fuga do casamento aos 17, até ela começar a sua parceira com Witched, provavelmente limpando o chão da cozinha da casa do sujeito. OK, a biografia admite ter elementos ficcionais para ser "mais engraçada", mas não importa. Se a lenda vende mais que a verdade, publique-se a lenda.

E, a partir do momento que a mesma arte que nos presentou com a Nona Sinfonia de Beethoven consegue nos entregar Bertulina, fica provado e carimbado o que venho falando aqui, incessantemente: a humanidade não deu certo. Mesmo. Mas, segue, como presente aos leitores, os 5 melhores versos de Bertulina (e seus possíveis significados), que, certamente, ainda serão analisados daqui a séculos, intrigando especialistas e peritos de todas as ciências possíveis.

1. A noite é uma vaca preta - Ok, o que quer dizer isso? Vaca preta é sorvete com Coca-Cola, como a noite pode ser uma vaca preta?
2. Ressuscitei do meu uxoricídio - Sim, é isso mesmo. Uxoricídio. Fui checar no site, é isso mesmo. Não me sinto apto a tentar interpretar isso.
3. Ainda chupo minha ferida - O bom gosto e a classe da música, obviamente, ficam explícitos nesse verso.
4. Chorei no ombro da Mãe Preta - Chuta que é macumba. Literalmente.
5. Sigo sozinha nas floresta - Não, não é erro de digitação.