8 de abril de 2007

O Último dos Moicanos - Parte Final

(leia a parte I aqui)

O punk desvencilhou-se da velhinha justiceira e tentou partir em direção à rua, mas foi contido por três seguranças que o agarraram e tentaram levá-lo para dentro do mercado, passando justamente entre eu e o velho – que se afastou, óbvio, para deixar claro para todo mundo que realmente não o conhecia. Foi aí que eu reparei que a jaqueta de couro do punk tinha umas frases escritas com liquid paper (anos 80 mode: on). Consegui ler somente uma delas: “Lixomania”. Quase comecei a gargalhar de novo, mas achei que não seria uma boa idéia. Afinal, se eu começasse a rir ali do lado dele, não iria fazer a menor diferença eu estar de suspensório ou não.

De repente, um dos membros do exército de suspensórios materializou-se do nada atrás do sujeito e, mesmo com todos os seguranças ali, deu-lhe um pé de ouvido que certamente arrebentou seu tímpano – mas nem abalou seu penteado. Antes que o punk pudesse reagir, o cara ainda passou-lhe uma gravata que deixaria qualquer um imobilizado. Mas, convenhamos: uma pessoa que tem a inscrição “Lixomania” na sua jaqueta merece respeito. Andar com isso escrito na roupa (e com liquid paper!) deve conferir algum superpoder. Ele conseguiu virar-se e deu um murro na boca do sujeito, que o deixou totalmente baqueado e fora de combate, indo procurar refúgio na direção da seção de congelados. E tudo isso do meu lado! Eu vibrava como se fosse Copa do Mundo!

Porém, o cara de suspensórios que tomou o murro deveria ser alguém grande na sua gangue, tipo um tenente ou algo parecido. Isso porque seus amigos ficaram meio assustados ao verem que o sujeito estava fora de ação e fugindo na direção das lazanhas. Eles ficaram ali na rua, olhando para dentro do mercado meio perdidos. Aliás, uns dois deles já nem deviam mais estar sabendo o que faziam ali, e já estavam há alguns minutos olhando para o Pão de Açúcar com aquela cara de quem nasceu burro, não aprendeu nada e esqueceu metade.

Por fim, resolveram ir embora, xingando não apenas o punk, como todos os outros clientes e funcionários do mercado. Não vi o "tenente", mas deve ter conseguido sair por outra porta.

E o punk também tinha sumido.

Desanimei e comecei a me preparar para voltar a pular atrás dos ovos de Páscoa. Foi quando olhei para os caixas e vi o punk ali, andando com a boca ensangüentada, perguntando (aos berros) para todo mundo (caixas, clientes, empacotadores), sempre comendo uma sílaba:

– Cê tem lular? Cê tem lular?

E claro que todo mundo falava que não. Na mesma hora, percebi o que estava acontecendo. Eu estava sendo abençoado. O santo padroeiro dos blogueiros sem inspiração é quem havia colocado aquilo tudo na minha frente. E, obviamente, eu não podia perder isso. Saquei meu celular e fui na direção dele. A tal da Bete ainda veio tentar me segurar, falando:

– Não vai lá, não!

– Você está louca? Isso vai render pelo menos uns dois posts no meu blog!

Claro que ela não entendeu nada e me deixou ir. Empurrei meu carrrinho na direção dele, torcendo para ninguém emprestasse o telefone para ele até eu chegar ali. E, claro, torcendo para que ele não invocasse comigo – afinal, um ovo Sonho de Valsa não é exatamente o melhor cartão de visitas que você pode apresentar como referência ao puxar conversa com um punk que acabou de sair no tapa com 20 pessoas.

– Você está precisando de um celular?

– Pô cara! Pós-ligar? Pós-ligar?

– Claro, liga aí.

Ele discou um número e começou a andar de um lado para o outro no mercado. O velho apareceu do nada e veio falar comigo:

– Eu sabia que você estava com ele!

Nem respondi, especialmente porque o punk interrompeu o seu ritual de andar em círculos no Pão de Açúcar e e veio reclamar comigo:

– Deu xá postal! Pós-ligar outro?

– Claro, manda ver.

– Valeu! Cê é gen boa para caralho!

E começou a andar de novo de um lado para o outro, esperando atender. Não atenderam.

– Não pletou a ligação!

– Deixa eu ver, eu disse.

Peguei o celular. Vi que ele estava tentando fazer ligações a cobrar, mas claro que ele estava fazendo algo errado ali. Mas eu não ia perder aquela conversa por duas ou três ligações no “lular”.

– Cara, relaxa. Não precisa ligar a cobrar. Liga aí para quem você precisa, eu pago a ligação.

– Cê é gen boa demais!, gritou, e começou a andar discando. Alguém, obviamente, atendeu do outro lado, porque ele começou a berrar:

– Cota? Cota?... É o Johnny!.... Cota, briguei com street! Briguei com street!.... Isso.... Tô aqui no Pão-Cúcar! No Pão-Cúçar!.... To usando o lular dum cara aqui!... É, os street! Não, o cara não! O Cara é gen boa!... Fechado, então!

Ele desligou e me devolveu o “lular”, agradeceu e saiu andando.

Voltei para minha tarefa inglória e medíocre: tentar alcançar outro ovo. Consegue e fui pagar. Quando cheguei no caixa, outra benção! Lá estava o Johnny, na fila, com uma long neck na mão! E não tinha ninguém atrás dele! Fui correndo na sua direção (quase trombei meu carrinho com o da amiga da Bete no caminho) para continuar o papo. Parei atrás dele (com cuidado para ficar na frente do carrinho, escondendo o ovo Sonho de Valsa da vista dele) e disse, com a maior naturalidade do mundo:

– Cara, você vai ficar bem?

– Só! Esses street punk é foda! Vou gá um por um!

– Vai na boa, campeão, eu disse.

– Vem cá, meu ros tá zoado?, ele perguntou, chegando perto de mim.

Olhei para ele. Um filete de sangue escorria pelo nariz (que parecia estar quebrado). A boca parecia a de um vampiro entre que havia acabado de jantar, mas ainda não tinha escovado os dentes. Já o cabelo, roxo, com mais ou menos 7 metros de altura, estava impecável. Concluí que ele devia não apenas pintar, como envernizar aquela coisa.

Aliás, pensei em perguntar porque ele não havia aproveitado esse cabelo e golpeado as pessoas no meio da briga, como um rinoceronte. Tenho certeza de que no momento que ele conseguisse empalar qualquer um com aquele penteado, os outros caras da gangue de suspensórios iriam fugir na mesma hora. Ele nem precisaria ter chamado o Cota - a não ser, talvez, para ajudá-lo a se livrar do corpo sem ter que raspar o cabelo.

Mas, claro que eu não perguntei nada disso. Olhei para ele e disse:

– Sua cara não está legal não. Seu nariz está estourado. Você tem que cuidar disso aí.

– VÔ GÁ UM POR UM!

– Relaxa, pega sua cerveja aí e relaxa.

– Cara, pós usar o lular de novo?

– Pega aí.

Ele discou e ninguém atendeu. Deve ter dado “xá postal” de novo, porque ele me devolveu o telefone com cara de puto. Aproveitei que ele não estava falando com ninguém e perguntei:

– Me responde uma coisa. Você é punk, certo? Mas você disse no telefone que eles também são punks?

– Street punks! Os forgado!

– Ok, mas qual a diferença? O que são eles e o que você... Não, e quem você é?

– Eu sou punk. Assim, punk punk! Tendeu?, ele respondeu, fazendo um gesto com o punho como se fosse o Billy Idol.

Tive que fazer força para não rir. E aquele "Lixomania" escrito na jaqueta dele não ajudava. Respirei fundo, tentando manter o auto-controle e continuei:

– Ok. E eles são o quê?

– Eles é street punk.

– O que é street punk?

– São uns punk moleque que acha que são o rei do daço. Tudo forgado. Eles fica andando com os caré do ABC. Tudo forgado! Vô gá um por um!

– Porra, no meu tempo, punk não andava com careca do ABC, não.

– TUDO FORGADO!

A mulher do caixa deu um pulo com o berro dele. Ignorei e concordei com o Johnny:

– Tem razão, tudo folgado. Estou contigo.

– POR ISSO QUE VOCÊ É GEN-BOA!, ele gritou e saiu bebendo a long neck.

Eu paguei meus ovos de Páscoa e fui para a saída. Quando estava quase na rua, ele ainda gritou da outra porta do mercado, levantando a cerveja na minha direção:

– VOCÊ AÍ! VOCÊ É GEN-BOA PRA CARALHO!

Eu agradeci com um aceno e saí do mercado, para delírio do velho, que passou do meu lado carregando duas sacolas e me lançou um olhar de superioridade, como quem diz: “a mim você não engana, babaca”.

Ainda sofrendo lapsos criativos, não conseguia batizar esses dois posts de jeito nenhum. Segue, aqui, o Top 5 de títulos descartados:

1. "Go ahead, punk! Make My Post!" - Na dúvida, cite Clint. Sempre funciona
2. "Punk's not Dead (mas foi por pouco)" - Chegou a ir ao ar, mas mudei logo em seguida. Parecia grande demais, desajeitado demais.
3. "Streets of Rage" - Você jogou isso no Mega Drive? Você se lembra dos punks que apareciam logo na primeira fase? O Johnny era igualzinho a eles (fora a barriga, claro).
4. Anarchy in the Pão de Acúcar - Já que é sobre punks, um pouco de Sex Pistols não vai fazer mal a ninguém.
5. Beat on the Bratt - Já que é sobre punks, um pouco de Ramones é obrigatório.

E leia o final alternativo dessa saga aqui.

19 comentários:

Elza disse...

hahahahahahahahaha...

Axo que vou dar uma volta no pão de açúcar!


essa história rendeu viuu, e das boas!!

=]

Utopia Urbana disse...

Ah, cara. O 4 era legal também. E o 3 também, mt rock´n... não, mt punk! Hehehe

Henrique Fogli disse...

Muito do caralho essa história... e o blog todo!
Dá um pulo no Poesia e Palavrão quando tiver de bobeira...
Ah, uma coisa... uqe Pão-de-Açúcar foi esse?

Abraço!

R. S. Diniz disse...

Cinematográfico! Difícil de acreditar que isso aconteceu de verdade!


E uma observação pra confundir ainda mais:

Existem carecas anarquistas também.

Mas punks que andam com skinheads white power é a primeira vez que eu ouço falar!

Anônimo disse...

Cê é nte boa pra alho!

Arthurius Maximus disse...

Muito bem feito e talentoso seu texto. Lí direto as partes. O Título 2 tem tudo a ver...
Voltarei mais vezes. Um abraço.

Diego Moretto disse...

Fechou a serie? Ficou f... cara. Muito bem escrito, pareendo um filme msm, show de bola. Parabens. Vlw pelo coments no meu blog. Pão-de açucar...
rsrsrsrs

­Redação disse...

Porra! Ficou MUITO bom sua séri mano, tu escreve muito bem, adorei. Nota 10!

http://kalanguiano.blogspot.com/
http://kalanguiano.blogspot.com/

Abel disse...

Interessante ....
Mas eu pensei que tu fosse mais novo Rob ....

parabéns pelo post ...

Tarzan ® disse...

Putz mas que história ein. hehehe
Muito massa.
Como disse o colega aí, ficou parecendo roteiro de uma cena de filme. rs

Parabéns, tu escreve muito bem.

Blog Esponja ®
www.blogesponja.net

Bárbara Lemos disse...

Hahahaha

Eu sou sua fã, Ricardo. Dá licença! rs

Não sei por que ainda não havia te linkado, venho por aqui sorrateiramente, leio e saio. Acho que preciso deixar de ser mal educada.
;)

Tiagho Diniz. disse...

Cara essa historia daria p/ fazer uma opera rock no estilo "Hair" ou "Tommy" só que versão Final Fight (SNes).
Vc me inspirou a escrever sobre umas historias semi-absurdas assim do cotidiano, talvez eu post alguma qndo a velha maldição do bloqueio criativo apareça.

André Martins disse...

Billy Idol!!
HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA
To chorando de rir só de imaginar a cena!!
Muito bom!

Unknown disse...

realmente...
hehe...


joguei street of rage... bons tempos...

Anônimo disse...

Eu li estes posts na segunda-feira e demorei dois dias para responder porque no primeiro dia eu estava sem tempo e ontem uma dor de cabeça me pegou de jeito e não liguei mais esta máquina. então, vou parodiar o rob e escrever o top 5 do que eu mais gostei neste post duplo:

1 - A prateleira de chocooky (impagável);
2 - Você ter encontrado um punk no pão de açúcar de pinheiros (fico imaginando que foi aquele na esquina da mourato com a teodoro). o último que eu vi foi na escada rolante do metrô de londres indo para camden town;
3 - Você com vergonha de ter comprado ovos de páscoa sonho de valsa, enquanto ele comprava uma long neck (mas tenho certeza que quem ganhou amou de paixão);
4 - A sua solidariedade em emprestar o celular pro sujeito só pra ter dois posts no blog;
5 - Você ter compartilhado com a gente esta história bizarra. Ontem eu fui ao pão de açúcar e também encontrei uma figura estranhíssima, mas não tenho coragem de contar pra ninguém... hehehe

PS. Não eu não quis que o meu comentário fosse maior que o seu post, mas sorry se eu me empolguei demais!!!

Anônimo disse...

Cara, você foi abençoado pelo padroeiro mesmo! Uma história dessas é de fazer bombar qualquer blog!

Eduardo Vilar disse...

hahahahaha...
muito bom!
que história cara.

caipora disse...

Aahuahuahuahuaha!! caralho! muito bom!! Essas coisas nunca acontecem comigo...=( O Pão de Açúcar daqui não é como o dae!

Nelson disse...

Cara, to desenterrando o tópico, mas eu acho que conheço esse Johnny. Estudei na mesma escola que ele, e esse cara vivia apanhando, arrumava briga com quem não podia. Eu mesmo já bati nele uma vez, hauahua.
Punk em Pinheiros, chamado Johnny e com amigo chamado Cota (eu acho que na verdade é Coca, sobrenome dum outro punk, e saiu "Cota" por causa do sangue na boca).
Posso estar errado, mas a coincidência é grande demais.

abraço Rob!