Eu sempre gostei de assistir documentários sobre animais. Quando eu estava no colegial, minha receita ideal para dormir a tarde era comer feito um débil-mental e sentar na frente da TV, ligar na Cultura e assistir aqueles documentários sobre pingüins, lhamas e outros bichos estranhos que passavam na estatal. Era tiro e queda. A mulher falava (com aquela voz didática, de quem também estava quase dormindo) algo como "As lhamas saem para tomar Sol pela manhã", e logo em seguida, tínhamos uns 15 minutos de lhama tomando Sol, sem música, nem nada. Só o barulho do vento. 3 minutos depois, a lhama ainda estava ali, tomando Sol, e eu babando no sofá.
Enfim, quando a TV a cabo chegou ao Brasil, eu praticamente dei a volta olímpica em volta do sofá de felicidade. Sim, Cartoon Networks, Telecines, SportTVs da vida (a ausência da MTV nessa lista não foi distração) e Discovery Channel! Animal Planet! National Geographic! No começo era uma festa, eu assistia a todos os programas de bichos, de aranhas a ursos polares, de lacraias (não, não é o do McSerginho e Lacraia... estou falando de outro bicho, um pouco mais racional) a coalas. Porém, algo começou a chamar a minha atenção: os leões e gazelas estão para esse tipo de programa como o Charles Bronson está para os filmes do Domingo Maior: dia sim, dia não, lá estava a (mesma) leoa atacando a porra da gazela. Quando muito, era variava o cardápio mandando ver num gnu.
Das duas, uma: ou mais da metade dos animais do planeta são leões e gazelas, ou esse pessoal anda meio sem criatividade. Porque não lançam logo um Best Of com os melhores momentos de Leoa X Gazela e partem para outros bichos? Porra, o Cara lá de cima passa seis dias criando bichos e mais bichos, não é possível que só a merda da leoa que dá IBOPE. Enfim, aos poucos, fui abandonando o hábito de fuçar nos canais de documentários atrás de animais estranhos. Deixei isso totalmente de lado.
Isso, claro, até me mudar para Pinheiros.
Meu novo bairro dá um baile em qualquer "Maratona Animais Exóticos" desses canais a cabo. Isso porque Deus, certamente, usou isso aqui como campo de testes enquanto criava as espécies que iriam habitar o planeta. Ou como um depósito para idéias não aproveitadas. Ao invés de amassar os projetos e jogar fora, ele guardava tudo aqui - vai saber se um dia alguma criatura dessas não teria uma utilidade? Imagino Ele discutindo o layout com o Anjo que cuidava da arte:
"Coloca um rastafari e uma camiseta do Che Guevara. Não, não ficou legal. Hum... E se colocarmos um... deixa eu ver... Uma águia tatuada no peito? Uma águia, a gente criou isso semana passada. Dá um copy-paste no peito dele, quero ver. Isso, pinta de laranja. Não... Ah, foda-se, esquece esse aí. Joga lá em Pinheiros, vamos começar outro do zero".
E, assim, Pinheiros foi servindo como depósito de diversas criaturas que derrubariam o dogma de que Deus escreve certo por linhas tortas. Basta andar por dois ou três quarteirões da Teodoro Sampaio para ter a certeza de que, sim, Deus também erra. Exemplares únicos de animais fadados ao esquecimento caminham pelo bairro, transformando aquele pedaço do planeta numa espécie de “Babel” ou “Terminal Tietê em dezembro” dos animais. Então, acredito, Deus achou melhor nem mexer mais naquilo, deixa como está mesmo.
Justamente por causa disso, Pinheiros manteve-se alheio à evolução das espécies. Diversos animais claramente oriundos de outras eras co-habitam o local com espécies mais recentes, cada um aguardando por um lugar ao Sol nos livros de zoologia.
É o caso do Rei da Teodoro Sampaio, bípede que tive a sorte de observar algumas vezes. Trata-se de um organismo de pelos menos 60 anos de idade, cabelos brancos abaixo dos ombros e que apresenta, como exoesqueleto, uma camiseta do Judas Priest com a letra de Victim of Changes escrita nas costas. Um dia, ele estava discutindo com um sujeito que tem uma barraca de frutas do lado de casa e peguei apenas uma frase da briga: “Qualquer coisa, fala comigo! Eu sou o Rei da Teodoro, o que eu falo aqui, é ordem”. Na boa, fiquei até com medo.
Atravessei a rua no pau, com cuidado para não ser visto, mas satisfeito por ter identificado o (auto-proclamado) rei dos animais de Pinheiros. Então, é ele quem manda no pedaço, ditando ordens para todos os outros bichos, como os hippies de cabelos brancos e sandálias de couro compradas em 1968; as velhas de mais de 50 anos com tatuagens gigantescas (e desbotadas) no ombro que vagam pelos corredores do Pão de Açúcar pela madrugada; os organismos de idade incalculável devido aos dreadlocks (que, certamente, servem como lar para dezenas de outros organismos) caídos pelo rosto e que se arrastam, sempre na direção da feira da Benedito Calixto. Todos eles obedecem ao Rei de Pinheiros, que mantém a ordem local com sua vasta cabeleira branca e a camiseta do Judas.
Outro digno de destaque é o Curandeiro. Também bípede, tem sua toca no Largo da Batata, onde aproveita para comercializar ervas que colhe ao lado da sua caverna para os outros animais. Outro dia, passei em frente ao seu esconderijo, e ele havia colocado um aviso novo (sim, alguns dos animais são alfabetizados): “Curamos todas doenças (sic!!!). Espirituais ou Carnais”! Carnais! Um bicho desses tem que ser aproveitado de alguma forma, não pode ficar esquecido assim. Um animal desses tem que ser estudado, o mundo precisa conhecer essa espécie.
Claro que há os animais que aproveitam a ausência de Deus (e provavelmente o fato de que o Rei da Teodoro não deve ser uma das criaturas mais difíceis de ser enganadas) para burlar as leis do mundo exterior. É o caso dos dois paquidermes lésbicos que estavam se beijando na praça aqui em frente, outro dia, no meio da tarde. Nada contra serem lésbicas – afinal, não sei como essa espécie se reproduz. O que chamou a atenção foi a bizarrice da cena. Se bem que, pela envergadura delas, deviam pertencer, no mínimo, ao mesmo filo.
Não vou citar todos. Se eu começasse a discorrer sobre todos eles isso aqui viraria um compêndio de criaturas bizarras. Alguns eu até já mencionei, como os seres do boteco aqui ao lado. Há, nesse mesmo boteco, uma criatura levemente corcunda, cujo organismo é formado em sua maioria por álcool e que, por não ter a sorte de possuir um blog, se comunica com o mundo de outra forma: gritando suas idéias sobre música, cinema, economia e política para os freqüentadores do local, certo de que todos estão interessados. De volta às ruas, há a criatura hermafrodita que tem sandálias de plástico no lugar das patas e vende incenso para os outros animais, numa banquinha improvisada, provavelmente com restos de outros animais; há a vendedora de jogo-do-bicho, que, apesar de suas feições de orc, caminha seminua, fazendo os motoristas do ponto de táxi aqui ao lado entrarem no cio toda terça e quinta.
E há o “carregador de mandioca”. É um organismo de três pernas, levemente parecido com uma combinação humano X carrinho de mão, que passeia pela Pedroso de Moraes quase todos os dias, na hora do almoço, com kilos de mandioca na parte metálica (a que lembra o carrinho). Sempre em silêncio, sempre de cabeça baixa, ele sempre vai com as mandiocas no sentido Cardeal Arcoverde – Inácio Pereira da Rocha. Ele sempre vai, nunca volta. A razão de ele transportar essas mandiocas (Subsistência? Karma? Perdeu alguma aposta com outro animal? Ordens do “Rei da Teodoro”?) permanece um mistério. Talvez seja o motivo dele estar jogado aqui: Deus criou, achou legal, mas, quando percebeu que ele não tinha utilidade nenhuma, o abandonou em Pinheiros.
Isso tudo, claro, sem falar nas sextas e sábados, quando todos os bares de Pinheiros estão abertos. Aí, como diria Robert De Niro em Taxi Driver: “all the animals came out at night”. Azar do pessoal da National Geographic, não sabem o que estão perdendo. Em todo o caso, se houver interesse em produzir um documentário, basta procurar o Rei da Teodoro, porque é só ele quem pode autorizar uma filmagem aqui dentro. Ele é quem manda em Pinheiros. Porque Deus, é claro, já esqueceu isso aqui faz tempo.
5 Melhores Filmes de Charles Bronson (sim, eu citei o Bronson lá em cima, você que não prestou atenção):
1. Era Uma Vez no Oeste – o melhor western de todos os tempos. Obrigatório.
2. Fugindo do Inferno – ainda é o melhor filme de fugas de todos os tempos
3. Sete Homens e um Destino – do mesmo diretor de Fugindo do Inferno e inspirado em Os Sete Samurais. Já tá bom, né?
4. Desejo de Matar – esqueça as dezenove continuações. O primeiro continua do mesmo nível de Perseguidor Implacável (Dirty Harry, para os leigos)
5. Assassino a Preço Fixo – só a primeira morte, na qual ele coloca um explosivo dentro de um livro, vai para um apartamento do outro lado da rua e atira no livro já valeria o lançamento em DVD.
5 comentários:
Rob, eu acho que há muito mais por detrás dessa tal história da Arca de Noé.
aproveitando:
o que vc tem contra seres com camisas do Che, boinas, sandalias de couro de 68, e incensos ?
é bom vc rever seus conceitos!
=]
Na minha opinião são um bando de aminais. E você, o que acha Rob?
Rob, existe esse filme ( Assassino a preço fixo em DVD ?), Tem como baixá-lo na Web ?
Assassino a Preço Fixo saiu no Brasil somente em VHS. Lá nos EUA ele foi lançado em DVD pela MGM - ou seja, aqui no Brasil pode ser lançado pela Fox. Let's wait.
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