25 de julho de 2017

Antropologia da Mudança

Não, eu não encerrei o blog.

Não, eu não parei de escrever ficção.

Mas foram várias semanas – na verdade, foram alguns meses, mas “várias semanas” soa menos agressivo – sem escrever no blog por pura falta de tempo. Foram semanas sem postar no blog, mas escrevendo muito; foram semanas sem postar no blog por causa de muita coisa acontecendo. Aos poucos, vou falando sobre isso aqui. Mas sim, os blogs ainda estão de pé e a ideia é que voltem à frequência normal de agora em diante.

E para provar isso, vou contar uma pequena história, sobre a mudança de casa. Sim, enquanto eu escrevo isso estou cercado de pilhas de livros e caixas vazias (ou, dependendo da caixa, com um gato dentro) porque vamos nos mudar para outro bairro.

Você já mudou de casa? É a coisa mais desesperadora do mundo. E não estou falando daquele processo que envolve colocar tudo o que você tem dentro de caixas, levar para outro lugar e tirar tudo o que você tem de dentro das caixas. Aliás, poucos eventos ilustram tão bem o quanto a humanidade é atrasada quanto se mudar para uma casa nova.

Vamos voltar para a aurora do homem (2001 – Uma Odisseia no Espaço mode: on) e pensar nos primeiros homens. Eles eram nômades, ou seja, não tinham endereço fixo – o que deveria dificultar muito a vida dos carteiros e das empresas de cobrança. Eles moravam no mesmo lugar até a comida daquela região acabar. Quando isso acontecia, eles juntavam tudo o que tinham e, sei lá, embolavam tudo em folhas de bananeira, colocavam nas costas e levavam para outro lugar.

E é mais ou menos que eu faço hoje com as caixas de papelão. Milênios de evolução, avanços científicos e descobertas fantásticas, e tudo o que conseguimos a respeito das mudanças foi trocar as folhas de bananeira por caixas de papelão. O resto ficou exatamente igual.

Não é possível que pessoas como Leonardo da Vinci ou Thomas Edison sequer pensaram que o processo de mudança podia ser mais fácil.

– Leonardo? Vem almoçar!

– Já vai. Estou pensando um modo de fazer a mudança ficar mais fácil.

– Que mudança?

– Quando as pessoas mudam de uma casa para outra. Isso não devia ser tão difícil.

– Mas você vai mudar?

– Não. Mas se houvesse um jeito de transportar os objetos de uma casa para outra sem que eles fossem carregados...

– Isso é impossível.

–Talvez se eles pudessem ser arremessados da casa antiga para a nova...

– Depois você pensa nisso! A comida está esfriando!

– OK.

Aí depois do almoço um mercador chamado Giocondo entrou ali pedindo ao Leonardo da Vinci para pintar um quadro da esposa dele. Como o Leonardo não estava planejando mudar de casa e também tinha contas para pagar, ele acabou perdendo o foco e pronto: o processo de mudança continua o mesmo. Por causa disso: séculos depois eu preciso ir até o mercado.

– Você tem caixas de papelão para me arrumar?

– Você vai comprar algo?

– Bom... Não. Eu queria só as caixas.

– As caixas são apenas para os clientes.

– Certo. Então vou levar esse chocolate. Você tem caixas de papelão?

– Tenho essas três.

– Não tem maiores?

– Não, senhor.

– Mas é que essas duas são do tamanho de uma caixa de sapatos. E esta outra aqui parece um porta joias.

– Mas elas são de papelão, como o senhor queria.

– Ah.

– Algo mais?

– Você não tem folhas de bananeira, tem?

– O senhor vai comprar algo?

– Esquece. Obrigado.

Então, nesse quesito, ainda estamos na pré-história. A única vantagem é que pelo menos eu posso ficar colocando as coisas dentro da caixa sem ter medo que a Era Glacial comece um dia antes da previsão do tempo. Por outro lado, nós conseguimos ainda inventar uma desvantagem em relação aos primatas. Porque quando os pré-históricos queriam se mudar de um lugar para o outro, eles simplesmente iam.

E nós precisamos falar com as imobiliárias.

Em algum momento, uma parte da humanidade fez alguma curva errada no caminho evolutivo e chegou a um beco sem saída. Assim, sem conseguir se desenvolver direito, esses indivíduos foram trabalhar com imóveis para tentar sobreviver. Vamos ser sinceros? Se existissem imobiliárias na pré-história, a raça humana já estaria extinta.

– Senhor Rorgh?

– Sim.

– Aqui quem fala é Ugh, da Cenozoica Imóveis. Tudo bem com o senhor?

– Sim, obrigado.

– Eu tenho um recado aqui que o senhor está procurando uma caverna em região tropical com caça abundante para o senhor e sua tribo. É isso mesmo?

– Sim.

– Eu tenho uma oportunidade ótima para o senhor. Tenho um lançamento com três pinheiros que estão com preços ótimos.

– Pinheiros?

– Isso. São perfeitos para quem adora dormir em cima de galhos, com toda aquela segurança que só um pinheiro consegue proporcionar. Isso sem falar na vista, que é maravilhosa. E tem um lago ali perto que é uma ótima área de lazer.

– Mas eu pedi uma caverna.

– Mas esses pinheiros estão por um preço ótimo. E é uma região do Alasca que vai valorizar bastante.

– No Alasca? Onde é isso?

– O senhor está onde, hoje?

– Na Amazônia.

– Ah, o Alasca é pertinho. O senhor não vai nem sentir a diferença. E é uma área muito charmosa. E a caça é ótima. Está cheio de alces, ursos-polares...

– O que são alces?

– Alces são tipo cavalos com chifres. A carne é bem gostosa. Vamos agendar uma visita? Pelas minhas contas, o senhor deve demorar cerca de vinte meses para chegar ao imóvel. Então, que tal agendarmos uma visita para 28 de março de 104.029 antes de Cristo? Está bom para o senhor?

– Bom, eu preciso falar com a minha esposa.

– Então, ótimo. Amanhã eu volto a ligar. Foi um prazer, senhor Rorgh.

A visita foi agendada. Rorgh juntou toda sua tribo e começou um longo processo de imigração, atravessando um continente inteiro para conhecer o imóvel. Foram meses enfrentando o clima, animais selvagens e outras tribos. Muitos de seus amigos e parentes ficaram pelo caminho. E, no dia marcado chegaram ao seu destino.

Esperaram um mês e meio ao lado dos Pinheiros, até se convencerem de que o corretor não iria aparecer. Então decidiram retornar para a Amazônia, apenas para descobrir que a região onde moravam estava ocupada por outra tribo e estavam sendo processados pelo proprietário por mais de três anos de aluguel atrasado.

Ultimamente, tivemos que falar com vários descendentes de Ugh aqui em casa. São primatas que não sabem a diferença entre casa e apartamento, casa e chácara (e, em um dos casos, casa e túnel) e que acreditam que tanto a Vila Mariana como Londrina e Kosovo estão na Zona Sul de São Paulo.

Mas finalmente conseguimos uma casa nova. Mas, antes mesmo de sair procurando por caixas ou folhas de bananeira, começaram os problemas com a imobiliária que, prometo, contarei no post seguinte. 

5 comentários:

Anônimo disse...

Obviamente que sim meu caro (sobre saber escrever). Eu não queria, mas fui obrigado a rir de suas (des)aventuras, rs...

Príncipe Myshkin disse...

Rapaz, não é fácil. Experimenta mudar para uma cidade a 400 km de distância, num caminhão Mercedes Benz de 1970, com o motorista, a esposa dele, sua esposa é mais três cachorros. Quando tivermos que mudar de novo, vou propor pra minha esposa deixar tudo para trás e comprar novo na nova casa. Tudo exceto livros, vinis e os cachorros.

Camila disse...

Me identifiquei.... Já passei por 14 mudanças ao longo da vida ( faço 34 anos mês que vem)... Força!

Willian Martins disse...

Cara fazer mudança é uma das piores coisas que existe, boa sorte.

Mike Wevanne disse...

Uga!