2 de fevereiro de 2017

O Velho

Um dia desses, eu estava conversando com um cara mais velho.

Sabe quando você está apenas batendo papo sobre a vida? Era algo assim. E eu gosto de bater papo, então comecei a me sentir confortável a ponto de jogar no meio da conversa algo que estava rodando pela minha cabeça há algumas semanas.

“Sabe o que tem me incomodado?”

O velho não respondeu. Apenas olhou na minha direção, esperando que eu continuasse.

“Eu não consigo escrever mais”, eu disse. “Quer dizer, não consigo escrever mais para mim. Por exemplo, no meu blog. Quer dizer, blogs. Eu tenho dois”.

Ele sorriu.

“Mas você não vai dizer que está sem ideias, certo? Porque não é sempre que eu e você conversamos”, ele disse, “mas, até onde eu te conheço, você sempre tem ideias para textos”.

“Esse é o problema. Eu não sei se estou sem ideias porque não estou conseguindo nem pensar em ter ideias”.

“Como assim?”, ele perguntou.

“Eu tenho trabalhado tanto que não sobra mais tempo para escrever para mim”, eu devolvi. “E eu sei que não é a primeira vez que isso acontece. Mas eu sempre tive ideias para textos, mesmo quando não conseguia escrevê-los.”

“E desta vez não?”

“Não sei. Eu não tenho encontrado tempo nem mesmo para pensar sobre textos.”

“Tanto trabalho assim?”

“Sim. Faz mais de um mês que eu não escrevo. Isso não acontecia comigo há... Não sei. Acho que desde que eu comecei a escrever, isso nunca tinha acontecido. Mas o ponto não é não conseguir escrever e sim nem pensar sobre escrever.”

“Mas você perdeu a vontade?”

Eu tive que pensar antes de responder.

“Não, acho que não”, eu finalmente disse. “Escrever, para mim, é como comer. Ou dormir. Não é algo que eu faço quando tenho vontade. É algo que... É algo que eu faço. Apenas isso.”

“E agora você não tem nem pensado sobre isso?”

“Não.”

“Bom, você deve estar realmente ocupado desta vez.”

“Sim, estou, mas... Eu teria encontrado tempo, sabe? Antes de dormir ou logo cedo, pela manhã? Eu poderia ter escrito. Eu sempre defendi a ideia que tempo se arruma.”

“E desta vez você não arrumou por quê?”

“Porque sempre que eu encontrava um tempinho, eu estava cansado demais para escrever”, eu disse. “É isso que me preocupa. Dez anos atrás, eu trabalhava dez, doze, catorze horas por dia, e ainda fazia meus textos. Era como eu descansava. Mas, desta vez, o cansaço era grande demais para isso”.

O velho me olhou por uns instantes e finamente sorriu. Eu reparei nas marcas ao lado dos olhos dele e me perguntei se um dia eu teria marcas como essas.

“Sabe”, ele falou, “Você não é o mesmo de dez anos atrás.”

“Como assim?”

“Você descansava fazendo textos, porque seu limite de cansaço era maior. Hoje, esse limite mudou. Talvez hoje você não consiga descansar escrevendo, mas sim descansando.”

“Não gosto disso.”

“Eu também não gostava quando isso começou a acontecer comigo. Mas aconteceu. Como está acontecendo com você e vai acontecer com todo mundo. O nome disso é tempo.”

“Tempo?”

“Sim. Eu ia dizer ‘idade’, mas acho que você prefere ‘tempo’”, ele disse, sorrindo.

“Acertou”.

“E o tempo acontece com todo mundo. Você não é mais um garoto. Você sabe disso.”

Ignorei um gosto amargo na minha boca.

“Eu sei. Mas eu ainda não gosto de ficar tanto tempo sem escrever.”

“Por quê?”

“Porque não. Porque é o que eu faço. Porque é o que as pessoas esperam que eu faça. Porque...

“Porque você tem medo de ser esquecido se ficar muito tempo sem escrever. Você tem medo que as pessoas esqueçam que é isso que você faz.”

“Não, não é isso”, eu respondi rapidamente.

“Está vendo essas linhas aqui?”, ele disse, apontando para o próprio rosto, mostrando as marcas de expressão. “Essas linhas mostram que eu não caio mais em qualquer mentira.”

“Certo”, eu me conformei. “Ser esquecido também me incomoda.”

“Eu sei.”

“Mas você entende, certo? Eu não quero que as pessoas achem que eu parei de escrever. Que eu desisti.”

“Ou, pior ainda”, ele emendou, “que elas esqueçam seus textos”.

“Isso”, eu devolvi, com a voz engasgada daquele jeito que acontece sempre quando a gente fala algo que não quer.

Ele sorriu mais uma vez. Talvez estivesse esperando eu dizer algo, mas eu fiquei quieto.

“Sabe”, ele finalmente disse, “essas linhas no meu rosto mostram mais do que você imagina. Elas também mostram experiência”.

“Como assim?”

“Por exemplo, elas me dizem que você não precisa mais escrever todos os dias. Você escreve há dez anos. Vai ser bem difícil as pessoas esquecerem isso.”

“Eu sei, mas...”

“Mas...?”

“Mas um mês sem escrever? Eu me sinto... Não sei. Sabe aquelas pessoas que decidem que vão escrever a vida inteira, aí escrevem três textos e desistem?”

“Rob, dez anos não são três textos.”

“Eu sei.”

“Além disso, existe uma diferença entre escrever sobre tudo e escrever sobre o que realmente importa para você. Isso também se chama experiência. E é algo que você aparentemente está aprendendo.”

Desta vez, foi minha vez de sorrir. Comecei a pensar sobre textos. Não os dos últimos dez anos, mas os do próximo mês. Crônicas que vão brotar do nada. Roteiros de Terapia. Os contos que não saem da minha cabeça, implorando para serem escritos. Outros projetos, como...

“Rob?”

“Eu.”

“Você não tem trabalho para entregar hoje?”

“Tenho.”

“Vai trabalhar. Com dez anos de crônicas, você tem esse crédito. E você precisa terminar o trabalho de hoje mais cedo, para conseguir descansar.”

Foi minha vez de sorrir.

“Certo.”

“Bom trabalho.”

“Obrigado pela conversa”.

“Imagine”, o velho respondeu sorrindo de volta, as linhas se acentuando em seu rosto. “Sempre que precisar eu estarei por aqui. Basta me procurar.”

Saí do banheiro, deixando o velho no espelho onde ele mora, e fui trabalhar. Desta vez, sorrindo – e com as marcas de expressão aparecendo no meu rosto.

Acontece sempre que eu sorrio.

16 comentários:

Monika Jordão disse...

Pode demorar 1 mês ou 1 ano. Você sempre acerta e me surpreende. Genial.

Igor disse...

Não importa quanto tempo exista entre um texto e outro. Não importa se o cansaço é maior hoje. Importa o impacto wue você JÁ CAUSOU em tantas e tantas vidas com seus parágrafos. O quanto você já inspirou e inspira a escrever.
Vocee seus textos estão sempre aqui ó: <3

Unknown disse...

Pra falar a verdade, você trabalha tanto que me faz pensar que você vai NOS esquecer. Seus fãs e seus amigos. Ou os dois ao mesmo tempo (que é o meu caso).

Sabe, tem que pesar: Até que ponto vale a pena trabalhar muito pra ter qualidade de vida, mas não conseguir desfrutar da qualidade de vida porque trabalha muito.

Não esqueça dos amigos, tá?
Abração, Rob!

Ane Karoline disse...

Interessante descobrir que você, um exímio escritor, acaba entrando nesse conflito também: será que parei de escrever?
Parabéns pelo texto, Rob. Ah, e obrigada por escrevê-lo. Vou lembrar disso.

Eduardo de Souza Caxa disse...

Magnífico! Não tenho outra palavra.

Mafê Probst disse...

Rob,
a Monika Jordão, que comentou ali em cima, mandou esse teu texto num grupo de whatsapp que a gente participa. Quando vi o 'url' champ-vinyl, logo pensei cara, esse blog é velho. Aí eu entrei, reconheci o bonequinho e vi que você tem 10 anos de blog e WOW, mesmo tempo de blogosfera que eu.

Eu criei o meu blog — Palavras & Silêncio, bonequinhadeseda.blogspot.com — em novembro de 2006. Corri nos teus arquivos, lá para meados de 2007, para ver se me encontrava nos comentários (ainda não me achei, mas sei que vou) e vi uma galera das antiga. O Wagner, do Bláblaísmo. O Rod Lima, o Antônio, a Emi, a B., e outros tantos (ainda hei de me encontrar, tenho quase certeza).

Então, foi uma gratidão muito grande ter te redescoberto de novo, sabe como? Ainda mais num texto tão SENSACIONAL como esse. Um porque me deu uma injeção nova de ânimo de não parar. E outra, porque, CARALHO! Olha esse final!! Eu soltei um sonoro palavrão ao fim do texto, porque não tinha como reagir de outra forma.

Que bom que estou por aqui de novo. Vou te salvar nos favoritos da vida e vou perder a madrugada relendo ainda mais dos contos teus.


Beijo,

Gilmar Gomes disse...

Final surpreendente! Final surpreendente! Adorei. De novo. Tal do fanboy é phoda.

Gilmar Gomes disse...

Final surpreendente! Final surpreendente! Adorei. De novo. Tal do fanboy é phoda.

Guilherme disse...

Outro excelente texto Rob.

Uma duvida que creio ocorrer com todo mundo, quando não sobra tempo para desfrutar de um dos maiores prazeres. Trabalhamos tanto que não sobra tempo, fila no transito, fila para tudo, e quando paramos precisamos descansar, olhamos para a esposa e vamos aproveitar uns minutos no sofá sem fazer nada e fazer nada as vezes é ótimo. mas logo vamos dormir que no outro dia temos que trabalhar novamente.

Mas não pare Rob, não se de nos que não iremos esquecer dos seus textos. Isso vai ser bom para os dois lados.


Abraço

Giocampos disse...

Muito bom.

Unknown disse...

Cara...
Um mês não é nada se pensar que tem uma vida toda pra escrever... E eu pra ler...
Forte abraço e continue sempre...

Unknown disse...

É impressionante como eu nunca me canso de ser surpreendido!

Rhuan Rousseau disse...

Me emocionei muito com o texto! Eu ainda sou muito jovem para querer ser velho, tenho apenas 26 anos. Escrever também é um sonho e viver disto então é um ponto ideal de vida para mim. É curioso como o tempo passa e olhamos para nós mesmos e tudo aquilo que era deixou de ser. Acho que esta é a terceira vez que leio, porém só agora consigo comentar mesmo com estas palavras confusas. Muito emocionante, estas palavras realmente nos fazem parar e pensar na vida. Parabéns Rob! Você é foda!

Willian Martins disse...

Muito legal cara, adorei. O final é sensacional, parabéns.

Bruna Fernanda disse...

Dez anos e bastante gente aqui ao esqueceu... já faz parte de muitos de nós :) não tem como esquecer.

Leogrecchi disse...

Cara... esse texto me impressionou de uma maneira que eu jamais poderia pensar. Me emocionou, usando a palavra correta.

Sinto que deveria ter aparecido por aqui uns dez anos antes. Dez anos é muito tempo. Ao mesmo tempo, dez anos não é nada. Passam que a gente nem vê.

Mas quem está nessa a 10 anos com certeza já causou um impacto gigantesco. Se seu descanso não é mais escrever, de fato, a idade pode deixar suas marcas e lhe roubar um pouco da energia. Mas basta olhar para trás e ver que o medo de ser esquecido é infundado. Sua jornada é longa e extensa ao ponto de ter deixado marcas eternas. Os comentários que vieram antes do meu são prova.

E se em mim, que pela primeira vez visito seu blog, seus textos deixaram marcas, o que dirá daqueles que já lhe acompanham por esses dez anos?