12 de novembro de 2016

That Special Place

Eu tenho uma facilidade muito grande de chorar em shows. Às vezes o choro vem em capítulos, como nas três vezes que chorei ao assistir a um show do Paul McCartney pela primeira vez; ou ele explode de uma vez e me faz soluçar, como quando o Iron Maiden tocou Wasted Years – já falei aqui neste blog que foi a primeira música deles que ouvi.

E, às vezes, ele é discreto e apenas deixa meus olhos molhados, como aconteceu quando o Guns N’ Roses entrou no palco ontem.

Não foi um momento fácil para mim. Guns N’ Roses foi a primeira banda que eu declarei ser minha, lá pelos idos de 1989 – eu ouvi Beatles antes de ouvir Guns, mas Beatles entrou no rol de “minhas bandas” somente anos depois. Sim, existiram muitas bandas que foram “minhas”.

E o Guns foi a primeira. Assistia ao Clip Trip esperando pelos clipes deles. Acompanhei todas as notícias possíveis sobre Use Your Illusion. Me lembro da fila quilométrica na porta da Woodstock no dia do lançamento, e eu gastei uma fortuna para voltar com os dois álbuns duplos para casa.

Por isso, quando a música começou, eu não olhava para o palco e enxergava três músicos que admiro, e sim três dos maiores heróis que tive na adolescência. Eu bato olho e reconheço as tatuagens, o modo de cada um deles andar pelo palco. Não são ídolos, são os amigos mais velhos que eu admirava. Isso não tem a ver com talento musical, com gênero, com qualidade das músicas. Isso tem a ver com paixão – e paixão, especialmente as adolescentes, não se explica. Elas se vivem.


E a minha paixão por Guns sempre orbitou ao redor de Sweet Child O’ Mine. Musicalmente, não é nem a canção deles que considero a melhor – fico sempre em dúvida entre Civil War e Estranged – mas é a minha preferida. Eu descobri Guns com o vídeo de Knocking on Heaven’s Door, mas a fagulha de verdade se acendeu com o vídeo de Sweet Child O’ Mine.

Tudo ali era perfeito na minha cabeça de catorze anos. A atitude. O som. A voz. O refrão. Tudo – isso inclui a forma que o Slash vira a guitarra no final do solo. Com 14 anos, aquilo não era algo que eu gostava, era algo que eu queria. Não algo que eu queria ter, mas sim algo que eu queria ser.

Por isso, todos os dias, ao voltar da escola, eu colocava o Appetite for Destruction para ouvir enquanto almoçava. Todos os dias. E me sentava à mesa ouvindo os primeiros acordes de My Michelle, porque era sempre o Lado B. Sim, o Lado A tinha Welcome to the Jungle, Mr. Brownstone, Paradise City – mas o Lado B tinha Sweet Child O’ Mine (meu cérebro ainda sabe que era a terceira música). E eu queria essa música antes de tudo.

E, quando ela começava, meu dia começava a fazer sentido.

Sim, quando você tem catorze anos, é fácil assim.

Como eu disse acima, eu tinha todos os motivos do mundo para chorar em Sweet Child O’Mine. Foi escrevendo esse texto que eu descobri porque algumas músicas me fazem chorar: não basta ela ter sido especial para mim; é importante que, em algum momento, eu tenha experimentado a certeza de que nunca a veria ao vivo.

Foi assim com Wasted Years, que o Iron havia deixado de lado nos setlists; foi assim com From Out of Nowhere, do Faith No More (a música abre o lado A do The Real Thing, o disco que substituiu o Appetite for Destruction como trilha sonora do meu almoço quando o Axl Rose já estava até rouco na minha cópia); pois a banda havia acabado. Foi assim com a primeira música dos Beatles que o Paul tocou no Brasil (All my Loving, a terceira do setlist), pois ele passou décadas sem vir ao Brasil.

Na minha vida, esses momentos não são musicais. Eles praticamente encerram ciclos. Como tratam-se de músicas que eu passei anos com a certeza de que nunca as veria ao vivo, ver isso acontecer é consumar uma paixão platônica de anos. É fazer o impossível.

Após ler esse texto, aposto que você tem certeza de que eu iria chorar quando Sweet Child O’Mine começasse a tocar no estádio. Até eu e quem me conhece tinha a certeza.

Mas eu não chorei. O nó na garganta apareceu, mas – e ainda não sei como isso aconteceu – ele se transformou no maior sorriso que eu dei em anos. Em alguns momentos antes do refrão, eu cheguei a rir baixinho, sem conseguir entender minha reação ou mesmo controlá-la.

Talvez meus 14 anos tenham assumido o controle. Talvez eu e meus 14 anos tenhamos nos abraçado. Não sei.

Mas eu sei que cantei a música aos berros – como fiz em 80% do show, e hoje estou completamente sem voz, coisa que não acontecia desde o show do Judas Priest em 2005. E, no final da música, abracei a Esposa e o Enteado e pulei cantando junto toda a parte final.

Agora eu sei que não estava cantando, mas sim conversando comigo mesmo. Eu havia acabado de consumar a maior paixão platônica da minha vida, então, abracei minha família e, junto com Axl Rose, perguntei “para onde nós vamos? para onde nós vamos agora?”.

Porque, eu realmente, não sei para onde ir depois desse momento.

Mas, se existe algo que eu aprendi nos quase trinta anos que eu vivi ouvindo música pelo menos uma vez por dia na minha vida, é que não importa onde eu for, mas sim essas músicas estarem ao meu lado e ao lado de quem amo.

Importa eu saber que o moleque que eu fui com 14 anos ficaria muito orgulhoso de mim por ter chorado em todos esses shows. Mas ele ficaria mais orgulhoso ainda do show que eu não chorei. Afinal, esse show foi a maior paixão platônica que ele teve.

E agora ela está consumada.

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