21 de junho de 2016

Fanfic Real

Eu estava voltando para casa mas parei no mercado. Comprei um suco para beber e deveria ter saído do mercado apenas com a sacola e minha bolsa. Mas como estou mudando de casa, aproveitei e pedi uma caixas de papelão no mercado, porque eles sempre têm umas sobrando ali. Me deram quatro caixas, que era o que eu conseguia carregar, e fui para casa.

O problema é que como sou pequena e estava levando as caixas empilhadas na frente do corpo, a pilha começou a se desequilibrar assim que eu estava atravessando a rua. Para piorar, a alça da minha bolsa começou a escorregar pelo ombro. Se eu não fizesse algo, tudo iria cair: caixas e bolsa. Assim, atravessei a rua andando apressada – ou o mais rápido que pude, porque como está frio estou com roupas grossas e se eu andasse muito rápido as caixas cairiam.

Chegando ao outro lado da rua, vi um portão de um escritório que já estava fechado e resolvi aproveitá-lo para resolver minha situação. Sem largar as caixas, apoiei a pilha no portão, pressionando-a com meu corpo e tentei livrar uma das mãos para arrumar a bolsa no ombro. Estava quase conseguindo quando ele apareceu.

Devia estar me espreitando, pois ele sabia exatamente o que eu estava passando e qual o melhor momento de agir. Era baixo, devia ter uns quarenta anos e seu rosto estava parcialmente escondido por um gorro. Ele se aproximou de mim e perguntou:

– Quer ajuda?

Eu disse que sim, porque minha caixas iam cair. Então, ele tomou as caixas da minha mão e ficou segurando a pilha para que eu pudesse ajeitar minha bolsa no ombro. Quando finalmente consegui fazer isso, ele me entregou as caixas e eu peguei a pilha novamente.

Mas ele não parecia disposto a desistir. Assim, ele pegou novamente a pilha de caixas e a virou, para que o lado mais largo das caixas ficasse apoiado no meu corpo.

– Assim, o peso fica mais distribuído e fica mais difícil delas caírem.

Dei uma leve balançada na pilha de caixas e vi que ele tinha razão. Elas estavam mais firmes e para uma pessoa que estava com uma jaqueta grossa como a minha, sem poder me mexer muito, isso faria diferença.

– Você tem razão.

– Agora é só ir com cuidado que nada vai cair. E cuidado, o chão está molhado.

– Obrigada, moço. Estava caindo tudo aqui.

– Imagina. Eu vi que você estava quase derrubando as caixas. Posso te ajudar em algo mais?

– Não, obrigada. Agora as caixas estão firmes.

– Bem, boa sorte.

Ele sorriu e foi embora. Devia morar ali perto, pois estava com uma chave na mão. Foi quando eu percebi que algo estava errado. Olhei ao redor tentando entender o que estava me incomodando...

E percebi que não havia criança nenhuma ao nosso redor.

Não havia uma menina de quatro anos falando sobre quebrar paradigmas, nem um garoto usando a pilha de caixas como exemplo do trabalho escravo na indústria de papelão, muito menos uma criança de dois anos usando uma camiseta com a inscrição “existe amor em São Paulo” dizendo a todos que “as pessoas ao nosso redor aplaudiram, eu estava lá e foi lindo”.

Talvez porque nós estivéssemos na rua e não no metrô, que parece ser o habitat natural dessas criaturas. Ou talvez porque essas crianças não existam em histórias baseadas em fatos reais.

Ainda bem que o sujeito que me ajudou com as caixas têm um blog com histórias que não precisam dessas crianças.

3 comentários:

Varotto disse...

Bingo!

Unknown disse...

Recomendo:
http://twitter.com/FanficsHonestas

Akari Lawson disse...

Além de concordar totalmente e odiar essas crianças, puxa puxa mew, fiquei procurando alguma nota falando que foi outra pessoa que escreveu! Vc sabe escrever com outras vozes!!! Isso é demais!!! Um dia eu chego lá!!