4 de novembro de 2014

Um Pouco de Mim

Um pouco de mim tem escutado outras pessoas nos últimos dias. Os assuntos são sempre os mesmos: problemas. Problemas no trabalho, problemas no relacionamento, problemas aqui e ali. Parece que hoje as pessoas vivem problemas. Aconselho da melhor forma possível, mesmo sabendo que algumas questões simplesmente não têm resposta, não tem fórmula, não tem equação.

Um pouco de mim sempre fica pensando depois dessas conversas. Acho que é inevitável analisar sua própria vida quando vê a vida de outra pessoa colocada na mesa. Mas também porque nas conversas que tenho com as pessoas, sempre uso a mim como exemplo de coisas que faço e que escolhi, de erros e acertos. Não que eu tenha razão, apenas é a minha experiência.

Um pouco de mim acha que eu deveria ganhar mais dinheiro. Veja bem, não é trabalhar mais, e sim ganhar mais dinheiro. Acha que eu escrevo bem o suficiente para viver de forma confortável e estável, sem precisar fazer contas antes de comprar algo maior, sem precisar contar quantas vezes janto fora por mês ou escolher quais quadrinhos eu poderei comprar no próximo mês.

Um pouco de mim, por outro lado, não pensa em dinheiro; pensa apenas em escrever. Provavelmente é este pouco de mim que está digitando isso aqui. Ele ouve as pessoas reclamando do quanto seus empregos são insuportáveis e sorri discretamente, pensando que tem a sorte de fazer justamente aquilo que gosta. Ele não se importa de escrever sobre pregos ou sobre política. Escrever é o que ele gosta e ele fica bem feliz com isso.

Um pouco de mim gosta de escrever, mas quer apenas escrever crônicas e contos. Criar mundos, inventar personagens e suas histórias. Mas ele sabe que isso é impossível. Ou melhor, que isso é impossível hoje. Talvez ele acredite que isso vá acontecer um dia, mas ele não pensa muito nisso hoje. Acha que se isso tiver que acontecer, vai acontecer na hora certa, quando eu estiver pronto para isso.

Um pouco de mim pensa bastante sobre essa questão de “hora certa” quando pensa no meu casamento. Ele sabe que tenho sorte em ter um relacionamento totalmente baseado em companheirismo e parceria, mas sabe também que isso aconteceu na hora certa. Ele tem consciência que todos os meus relacionamentos certos e errados que estão no meu passado serviram somente para me preparar para viver em paz hoje.

Um pouco de mim adora essa paz. Adora a ideia de poder conversar com a minha esposa sobre o assunto que quiser, e ver acontecimentos que, em outros relacionamentos dão brigas de hora e meia (sem começo ou fim e com direito a gritos na rua) serem, no meu casamento, justamente o que deveriam ser: nada. E não por omissão, mas por inteligência.

Um pouco de mim sabe que inteligência é diferente de esperteza. Inteligência serve a um bem maior, esperteza serve a você mesmo. E num relacionamento, quando é preciso servir a si mesmo, quando é preciso ser esperto, é porque as coisas não estão funcionando como deveria. Um precisa cuidar do outro, e a partir do momento que um pensa somente em se servir, o relacionamento já acabou, mesmo que ainda não tenha chegado ao fim.

Um pouco de mim pensa muito sobre começos e fins. Olha para o passado e vê coisas que eu já deveria ter começado e que deveria ter terminado muito antes que acabassem, mas aprende com isso. Aprende a identificar as coisas que já terminaram, e, mais importante que tudo, aprende que quando tudo está difícil em algum assunto é porque ainda está no começo e tem muito chão pela frente.

Um pouco de mim gosta dessa ideia de ter muito chão pela frente. É um pedaço de mim que se recusa a acreditar que estou perto dos quarenta anos. Mas ele faz isso da melhor forma possível, me ensinando a pensar como uma pessoa de trinta e nove anos e a sentir como um menino de doze que acabou de entrar em férias e tem um mundo de opções e escolhas pela frente.

Um pouco de mim aprendeu isso graças ao “Ano Perdido”, em que tive depressão e síndrome do pânico. É um ano do qual não lembro quase nada, como se fosse um hiato na minha vida e sempre me atrapalho pensando se isso aconteceu dois ou três ou quatro anos atrás por causa desse vácuo nas minhas memórias.

Um pouco de mim acha que esse é um preço razoavelmente pequeno a se pagar perto da lição que aprendi: seja em trabalho, seja em relacionamentos, eu não abro mão da qualidade de vida. Eu não abro mão da me sentir em paz. Tenho preocupações, obrigações, sonhos, dúvidas... Mas preciso me sentir em paz. Já abri mão disso em nome de coisas que não mereciam, e paguei um preço alto demais e que não pretendo pagar de novo.

Um pouco de mim sempre fala isso para as pessoas que conversam comigo: você precisa escolher ficar em paz. E hoje eu sei que “ser feliz” e “estar em paz” não é consequência, é escolha. Demorei até entender isso, mas sei que tem gente que morre sem entender, então me considero não mais inteligente que os outros, mas sim uma pessoa de sorte.

Um pouco de mim, aliás, acha que essa é a definição de sorte: quando sua história chegou a um final feliz...

E, ao mesmo tempo, ela ainda está no começo e que tem muito chão pela frente. Vai ser divertido – que, no final das contas, é o que tudo – trabalho, relacionamentos, projetos – precisa ser. Afinal, serão dias fáceis e dias difíceis. Mas cabe a mim, e somente a mim, escolher como lidar com cada um deles.

5 comentários:

Marcie disse...

Texto maravilhoso, Rob. Como sempre.
Das sortes maiores na vida escolher um trabalho de que gosta e ter um/a companheiro/a que nos entenda e nos aceite está dentre as maiores.

Varotto disse...

Apoiado e admirado.

Amanda Tracera disse...

Lindo texto, Rob. (:

Barba Ruiva disse...

Obrigado pela dica! Um pouco muito importante de mim precisava ler isso hoje! :)

Anônimo disse...

Excelente Cara!
Por isso virei seu fã, e vez em quando venho aqui conferir pérolas como essa.
Parabéns!!!

Iury