3 de dezembro de 2012

William Wallace e o Bradesco


Fazia tempo que eu não precisava ir a um banco.

Aliás, este talvez seja o grande avanço tecnológico das últimas décadas: possibilitar que as pessoas não precisem ir ao banco.

Por outro lado, com isso é possível entender o motivo da Igreja não aprovar muitas das descobertas tecnológicas. Como em agências bancárias você paga não apenas suas contas, mas (principalmente) seus pecados, o inferno deve estar transbordando de almas, já que as pessoas não precisam mais pegar fila graças aos home bankings.

Enfim, pela primeira vez em anos, precisei ir pessoalmente a dois bancos nos últimos dias.

A primeira foi em uma agência da Caixa, semana passada. Em poucos minutos, percebi que as agências bancárias estão dentro de um limbo temporal, vivendo uma espécie de paradoxo: enquanto a tecnologia permite que as pessoas não precisem mais ir ao banco como antigamente, o interior da agência continua congelado em algum lugar da década de 80. Tudo é atrasado, mal planejado e nada funciona.

Aparentemente, quem organizou o funcionamento da agência é alguém que sofre de dislexia: você pega uma senha e espera ser chamado em um dos monitores: no monitor da esquerda – e quando eu digo esquerda, é lá na esquerda mesmo, no canto do banco, a duas estações de metrô de distância da porta – são chamadas as pessoas que serão atendidas nos guichês da direita; no monitor da direita, são chamadas as pessoas que serão atendidas nos caixas da esquerda.

No meio disso tudo, uma menina trajando um colete do banco, uma calça jeans e chinelos, que está encarregada de distribuir senhas erradas para as pessoas e proibir que os clientes retirem suas próprias senhas na máquina de atendimento automático (o interessante é que a máquina é de “atendimento automático”, mas nenhum cliente pode sequer chegar perto dela, devido à presença da guardiã das senhas).

Enfim, depois de algumas horas lá dentro, saí da agência jurando a menina de morte – eu e ela tivemos alguns problemas durante minha (longa) estada lá dentro – e jurando nunca mais colocar os pés dentro de um banco.

Hoje, foi a vez do Bradesco.

Precisava pagar uma conta no caixa e, assim que coloquei os pés lá dentro...

Não, estou me adiantando. Demorou até que eu colocasse os pés lá dentro, pois fui barrado na porta. Tive que dar meia volta e esvaziar meus bolsos, retirando carteira, iPod, isqueiro, maço de cigarros e moedas. Curiosamente, deixei meu chaveiro de metal no bolso, de propósito, e mesmo assim tive minha entrada liberada.

Enfim, entrei, recolhi minhas coisas e, enquanto guardava a carteira, me desanimei. Dezenas de pessoas aguardavam na fila, enquanto somente dois caixas atendiam os clientes – na verdade, três caixas funcionavam, mas um deles era de atendimento prioritário.

Felizmente, desta vez eu estava armado com meu iPod e minha coleção de músicas. Segurando humildemente a conta que eu precisava pagar, fui para o final da fila e coloquei os fones de ouvido, me preparando para ouvir a discografia inteira do Judas Priest – incluindo os álbuns ao vivo – antes de ser atendido.

Minha previsão foi acertada: a fila andava praticamente com velocidade média de zero quilômetros por hora. Foi quando eu concluí que neste tempo no qual a tecnologia faz com que tudo seja interligado, as agências do Bradesco em São Paulo estão conectadas diretamente com a Rebouças. Se a Rebouças para, a fila para. Como a Rebouças nunca está andando – e isso nos meses normais, imagine agora que é dezembro –, a conta não é difícil.

Estava pensando sobre isso quando vi uma correria ao meu lado. Por um momento, pensei que o banco pudesse estar assaltado por alguma outra pessoa que, assim como eu, entrou com a chave de casa nos bolsos e agora a segurava no pescoço de um dos gerentes, mandando o sujeito abrir o cofre, mas não era nada disso.

Tirei os fones e olhei na direção da confusão a tempo de ver um office-boy de dois metros de altura, que era a quinta ou sexta pessoa à minha frente, se estatelando no chão, enrolado nos cordões que delimitam a fila. Aparentemente, sua pressão despencou e ele quase desmaiou, caindo no chão mais para lá do que para cá.

Dois homens ao lado dele abaixaram-se para acudi-lo. Um dos seguranças veio correndo, não sei se para ajudar o rapaz ou comunicá-lo que o Kassab proibiu as pessoas de desmaiarem dentro de bancos e, por isso ele precisaria se levantar. Eu fiquei no meu lugar porque acredito que tudo o que garoto não precisava era uma multidão se aglomerando em cima dele.

Foi quando eu ouvi berros ao meu lado.

- Também, estamos há horas aqui na fila!

Olhei e vi um sujeito que era a cara do Castrinho, com os punhos cerrados em direção aos caixas. Ele continuou seu discurso.

- Existe uma lei que as pessoas não podem ficar mais de meia hora no banco! É uma lei! O menino desmaiou por causa disso!

Seu discurso inflamado e inspirador contagiou uma velha ao meu lado. Erguendo sua conta de luz em forma de protesto, ela aderiu ao movimento.

- Mas também, tem cinquenta pessoas na fila e somente dois caixas funcionando! É um disparate!

Achei que ela seria ignorada, já que ninguém mais usa a palavra “disparate”, e metade das pessoas ali nem devem saber o que isso significa, mas sua mensagem sobre os dois caixas funcionando foi entendida pelas pessoas.

- Nós estamos em cinquenta e somente dois caixas atendendo! E os gerentes ali, de gravata, ignorando isso! Por que não abrem outro caixa?

As pessoas começaram a se agitar. A situação política, que já estava difícil a hora que entrei no banco, tornou-se insustentável. E o Castrinho, aparentemente, havia aceitado de bom grado o papel de líder.

- Nós somos cinquenta! Na fila dos idosos estão mais dez pessoas! Se nos juntarmos com as pessoas que estão aguardando para falar com os gerentes, seremos quase setenta pessoas! Eles não vão poder nos ignorar!

Então, era isso. O Castrinho devia ser algum descendente do William Wallace, e sabia que a única maneira de derrotar os malditos ingleses que trabalhavam no banco era unindo os clãs. O povo escocês precisava deixar de lado suas aspirações pessoais, como pagar a conta da TV a cabo ou transferir dinheiro para os filhos em nome de um bem comum: a derrocada dos ingleses que controlavam o banco, obrigando as tribos da highlands a pegarem filas quilométricas aos custos de suas próprias vidas.

- Nós somos maioria!

- Isso não pode ficar assim!

- Vamos reclamar com a gerência!

- Precisamos nos unir!

O MacCastrinho já estava pronto para colocar seus planos em prática. Olhou ao redor, contabilizando quantas pessoas poderia arregimentar para seu exército. Seu próximo passo seria pintar o rosto de azul e correr pelo banco, ao som de uma gaita de foles, convencendo os líderes de cada tribo – idosos, pessoas que aguardavam para falar com a gerência ou que sacavam dinheiro nos caixas automáticos – a se unirem em torno de um único ideal: a liberdade.

- SONS OF SCOTLAND!

Todos olharam na direção do grito, avistando seu autor: o baixinho careca que, com os braços levantados e abertos pedia pelo direito de falar. Segurava uma conta na mão e possuía dois fones de ouvidos pendurados ao lado do pescoço, por onde era possível ouvir, bem baixinho, uma música do Judas Priest.

Respirei fundo e, aproveitando que havia conquistado a atenção de todos, continuei.

- Não é melhor ajudarmos esse menino que está no chão a se sentar numa cadeira e pegarmos água para ele?

Todos se voltaram para o office boy no chão. Menos o MacCastrinho, que me olhou com ódio por atrapalhar seus planos de conquista.

- É verdade!

- O menino quase desmaiou!

- Precisamos ajudá-lo!

Assim, levaram o garoto para um banco ao lado dos idosos, e foram correndo buscar água para ele. Logo, o menino se recompôs, e isso fez com que a tensão se aliviasse um pouco.

A fila voltou ao normal, menos para o MacCastrinho, que continuou praguejando sobre o atendimento do banco, sobre a pouca vergonha que é isso, e tentando construir um novo exército recrutando as duas pessoas ao seu lado: uma garota que parecia mais interessada no livro que lia, e uma velha que estava esperando apenas uma oportunidade para mostrar a foto dos netos ao líder escocês. E sempre me jogando olhares de ódio.

Fui atendido, paguei minha conta e fui embora. E o líder escocês continuou na fila.

No ano de 2012 do Nosso Senhor, MacCastrinho, sozinho e faminto, lutou como um guerreiro poeta, como um verdadeiro escocês. E conquistou sua liberdade.

Mas deve ter demorado, pois quando saí do banco ainda tinha quase dez pessoas na frente dele. 

12 comentários:

Michele disse...

e a pessoa aqui, no auge da febre, que me confunde william wallace com william waack?

ok, remédios e mt descanso, longe do pc, pra mim

renata de toledo disse...

Gargalhadas daquelas de doer a barriga aqui, por esta sua criada que além de advogada - vivenciando esse mesmo purgatório de almas nas filas dos balcões do Fórum - ainda é advogada... de banco. Creia em mim, o lado de trás do balcão é ainda pior. Adorei, como sempre!

Adriano Matos disse...

Belo relato do que acontece nesses bancos ! Quando existe a necessidade de ir ao banco, é de se pensar aonde foi que erramos !

Pelo menos essa ida ao banco rendeu um post !

Fagner Franco disse...

Banco online, de fato, é uma benção do século XXI (surgiu antes, mas não com tanta praticidade, acho). Mas o que me irrita é que, lá no banco, pessoalmente, como você mesmo disse, estão estacionados em algum lugar do velho oeste.

Por exemplo, pra sacar dinheiro sem cartão precisa ser na agência onde você tem conta - como se os computadores não se comunicassem, não estivessem em rede e como se fizesse diferença meu rosto e meus documentos sendo na minha agência ou não. Aliás, há muita coisa que se pode fazer apenas na agência onde tem conta.

Quanto aos reclamões de plantão (sempre tem um), os vejo como jogadores que vão reclamar com juiz, como se ele fosse voltar atrás: "Olha, Kleber, você tem razão, você não merece este cartão. Assistente, consegue um microfone, por favor. Preciso avisar ao estádio e redes transmissoras que errei e que vou retirar o vermelho do Kleber. Valeu, Kleber". Mesma coisa no banco. "Gente, verdade, deixa eu chamar aqui alguns gerentes, pessoal ali que está almoçando etc, pra me ajudar aqui". NUNCA ACONTECE, NUNCA VAI ACONTECER e o povo continua ali, reclamando.

To falando pra caralho, enfim. Foi mal!

Varotto disse...

Cara, você gritou mesmo "sons of Scotland"?

Kel Sodré disse...

"...neste tempo no qual a tecnologia faz com que tudo seja interligado, as agências do Bradesco em São Paulo estão conectadas diretamente com a Rebouças. Se a Rebouças para, a fila para. Como a Rebouças nunca está andando – e isso nos meses normais, imagine agora que é dezembro –, a conta não é difícil."

Ri horrores!

Olha, quer me ver de mau humor é quando eu tenho que ir ao banco! Claro: você sempre VAI ao banco. Não existe essa coisa de "dar uma passadinha" no banco. Você NUNCA dá uma passadinha no banco, porque, toda vez que você vai lá, passam-se horas até você conseguir sair. Sempre.

Quando eu não consigo pagar o condomínio (única conta que não está no débito automático) pelo internet banking eu SOFRO. Choro rios, me debato, esperneio. E deixo o condomínio atrasar até o outro mês. Porque assim eu justifico a minha ida ao banco pagando dois boletos em vez de um só. rs

Rob Gordon disse...

Michele:

Espero que tenha melhorado.

Beijos!

Rob

Rob Gordon disse...

Renata de Toledo:

Eu nunca tinha pensado sobre isso: o outro lado do balcão ser tão ruim quanto. Mas pelo menos vocês podem usar o celular, né?

Beijos!

Rob

Rob Gordon disse...

Adriano Matos:

"É de se pensar onde foi que erramos." Disse tudo, cara.

Abraços!

Rob

Rob Gordon disse...

Fagner:

sua comparação com os jogadores que vão lá reclamar com o juiz é genial. Ri alto aqui!

Abraços!

Rob

Rob Gordon disse...

Varotto:

Adivinhe.

Abraços!

Rob

Rob Gordon disse...

Kel:

Ir ao banco na esquina é pior que ter que ir ao outro lado da cidade a pé. Isso independe do banco e da cidade.

Beijos!

Rob