E mercado, no final do ano, é um
assunto que sozinho renderia um blog. Aparentemente, entre os dias 20 e 31 de
dezembro, os mercados fazem uma seleção de tudo o que de pior andou pelos seus
corredores ao longo do ano.
São famílias de vinte pessoas que
fazem compras de mãos dadas – sim, todos os vinte; a alma penada da senhora de
idade que vaga pelos corredores e, sem saber que está morta, tenta puxar papo
com as pessoas vivas; a mulher que faz compras com o cãozinho no colo (e
descobre que levar o cachorro talvez não tenha sido boa ideia ao passar pela
seção das carnes); o casal de namorados que resolve celebrar a paixão quase
copulando na parte mais discreta da seção de vinhos.
E, no meio disso tudo, eu e a
Esposa, com as compras de Ano Novo, tentando arrumar um lugar na fila de um dos
caixas. Missão cumprida, precisávamos apenas escolher na fila de qual caixa
entraríamos. Decidimos por uma fila um pouco mais vazia, que tinha somente duas
pessoas – que aparentemente, estavam juntas – e começando a ser atendidas.
Assim, pedi a Esposa que
esperasse um pouco na fila enquanto eu fosse fumar um cigarro na calçada. Mais
que fumar, eu queria um pouco de ar e alguns minutos longe do barulho, visto
que poucas horas antes eu havia sofrido uma crise de enxaqueca violenta – o que
me fez fazer compras de óculos escuros.
Chovia aos cântaros em São Paulo.
Parei num canto coberto, na porta da loja e acendi um cigarro, deixando meu
cérebro descansar um pouco da multidão de pessoas do mercado. E, aos poucos,
minha mente decidiu ir um pouco mais longe – algo que acontece sempre que eu
fico mais de dois minutos sozinho.
Comecei a pensar a respeito da
ceia de Ano Novo, no que eu espero para o próximo ano, quais as minhas
resoluções e desejos para 2013. Pensei sobre meus planos, sonhos e
expectativas, sobre como eu gostaria de estar dentro de um ano, sobre o velho
com cara de bêbado que estava parado ao meu lado olhando fixamente para mim.
Sim. Havia um velho com cara de
bêbado parado exatamente ao meu lado, olhando exatamente para mim. Aproveitando
que estava de óculos escuros, olhei para ele sem mover a cabeça (o que fez a
enxaqueca ranger dentro de mim). Carregava uma sacola do mercado que continha
uma garrafa – que não devia ser de Fanta Laranja ou de água – e usava uma camisa azul
de algum time de várzea (com aqueles nomes que somente times de várzea possuem,
tipo Associação Esportiva Jardim Roberto ou Bar Ferreira Futebol Clube).
Decidi ignorá-lo. Tudo o que eu
não queria era um maluco cutucando minha enxaqueca. Assim, novamente
aproveitando meus óculos escuros, fingi que era cego e que nem havia percebido
sua presença ali.
Fiquei imóvel, alheio a tudo. Na
verdade, eu usei totalmente o pinball wizard mode: on e decidi que além de cego, eu também era surdo e mudo também. Para mim, a mensagem que eu passava ao sujeito era
clara: se quiser falar comigo, arrume uma máquina de fliperama.
- UTIDI!
Quase enfartei quando o velho
gritou do meu lado. E o problema é que, como não tenho muita experiência em
enfartos, eu acabei demonstrando meu susto (pulando e quase jogando o cigarro
para o alto). E assim terminaram meus planos de ignorar o velho.
Imediatamente, meus neurônios
começaram a celebrar a presença de um maluco ao meu lado da sua forma
tradicional: todos pararam o que estavam fazendo e correram para o meio do
cérebro, entoando Can I Play With Madness, do Iron Maiden, e dançando.
Tentei ignorar a música que vinha
de dentro da minha cabeça e me concentrei no velho.
O que mais me incomodou foi ele
ter falado comigo na língua dos jawas. Sim, os jawas gritam “Utidi” nos filmes
de Star Wars. Eu sei isso, e qualquer pessoa que, como eu, assistiu à Trilogia Clássica
dezenas de vezes, sabe disso.
Enquanto meus neurônios ainda
celebravam, eu fui obrigado a estabelecer contato com aquela forma de vida –
mesmo porque o sujeito continuava parado ao meu lado, esperando por uma
resposta.
- Perdão?
- UTIDI!
“Can I play with madness? The prophet stared at his crystal ball! Can I
play with madness? There's
no vision there at all!”, meus neurônios
responderam, enquanto eu considerei um pouco as opções.
Veja bem, eu tenho 1.60m. Se eu estivesse de capuz, me tornaria
praticamente um jawa e entenderia perfeitamente alguém gritar Utidi para mim.
Além de baixinho, eu sou gordo. Ou seja, caso estivesse com uma roupa azul e
branca, me tornaria uma espécie de R2-D2 do 3º Mundo, e entenderia
perfeitamente alguém gritar Utidi para mim.
Mas não era o caso. Eu estava sem capuz e com uma camiseta preta dos
Beatles. Não fazia sentido.
- Desculpe, mas...
- UTIDI!
(“Can I play with madness?
The prophet looked and he laughed at me! Can I play with madness? He said
you're blind, too blind to see!”)
Definitivamente,
era um jawa. Lá estava eu, conversando
com um jawa perdido na porta do Walmart da Avenida Jabaquara (que, agora estou
pensando, deve ficar nas imediações de Tatooine). Não era uma situação das mais
confortáveis, mas admito que poderia ser pior. Poderia ser um membro do Povo de
Areia.
Contudo, isso não tornava minha vida mais
fácil. Afinal, tudo o que eu falo na língua dos jawas é “utidi”, que eu nem sei
ao certo o que significa. E o jawa com cara de bêbado parecia ansioso por uma
resposta
Assim, decidi usar o único truque que
comprovadamente funciona em todos os cantos do universo. Cavaleiros Jedi, vulcanos
e os tripulantes da Galactica sempre se utilizam deste macete com sucesso. O
velho e bom truque do “sorri e concorda”.
Olhei para o velho e sorri para ele.
- Sim. Utidi.
- UTIDI!
- Isso aí. Utidi.
O velho pensou um pouco, sorriu para mim e
foi embora, ignorando a chuva. Eu terminei de fumar, enquanto meus neurônios
terminavam sua canção e voltaram aos seus afazeres comuns. E, quando tudo
parecia terminado, apaguei o cigarro e olhei para cima, em direção às nuvens
negras.
- Vocês não desistem nunca, certo?
Tudo o que eu ouvi foram risinhos abafados
vindo por trás das nuvens. Olhei ao redor, para as outras pessoas, e ninguém
havia escutado nada, por causa da chuva. Somente eu. E eu sabia o que aqueles
risinhos significavam.
Traduzindo em palavras, seria algo como um “O
nosso 2013 promete, Rob Gordon”.
Ô fase.
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3 comentários:
Eu não devia dizer isso, mas ainda bem que você é um para-raio de maluco. A vida fica muito mais divertida lendo suas desventuras - que dá até pra dizer que são em série...
Os jawas que eu conheço falam UDINI.
mas os do Rob falam UTIDI. deixa ele =P
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