Eu podia jurar que já havia contado esta história no blog antes. Mas, pelos comentários recebidos no post Ópera do Malandro, a pequena saga da primeira vez em que fui assaltado – aquela em que apanhei mais que um bife de pensão – permanecia inédita aqui.
Vamos remediar isso agora.
Eu devia ter por volta de quinze anos e era dia de eleição. Sim, ao contrário do que algumas pessoas podem pensar, quando eu tinha 15 anos o Brasil já vivia um processo democrático e – sim, acreditem – o sistema de capitanias hereditárias já pertencia ao passado.
Mas vou ser sincero: não consigo me recordar em qual eleição isso aconteceu. Minha memória insiste em dizer que foi aquela em que o Quércia se tornou governador, mas posso estar enganado.
Enfim, após o término da votação, eu e um amigo de escola que morava perto de casa resolvemos dar uma volta no Shopping Ibirapuera. Ficamos por lá algum tempo e, como tudo estava fechado, decidimos ir embora para casa, subindo uma rua paralela ao shopping.
E tudo aconteceu no primeiro quarteirão desta rua, em frente ao prédio da Unib (que, à época, se chamava apenas FIB – Faculdades Ibirapuera) e um dos principais locais de votação de Moema. Inclusive, é ali que eu voto. E toda a minha família. E o Raul Gil (juro) e o Zé Dirceu também (juro por Deus!).
Aliás, algo me ocorreu agora. Ser assaltado em frente a um local freqüentado pelo Zé Dirceu pode ser classificado como justiça poética; mas ser assaltado no dia em que o Quércia é eleito é quase uma profecia. Se Nostradamus estivesse do outro lado da rua, aposto que ele correria até mim, se ajoelharia aos meus pés e me chamaria de Mestre.
Mas voltemos à história. Horas antes, o local, claro, era um formigueiro humano. Mas, por volta das 19h00min, estava deserto. Apenas nós dois na rua.
Andávamos conversando, provavelmente reclamando que teríamos aula no dia seguinte, ou talvez conversando sobre música. Sinceramente, não me recordo. A única coisa da qual lembro é que, num determinado momento, meu amigo disparou e saiu correndo, me deixando sozinho na calçada.
Assim, do nada.
Eu não entendi absolutamente nada, mas também não tive muito tempo de pensar a respeito.
Ao olhar para trás em busca de uma explicação, vi um carro estacionando atrás de mim. Era um Fiat 147, daqueles cremes, que abundavam nas ruas de São Paulo à época.
Não tive muito tempo para reagir ou correr. Na verdade, eu ainda não estava entendendo nada, já que tudo foi muito rápido. Antes que eu percebesse, a porta do passageiro havia se aberto e um negrão estava saindo lá de dentro.
Pensando hoje, com calma, ainda fico em dúvida como eles fizeram para colocar um sujeito daquele tamanho dentro de um Fiat. Talvez tivessem construído o carro ao redor dele. O cara era tão grande que na verdade ele não apenas saiu do carro; ele saiu do carro e começou a se desdobrar.
Primeiro, o tórax; depois, um braço, seguido pelo outro; depois o tórax novamente; as pernas, mais um pouco do tórax e, por fim, a cabeça.
Não era apenas um negrão, era quase um monstro. O sujeito era tão grande que, se jogasse futebol, formaria sozinho uma zaga inteira – e isso contando os laterais e o volante. Aliás, se ele ficasse parado algumas horas ali na calçada, os mapas de Moema teriam que ser alterados para a inclusão de uma nova montanha na geografia local.
Infelizmente, ele não estava parado, mas sim andando na minha direção e falando alguma coisa.
E claro que ele não estava se apresentando ou pedindo informações
- Passa aí o relógio, o tênis e a carteira.
Então era isso. Aquele acidente geográfico que daria uma surra em metade dos personagens de Street Fighter – e sem usar os golpes especiais – ia me assaltar.
Na verdade, senti um pouco de consolo. Afinal, ao contrário de muitos dos meus amigos, eu nunca havia sido assaltado, mesmo morando a maior parte da minha vida em São Paulo.
E, na Moema dos anos 80, ser assaltado era praticamente um baile de debutantes: marcava o seu ingresso na sociedade, transformava você em adulto e garantia seu respeito junto aos amigos. Sempre que eu afirmava nunca ter sido assaltado, algumas pessoas até me olhavam torto e cochichavam um “fresco” com os outros.
Bem, já que eu iria ser assaltado, estava decidido a fazer a coisa direito.
E uma dúvida surgiu na minha mente: por que ele precisaria da minha carteira?
Tudo o que Montanha precisava era do meu dinheiro, e não do meu RG recém-tirado.
Claro que ele poderia usar a minha identidade para começar a se apresentar com um nome falso, mas isso não funcionaria no caso dele. Afinal, ele era tão grande que seu rosto não caberia em uma foto 3x4, independente do RG ser dele ou não (certamente, a identidade dele deveria ser impressa em uma cartolina).
Eu, por outro lado, precisava do meu RG.
Quer dizer, acho que eu precisava. Na verdade, a única coisa que ele atestava é que eu não tinha idade para comprar bebida, mas eu sabia que aquele negócio verde na carteira era importante.
E assim eu resolvi expor a minha opinião. Além disso, era dia de eleição, a tal “grande festa da democracia”, o que me dava certa voz ativa como cidadão.
Olhei para os céus e, logo acima da terceira nuvem, estava seu rosto. Encarei o sujeito, respirei fundo e disparei:
- Então, a carteira você não vai levar.
Fui firme, mas polido. Deixei clara a minha posição, e sem ser grosseiro. Éramos ambos adultos – quer dizer, ele era – e vivíamos em um país livre.
E, veja bem, um assalto não é nada mais que uma negociação. Tudo bem, admito que tudo o que uma das partes deseja é possuir tudo o que a outra tem; enquanto a segunda quer apenas permanecer viva. Mas, ainda assim, é uma negociação. Cada parte vai fazendo propostas e contrapropostas até o assunto ser resolvido.
Mas minha aposta estava feita. Agora era o momento de esperar a reação dele. Será que ele pagaria para ver, ou fugiria do meu blefe?
Sabem... Existe uma frase sobre pôquer que diz que “se em quinze minutos você não descobriu quem é o idiota da mesa, é porque o idiota da mesa é você”. Bom, o jogo havia começado há alguns segundos e eu estava perto de descobrir quem era o idiota da mesa. E da pior maneira possível.
Mesmo porque só eu estava jogando pôquer ali. O negrão estava jogando mesmo era buraco.
E, aparentemente, ele estava pronto para bater.
(Continua...)
23 comentários:
isso tá me fazendo lembrar de qd eu fui assaltada pela 1ª vez... eu e uma amiga com síndrome do pânico, andando pelo canal 4, ali em Santos, indo tomar UM SUCO no bar. na minha bolsa: cigarro, isqueiro, pente do motel(não me condenem), um RG q atestava meus 18 anos INCOMPLETOS, meu batom favorito, minha chave de casa... enfim, o cara passou, levou tudo, me apontou uma arma, eu chorei como uma desesperada e tive que tirar outra via do RG. fora q fiquei sem cigarro, então imagina o estado que eu tava...
Aaahhh Moema dos anos 90... Terra de adolescentes bêbados (me incluindo, claro), exibicionistas dementes que adoravam balançar suas "coisas" para pobres menininhas no meio da rua (eu, diga-se de passagem ¬¬), ladrões de 8 anos armados que levavam seu relógio e seu passe de ônibus (sim, naquela época usávamos "passe" e o puto levou junto com o meu Champion
o-ri-gi-nal dos anos 80 que matava qualquer hipster de inveja)...
Uma aventura diária.
E nessa época o Zé Dirceu morava no meu prédio na Vila Clementino. Super demais. #NOT
(Tô cho ca da que você nunca me contou essa história! humpf!)
Sei não... Aposto que o tamanho desse cara deve ter aumentado muito com o passar dos anos, e das vezes em que você contou essa história. Mas de qualquer jeito, quanto ao seu tamanho em relação ao carro, ele deve ter feito curso de pilotagem com esse cara aqui:
http://www.brooklynvegan.com/img/music2/clowncar.jpg
Pensando bem, imagino que o Fiat 147 não fosse conversível (ou pelo menos não era até o rapaz tentar sair de dentro).
Eu sempre tive orgulho do fato de nunca ter sido assaltado. Mas, depois desse post começo a pensar que talvez eu seja um "fresco".
Hum... Entendo.
Michele:
O problema não é o que levam, mas é a invasão - ainda mais no seu caso, que rolou até arma. É muito traumático. Pelo menos, tudo acabou bem (dentro do possível), né?
Beijos!
Rob
Ana:
Ah, Moema dos anos 90... Terra de ninguém (e se eu fosse continuar enumerando as coisas estranhas que habitavam aquelas ruas, não falaríamos mais de outra coisa).
Agora... Como assim eu nunca contei essa história? Claro que já contei!
Beijos!
Rob
Varotto:
Vai por mim, o cara era grande. E a proporção dele com o Fiat era quase essa mesma da foto (fantástica) do seu link! A diferença é que, no meu caso, o cara não sorria.
Abraços!
Rob
@frank_london:
Vai por mim, eu te invejo - queria ser "fresco" assim também!
Abraços!
Rob (que já foi assaltado três vezes)
Gomex:
Entendeu, né?
Abraços!
Rob
Rapaz, fiat 147 é muito antigo... kkkkkkkkkkkkkkkkkkkk... E sem contar que não sei em SP mas no RJ, RG era algo muito complicado para tirar, eu tirei a minha com uns 15 anos e guardei tão bem que só perdi ano passado por causa de uma advogada idiota... kkkkkkkkkkkkkkkk.
O seu amigo fundista....Danielzinho é o nome dele......hahahahah
Termina logo, Rob!!!!! putzzz xD
ah.. acho q tem um errinho no paragrafo 22: 'Quer dizer, acho que eu precisava. Na verdade, a única coisa que ele atestava é que eu não tinha idade para compra"R" bebida'.
enfim, coisinha besta.
Vamos ao q importa: Continua o texto!! kkkkkk
seu blog é excelente!
Porque só o Rob consegue ser assaltado por uma montanha saindo dentro de um Fiat 147...
Na época em que meu pai tinha um desses não era lá muito fácil entrar no carro, e eu era criança. O cara quebrou as leis da física, né? =P
Alan (FFC):
Admito que o Fiat 147 denunciou minha idade! :)
Abraços!
Rob
Léo:
Na verdade, não era ele não. Era o Vítor, aquele cabeludo que estudava comigo e morava perto da gente.
Abraços!
Rob
Eduardo Chaves:
Valeu pelo toque, já vou arrumar! A continuação saiu hoje, está aqui: http://www.champ-vinyl.blogspot.com/2012/01/saga-do-bife-de-pensao-parte-final.html
Abraços!
Rob
Elise:
Como você vai ver na continuação da saga, não foram apenas as leis da Física que o cara quebrou.
Beijos
Rob
Veja bem. Estrategicamente, eu deixei para ler a saga quando ela estivesse completa (problemas de ansiedade, sabe como é...). Mas, mesmo assim, o clima de tensão quase tangível e de mistério no final deste post está me MATANDO! Vou lá ler o resto da saga!
Gostei muito!
Cristina:
Obrigado!
Beijos
Rob
Que feio o que aconteceu. deve ter muito cuidado na rua. Eu, quando eu peço para Delivery em Moema de comida, vou ter certeza que esperar dentro da minha casa e ter cuidado que você abrir a porta. Beijos
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