24 de janeiro de 2012

A Saga do Bife de Pensão - Parte Final

(Leia a  Parte I aqui)

Minha linha de raciocínio não foi exposta de uma forma muito bem trabalhada, admito. Mas a minha intenção era apenas iniciar uma discussão sobre o assunto – eu não tinha a menor intenção de encerrar o assunto com aquela simples frase.

Contudo, o negrão não parecia ser um homem de muitas palavras. Assim, ao invés de fazer uma contraproposta ou pedir para que eu desenvolvesse o assunto, resolveu exprimir sua opinião da forma mais enfática possível: fechando a mão e me dando um murro na boca.

Foi quando o mundo se tornou escuro e repleto de pontos brilhantes. Fly me to the Moon, and let me play among the stars (Frank Sinatra mode: on).

Instintivamente – mas ainda tonto – passei a mão pelos lábios e senti o sangue. Seguindo algum código de ética profissional, o negrão esperou alguns segundos para que eu me recuperasse. Na verdade, ele esperava que o seu argumento – que havia sido forte – fizesse com que eu me conscientizasse de que ele tinha razão.

O problema é que eu tenho um grande defeito. Existem alguns momentos da minha vida nos quais eu não posso ser desafiado, pois eu vou fazer exatamente o contrário do que as pessoas acreditam. Está no meu DNA.

Assim, eu limpei o sangue da boca e o olhei de forma desafiadora.

- Então, a minha carteira você não vai levar.

Falei isso de forma firme e decidida. Afinal, não era mais uma questão de mostrar minha opinião, mas sim de provar meu ponto de vista – mesmo que a minha vista não estivesse funcionando muito bem naquela hora.

O assaltante, por outro lado, não parecia mais interessado no meu ponto, mas sim em vários pontos – especialmente aqueles que eu teria que levar horas depois, num hospital.

Dito e feito.

Aliás, dito não. Nada foi dito, apenas feito.

Outro murro em cheio no meio da boca. Mais uma vez, eu estava no espaço sideral, cercado por pontos brilhantes que dançavam à minha frente. My God, it’s full of stars! (2001 – Uma Odisseia no Espaço mode: on). Mais um soco daqueles e eu perguntaria ao negrão se “vem cá, você é negro e grande, e eu estou vendo estrelas. Posso chamar você de monólito? Se eu jogar minha carteira para o alto, ela vai girar em câmera lenta e virar uma nave espacial?”

Mas este segundo soco fez com minhas pernas fraquejarem.

- Dá a carteira ou vai morrer!

Engraçado. Acho que todo mundo tem um “cara que quer te matar” na vida. São aqueles obstáculos aparentemente impossíveis de serem ultrapassados, e que irão fabricar o seu caráter ao longo dos anos.

Para algumas pessoas, o “cara que quer te matar” é o alcoolismo, a solidão ou o desemprego. Para outras, é a fome ou algum vício. Às vezes, pode até ser uma falha de caráter que precisa ser corrigida. Até mesmo alguns países possuem um “cara que quer te matar”, seja na forma do analfabetismo, da pobreza ou de uma economia pobre que não decola nunca.

Todos nós temos um “cara que quer te matar” nas nossas vidas.

No meu caso, o “cara que quer te matar” era justamente isso: um cara que queria me matar.

Assim, eu fiz o que qualquer pessoa de valor teria feito. Limpei o sangue mais uma vez, e olhei bem no fundo dos olhos do negrão. Olhei com força e determinação. O encarei firmemente, como um animal que pretende defender seu território. Assim, eu mostraria a ele que estava disposto a enfrentá-lo de igual para a igual, sem me render à suas ameaças vazias e, com isso, seus dias de tirania acabariam!

E, assim que recuperei a força nas pernas, eu corri.

Adoraria dizer aqui que enquanto eu corria, sentia o vento da liberdade batendo no meu rosto. Talvez até uma chuva, para a cena ficar mais poética ainda. Que tal uma música grandiosa, feito a 9ª de Beethoven, mostrando que finalmente eu estava livre da opressão dos poderosos e poderia seguir minha vida, em paz, com a minha carteira?

Mas nada disso aconteceu. E não foi culpa da chuva, do vendo ou do Beethoven. Foi culpa do negrão. Mal dei dois passos e o negrão esticou a perna e me passou uma rasteira, estragando todo o clímax da minha fuga.

Na verdade, pensando agora, a perna dele deveria ter mais de 2 metros de extensão. Ou seja, ele tinha a força do Coisa e os poderes elásticos do Dr. Fantástico. Não havia mais dúvidas: eu estava enfrentando o Super Skrull (Quarteto Fantástico mode: on).

Eu tinha duas alternativas: ou iria de boca no chão (acho que minha boca não deveria ter saído da cama aquele dia) ou tentava evitar a queda. E tudo o que eu não podia fazer era cair. Caso isso acontecesse, as coisas iriam de mal a pior: eu me transformaria em um pequeno e pacífico vilarejo de pescadores, nos arredores de Tóquio, pronto para ser pisoteado e esmagado pelo Godzilla, que parecia estar disposto a destruir o planeta até conseguir minha carteira.

Assim, fiz o que pude. Desequilibrado, virei meu corpo e me agarrei na primeira coisa que encontrei para não cair.

Infelizmente, esta coisa era o ladrão.

Me agarrei na camiseta dele e fiquei pendurado. Se alguém olhasse de longe, poderia jurar que eu estava escalando o corpo do cara (K2 – A Montanha da Morte mode: on). Na verdade, eu precisava de somente alguns segundos para recuperar o equilíbrio.

Mas cometi um erro fatal: eu me segurei na camiseta dele, que provavelmente deveria ser nova, roubada no máximo um dia antes.

Assim, eu aprendi a maior lição daquele dia e que transmito para vocês: ao ser assaltado, nunca amasse a camiseta do criminoso.

Não lembro quantos socos foram: talvez dois na boca do estômago e mais dois na cara, talvez um na boca do estômago e dois na cara, talvez dois na boca do estômago e seiscentos e treze na cara.

A única coisa que me lembro é estar caído na calçada, tossindo e cuspindo sangue e entregando minha carteira para ele. Não, me lembro também de ouvir o carro saindo em disparada.

Fiquei um tempo esparramado ali na calçada. Tossindo, sangrando e gemendo. Mas logo me levantei e comecei a andar – afinal, como eu sou eu, era bem capaz da polícia passar ali e, ao me ver deitado na calçada e constatar que eu não tinha documentos, me prenderem por vadiagem.

Não me lembro direito de como andei até em casa, mas me recordo perfeitamente da expressão da minha mãe ao olhar para mim. Como eu disse, todos nós temos um “cara que quer te matar” na vida e, naquele momento, o “cara que quer te matar” da minha mãe era aquele monstro deformado, com o rosto inchado e sangrando, que havia descido das montanhas e invadido sua casa.

- Eu não sou um monstro! Eu sou um ser humano, gritei antes que ela jogasse uma panela em mim e fugisse para o quintal.

Depois disso, lembro apenas de cair em um sofá e ficar gemendo. Passei uns dois dias assim. Meu rosto demorou quase uma semana para desinchar totalmente.

Agora, o que eu realmente não faço ideia é de como diabos eu ainda tenho o meu RG original comigo.

Será que o negrão, na verdade, era uma fada que veio devolver meu RG em uma madrugada? Acho difícil, mesmo porque se ele fosse uma fada, seria a Fada dos Dentes, como ele deixou bem claro a cada soco.

Tudo me leva a crer que meu documento não estava na carteira naquele dia, mas não faço ideia de como isso aconteceu. Ou seja, eu não apenas apanhei. Eu apanhei de graça.

Aposto que se um dia a polícia investigasse isso a fundo, descobriria que tudo foi um golpe do meu RG, que ordenou o crime. Provavelmente, por vingança, Afinal, eu estou com uma baita cara de bobo na foto.

E isso não deve ser fácil para um RG.

14 comentários:

Varotto disse...

"O que? Acharam que eu fiquei mal?! Vocês tinham de ver como ficou a mão do cara!"

Elise disse...

Imagino o diálogo que vc teve com a sua mãe depois disso...

- Rrrrrrrrob, o que aconteceu?
- Fui atropelado pelo K2 e por uma manada de elefantes ao mesmo tempo...


Vc teve sorte de "só" ter apanhado, viu... =P

Michele disse...

será que foi por isso que eu fui assaltada? será que foi um golpe do meu RG pq eu tava com cara de quem tinha fumado uns 20 baseados antes da foto?

mas enfim, como disse a Elise, vc teve sorte de "só" ter apanhado...

gilgomex disse...

eu ri algumas vezes durante o texto, mas quase fiquei sem respirar de tanto rir por causa da piada (velha) do varotto. esse é o champ. bom no post e nos coments.

Varotto disse...

Estranho isso... Sò quatro comentários em um post que estava sendo tão esperado? Ou houve algum problema e eu não estou conseguindo ver todos os comentários?

Rob Gordon disse...

Varotto:

Nem dava para usar a piada. A mão do sujeito deve ter permanecido a mesma. Foi goleada mesmo, nem mesmo a mão eu derrotei!

Abraços!

Rob

Rob Gordon disse...

Elise:

Eu sei da sorte que tive. Hoje, eu não pensaria duas vezes em pedir calma para o cara e entregar tudo.

(E você não imagina o número de "R"s no Rob que a minha mãe gritou!)

Beijos

Rob

Rob Gordon disse...

Michele:

Sim. Saí sem carteira e arrebentado, mas foi só. Ainda bem. :)

Beijão!

Rob

Rob Gordon disse...

Gomex:

Esse é o Champ. :)

Abraços!

Rob

Rob Gordon disse...

Varotto:

Então, eu também estranhei. Não sei se chegou a dar um pau nos comentários, mas no Firefox eles demoraram para aparecer (o seu aparecia no Chrome, mas não no FF). Mas acho que isso não influenciou não, foi apenas um post com poucos comentários mesmo.

Abraços!

Rob

Andreia Arantes disse...

kkkkkkkkkkkkkkkkkk...ri muito...muito boa!

Kel Sodré disse...

Eu tô atrasada no comentário, eu sei. Mas, gente, fiquei com dó. Ri um bocado de uns trechos porque era inevitável, mas fiquei com muita dó.

Quantos dentes você perdeu, Rob? Tem foto sua faltando algum incisivo? :D

Rob Gordon disse...

Andreia Arantes:

Obrigado!

Rob

Rob Gordon disse...

Kel:

Por incrível que pareça, saí com os dentes. Fora os hematomas, o sangue mesmo veio de lábio rachado - acho. E, bem... rir disso hoje... Se eu consigo, por que seria diferente com vocês?

Beijos

Rob