14 de dezembro de 2010

Who'll Stop the Rain?

– Tomou chuva?

Respiro fundo e olho fixamente para a pessoa.


Uma hora antes...
Aproveitando que a chuva havia parado, decidi ir até o banco. Precisava trocar minha senha do cartão pela segunda vez este mês. No final de semana, a máquina do caixa daquele Jack Ribs do shopping Villa Lobos estava com problemas, não reconheceu minha senha e bloqueou o cartão. O atendente do Bankline me disse que ele seria desbloqueado automaticamente em 24 horas. Como esperei 72 horas e nada aconteceu, fui até o banco trocar a senha.

55 minutos antes...
Coloco os pés na rua e o tempo está aberto. Talvez o Sol apareça.

54 minutos antes...
Começa a chover novamente. Mas a água não cai em gotas, e sim em baldes. A Pedroso de Moraes começa a alagar. Eu começo a praguejar.

45 minutos antes...
Após andar três quadras, já estou encharcado. Minha camisa está colada no corpo, e meu organismo, prevendo uma pneumonia quíntupla, está entrando em lojas virtuais para adquirir uma nova remessa de anticorpos. Chego ao banco e os portões estão fechados. Um dos seguranças – provavelmente o Príncipe Submarino – está parado na calçada, barrando a entrada das pessoas.

– Como eu faço para entrar no banco?

– A agência está fechada.

– Oi?

– Estamos sem energia.

A chuva continua.

44 minutos antes...
Sem encontrar uma jangada para retornar à redação, decido almoçar. Abro a carteira e vejo que possuo R$ 15,00. Sem cartão do banco, estas são todas as minhas economias. Tenho 35 anos, R$ 15,00 e estou na chuva. Se um dia escreverem um livro sobre fracasso, certamente me convidarão para escrever o prefácio. Olho ao redor procurando alguma fonte de alimento que possa ser adquirida por R$ 15,00. As alternativas são Habib’s e água das poças. Escolho Habib’s. A chuva continua.

40 minutos antes...
Entro no Habib’s deixando um rastro de água no meu caminho. As pessoas olham para mim como se eu fosse um refugiado da Atlântida em busca de asilo político. Cruzo o salão e vou ao banheiro me secar. A chuva continua.

39 minutos antes...
Constato que o porta papel toalha do Habib’s é automático, daqueles que funcionam com sensores. Ainda pingando, coloco as mãos sob o aparelho e espero por quinze segundos. Nada acontece. Coloco as mãos novamente. Nada acontece. Dou um soco no negócio. Nada acontece. Um segurança abre a porta do banheiro para ver o que está acontecendo. Ignoro a presença dele e pego meio rolo de papel higiênico para me secar. O segurança vai embora. Enxugo meu rosto. A chuva continua.

35 minutos antes...
Termino de recolher os pedaços de papel higiênico que ficaram grudados no meu rosto e vou para uma mesa. A chuva continua.

31 minutos antes...
Consigo ser atendido e peço três esfirras. A chuva continua.

25 minutos antes...
Espremo o limão em cima da esfirra e dou uma mordida. Aparentemente, ela não foi assada num forno, mas sim no núcleo de uma estrela. O limão escorre pelo lado da minha boca, carbonizando metade do meu lábio. Eu cuspo a esfirra e grito de dor. O Habib’s inteiro olha para mim. A mulher na mesa ao lado larga a comida e pede para fechar a conta. Um casal esconde os filhos de mim. Eu ignoro todos eles e fico pensando sobre os motivos da vida ser assim. A chuva continua.

22 minutos antes...
Após passar um bom tempo molhando meu dedo em Coca Cola e esfregando-o cuidadosamente no meu lábio, volto a comer, com cuidado redobrado. A chuva continua.

10 minutos antes...
Pago a conta e recolho meus R$ 2,00 de troco. Até a luz do banco retornar, este é todo dinheiro que tenho na vida. Parto em direção à redação. A chuva continua.

2 minutos antes...
A chuva aperta. Muito. Capaz da nota de R$ 2,00 dissolver dentro da carteira, reduzido minhas economias a uma pasta que um dia havia sido papel moeda.

1 minuto antes...
Entro no saguão do prédio pingando água e escorrego, quase caindo sobre a catraca. Chamo o elevador.

No presente...
Entro na redação pingando água, pobre e com a boca queimada. As pessoas olham para mim e uma delas pergunta:

– Tomou chuva?

Respiro fundo e olho fixamente para a pessoa.

A tempestade continua lá fora. Repentinamente, me lembro do Spike Lee em Faça a Coisa Certa e sou tomado por uma vontade repentina de pegar um latão de lixo feito de metal e jogá-lo contra uma vitrine gritando “ÓDIO!”. Como não acho latão algum, apenas encaro a pessoa fixamente, respiro fundo e respondo:

– Não, me jogaram para fora de um navio ali na Pedroso! Como você percebeu?

– Precisa ser grosso?

Resmungo um “vai tomar no cu” e volto para minha mesa.

A chuva para.

Abro o Word e começo a escrever meu tratado sobre a teoria do caos, provando matematicamente que a expressão “se uma máquina de Visa Eletron estiver quebrada no Shopping Villa Lobos, você queimará a boca num Habib’s em Pinheiros dois dias depois” está correta.

Antes disso, porém, deixo vocês com o Top 5 Melhores Respostas para a Pergunta “Tomou Chuva?”:

1.
“Não, tomei no cu.”
2. “Não, as pessoas começaram a cuspir em mim na rua.”
3. “Não, estou fazendo um frila de salva-vidas.”
4. “Não, eu estava procurando pela sua genialidade no esgoto da cidade.”
5. “Não, minhas chaves caíram no vaso sanitário e foi difícil recuperá-las.”


17 comentários:

Ana Savini disse...

A minha vida é igual a sua. Só me fodo. Mas ainda bem q vc escreve sobre isso, assim não me sinto tão desgraçada.

"As pessoas olham para mim como se eu fosse um refugiado da Atlântida em busca de asilo político."

"Aparentemente, ela não foi assada num forno, mas sim no núcleo de uma estrela."

"Capaz da nota de R$ 2,00 dissolver dentro da carteira, reduzido minhas economias a uma pasta que um dia havia sido papel moeda"

"Repentinamente, me lembro do Spike Lee em Faça a Coisa Certa e sou tomado por uma vontade repentina de pegar um latão de lixo feito de metal e jogá-lo contra uma vitrine gritando “ÓDIO!”"

HAHAHAHAHAHAHAHAHA

Bia Nascimento disse...

HAHAHAHHAHHAHAHAHAHAHHAHAHAHA

eu poderia escrever um livro só com as histórias das chuvas que já tomei nessa vida. a última foi sábado, qdo resolvi sair de vestidinho e sandália para dar uma volta na Lapa para aproveitar a tarde linda de sol que estava fazendo. Ô fase.

Pedro Lucas Rocha Cabral de Vasconcellos disse...

Agora sim, senti falta de momentos "champclub" aqui no champ.

Natalia Máximo disse...

Habib's não é lugar pra você, viu. Abre o jogo aew, Rob, o que mais você pediu? Três esfihas e uma coca = treeeeze reais? wtf

Aguardo ansiosamente (não de você, isso não seria possível) um Top 5 melhores respostas para a fatídica "Nossa, cortou o cabelo?".

Rob Gordon disse...

Natália, divirta-se:

1) Não, fui atropelado por um cortador de grama.

2) Não, fui atacado por índios enquanto vinha para cá e fui escalpelado.

3) Não, meus piolhos resolveram limpar os armários.

4) Não, é um boné que imita cabelo. Gostou?

5) Não, na verdade fiz a barba. Olhe com mais atenção.

Cassia Andrade disse...

Fantasioooooooooosa! Exageraaaaaaaado... Clap our hands!

Fernanda Fefis disse...

a partir de hoje minha resposta padrão a tomou chuva? será: não as minhas chaves cairam na privada e foi difícil recuperá-la... hahahahah.. cheguei a engasgar de tanto rir..

Rob Gordon.. adoro ler seu blog!

Sil disse...

Chorei de rir, ainda bem que estou em casa porque não me aguentei.

Adorei o texto, mesmo com peninha da sua boca queimada.

Beijo

Bruno RIbeiro disse...

Top 5???
Oh God! He`s back!

Vaneça disse...

miadd na vida, que esse texto foi lindo demais.

(não, não tô brincando :P)

Charlie Dalton disse...

O que posso te dizer? Ah, sim! Adote o colete salva-vidas como uma roupa pro seu dia-a-dia em Sampa. (Daqui algum tempo vou ter que fazer o mesmo aqui em Guarulhos. A chuva anda muito forte por aqui. Cada trovão!)

E também posso tirar uma lição desse post: não se pode confiar em usar somente cartão. Uma hora é preciso usar o papel-moeda - e seco, de preferência!

Tyler Bazz disse...

Cara... eu ri MUITO nesse post. Sério.

Carlos Cruz disse...

Cara, tenho que parar de ler seu blog no trabalho, hahahaha

estou me adaptando e aprendendo a GARGALHAR em silencio, viva a evolução!

Renata Santos disse...

5 e 1/2 - "Não, esqueci de tirar a roupra pra tomar banho."
Magnífico Rob!

Mulher ao Cubo disse...

Cara, parabéns! O texto é ótimo! Me pergunto o que essas pessoas que fazem perguntas óbvias esperam...se é só pra puxar assunto, não pode perguntar algo mais inteligente?

JFM16_ disse...

Lei de Murphy > Renomear > Lei de Rob.

Unknown disse...

hahaha

Se a história em si já me fez rir, o Top 5 Melhores Respostas para a Pergunta “Tomou Chuva?” chegou a constranger as pessoas aqui do meu lado com minha gargalhada.

Boa sorte com o cartão!