8 de outubro de 2010

Carta Aberta a John Lennon

Eu conhecia você antes mesmo de conhecer suas músicas.

Como qualquer pessoa do planeta, eu já tinha ouvido as pessoas falarem seu nome, bem como o nome da sua banda. E, provavelmente sem querer, tropecei em algumas das suas canções ainda menino, mesmo sem saber que as músicas eram suas.

Porque, quando eu ainda era menino, as suas músicas tocavam em todos os lugares, o tempo todo. Mas eu ainda não sabia quem era você.

Mas foi logo depois que eu deixei de ser criança – naquela fase na qual a gente começa a descobrir as músicas que irão ditar não apenas o que ouviremos para sempre, mas, principalmente, a pessoa que seremos pelo resto das nossas vidas – que eu decidi prestar atenção no seu trabalho.

É aquela fase da vida em precisamos de ídolos, de músicas, de rebeldia. Você passou por isso também, lembra? Quando você era menino, ficava ouvindo músicas no rádio e em discos. Todo menino faz isso, acho. Você fez, meus amigos fizeram, eu fiz. Mas, enquanto você, no começo dos anos 50, descobriu o blues e o skiffle, eu, quase quarenta anos depois disso, descobri o rock. E descobri os Beatles.

E foi aí que você entrou na minha vida.

Aliás, eu me lembro exatamente da primeira vez que escutei suas músicas. Era uma fita K7 branca, com “Os 20 Maiores Sucessos dos Beatles”. Quando ouvi pela primeira vez, fiquei impressionado: eu já conhecia – e já adorava – pelo menos metade daquelas músicas, sem saber que elas eram daquela banda que eu tinha ouvido falar tão bem, de tantas pessoas diferentes. A sua banda.

Esta fita – que ainda deve estar na casa dos meus pais – foi uma das minhas grandes companheiras no final da década de 80. Eu ouvia todas as noites, e ainda me lembro a ordem das quatro primeiras músicas: She Loves You, Love me Do, I Want to Hold Your Hand e Can’t Buy Me Love. Você acredita que até hoje, quando eu acabo de ouvir She Loves You, fico esperando pelos primeiros acordes de Love me Do? De tanto que eu escutei aquela fita, a ordem das músicas ficou impressa na minha memória a esse ponto.

Com o tempo, eu envelheci e descobri outras músicas, outros gêneros, mas as suas canções, as suas frases sempre estiveram ali (até mesmo de forma indireta, já que a maior parte das músicas que eu ouço hoje existe apenas porque, um dia, você decidiu montar uma banda de rock no colégio). Mas as suas músicas, especialmente, me acompanharam por todos estes anos.

Porque sempre que eu precisei de um conselho, sempre que eu precisei pensar um pouco (ou justamente parar de pensar um pouco), sempre que eu precisei chorar um pouco, era em direção às suas músicas que eu corria. Porque, se quando eu era menino me divertia com o que você gritava, ao amadurecer eu comecei a compreender o que você dizia, gritando ou não. E as coisas que você dizia faziam muito sentido. Sempre fizeram.

Assim, eu passava horas ouvindo suas músicas e acompanhando as letras. E, quando você ficava em silêncio, somente tocando seu instrumento junto com seus três amigos, eu me perguntava como você conseguia dizer tudo o que queria, daquela forma tão precisa e tão elegante, com tão poucas palavras.

Como você conseguia falar de tantos sentimentos, do mundo e das pessoas, e de você mesmo, daquela forma? Não sei. Acho que ninguém saberia explicar isso – somente você.

Mas não deu tempo de explicar.

Por que, numa noite que deveria ser como outra qualquer, cinco tiros acabaram com tudo. Tudo aconteceu apenas em alguns segundos, mas, a partir deste momento, estes segundos durariam para sempre. E até hoje ninguém no planeta conseguiu entender ao certo o motivo disso. E muito menos compreender porque logo com você.

Eu, ao menos, me pergunto isso até hoje. É engraçado... Eu não me lembro de quando os tiros aconteceram – eu era muito pequeno – mas me pego pensando sobre isso, às vezes. E, quando vejo, estou na frente do PC vendo vídeos e lendo artigos sobre esses malditos tiros, e me perguntando por que logo com você, com um gosto amargo na boca.

Se não fossem estes tiros, amanhã você faria 70 anos.

Mas, ao invés de pensar em tudo o que você poderia ter feito nestas décadas que roubaram de você, eu prefiro pensar em tudo o que você fez.

Prefiro pensar em tudo o que você fez pelo mundo, tudo o que você nos deixou, tudo o que ensinou – algumas coisas nós ainda não aprendemos, mas estamos tentando. E prefiro pensar em tudo o que você fez por mim (mesmo sem saber disso) quando traduzia exatamente o que eu sentia com suas canções.

Ao invés de pensar nos tiros, gosto mais de pensar em tudo o que você me ensinou.

Sabe... As músicas que você ouviu quando menino fizeram com que você se tornasse um músico. E até hoje o mundo deveria agradecer por isso, todos os dias. Mas as músicas que eu ouvi quando menino – as suas músicas! – me ajudaram muito a fazer o que eu faço hoje, que é escrever. E a coisa que eu mais gosto de fazer na vida é escrever.

E devo muito disso a você e a suas músicas. Foram elas que me ensinaram a questionar muitas coisas, e, principalmente, me ajudaram muito a amar e aprender o que é o amor. E quem escreve precisa amar. Você sabia disso. Você sabia disso certamente melhor do que eu.

E você não faz idéia da vontade que eu tenho de poder agradecer isso a você, um dia desses.

Mas eu queria que você soubesse que, os cinco tiros, mesmo com seus estampidos altos, nunca calaram sua voz. Ela continua aqui.

Lembra quando eu disse lá em cima que, quando era menino, suas músicas tocavam em todos os lugares, o tempo todo? Bem, eu não sou mais um menino, e suas músicas continuam tocando em todos os lugares, o tempo todo.





E vai ser sempre assim. Sua voz vai estar aqui, por anos e anos. Sua voz vai estar aqui para sempre. Isso é algo que nem todos os tiros do mundo iriam conseguir interromper. Pode confiar em mim.

You may say I’m a dreamer... But I’m not the only one. Palavras suas, lembra? O sonho nunca acabou. E nunca acabará.

Parabéns pelo seu aniversário.

E obrigado, muito obrigado, por tudo.

Rob

36 comentários:

Gilmar Gomes disse...

1º...

dois posts consecutivos...

Pedro Lucas Rocha Cabral de Vasconcellos disse...

bonito, dava um bom texto do chronicles...

Pedro Lucas Rocha Cabral de Vasconcellos disse...

@glicomex, ver que o cara postou e vir comentar sem nem ler o texto é QUASE tão ridículo quanto colocar "1º" no comentário.

Isso é coisa de blog pop de humor, vai visitar o chongas vai... Aqui tem gente que lê, pensa e escreve.

Eduardo Leal disse...

Meu estilo de música preferida é o Metal.mas quando ouço Beatles,é como se um outro mundo se abrisse na minha frente, e eu não tivesse medo de desbrava-lo.E muito disso eu devo as composições desse senhor de 70 anos.Acho que o mundo perdeu muito com sua morte(dói escrever isso), e deixou de aprender muitas coisas importantes.

Otavio Oliveira disse...

Vou ter que explicar pro pessoal aqui do lado na redação pq diabos eu qse chorei lendo um blog.

mas o 'obrigado por existir' de hoje não vai pra vc, rob.

Rob Gordon disse...

"Meu estilo de música preferida é o Metal. Mas quando ouço Beatles,é como se um outro mundo se abrisse na minha frente."

Eu não teria descrito de forma melhor.

Valeu, Eduardo!

Lisa Sukys disse...

Tem certos talentos que não se limitam a ser bons (ou excepcionais) no que fazem, eles vão além disso.

Deixam a sua marca, tornam-se nossos amigos e parte de nossas vidas mesmo que nunca nos encontremos frente a frente.

John Lennon nasceu para algo maior, veio tocar fundo a alma das pessoas, veio fazer parte da minha vida, da sua e da vida de tantos outros fãs.

Por isso ele nunca irá embora. Tem cadeira cativa na música e na vida.

Eu acredito que cada vez que a música dele toca, ele sorri, aonde quer que esteja. E ele estará sempre sorrindo no que depender de mim!

Parabéns pelo texto!

Abçs

Anônimo disse...

Também tive uma fita K-7-Beatles companheira e, por causa dela, até hoje ao tocar uma música deles no violão, automaticamente passo para a próxima daquela seleção.

Lindo texto, e o vídeo com "In My Life" não poderia ser mais apropriado.

Gilmar Gomes disse...

Que bom, Pedro....

Creio q vc conheça o blog mas não os leitores... Eu sempre comento primeiro pra depois ler...

Então bem vindo a nossa casa... Nossa. Pq aqui me sinto em casa... E na minha casa eu faço bobagens.
E me sinto em casa aqui, pq eu estava aqui quando o Rob começou a acentar os primeiros tijolinhos do Champ (quando o Chronicles ainda não tinha sido concebido)... E, Pedro, não falei por mal. Tb acho chato quando os caras não leem o post e fazem esse tipo de bobagem... Mas aqui, eu sempre farei... E (Tiririca mode:on "Assume que vc ficou bravinho por não ter sido o primeirooo" Tiririca mode:off)

Quanto ao post... Se o sonho acabou, pede mais na padaria...

Mas falando sério. Também ouço Beatles desde sempre. Ouvia as músicas deles sem saber falar e quando aprendi a falar e resmungar, resmungava muitas músicas dos Beatles.

E quanto a esse lance de ouvir uma música e esperar a próxima, taí uma coisa que sempre aocntece comigo. Por isso na época das fitas as músicas ficavam mais marcadas na memória. Pq hoje em dia com controle remoto e facilidade de pular auma faixa, dificilmente a gente ouve as músicas que consideramos ruins...

Manuela disse...

É,pelo jeito eu não fui a unica a escrever pra ele. Lindo texto!

Ana Savini disse...

O meu primeiro encontro real e significativo com os Beatles foi no início dos anos 90 com a coletânea The Beatles 1962-1966 (Red Album 73).
Eu ouvia sem parar e nesse ponto eu consegui ser mais autista que você (uau! \o/) porque eu espero os próximos acordes depois da maioria das músicas desse álbum.
Provavelmente se John lesse essa carta iria ficar com lágrimas nos olhos como eu fiquei quando eu dei play no vídeo. =)

Bia Nascimento disse...

Não tenho palavras para comentar. Post Magnifico, com M maiúsculo.

Pedro Lucas Rocha Cabral de Vasconcellos disse...

Quando eu li já tinha um comentário, eu fui ler e era "1º", isso me deixou "bravinho".

o Rob fez uma campanha por mais comentários, eu acho que devia fazer uma por comentários com qualidade...

Gilmar Gomes disse...

Mas aqui os comentários estão com qualidade... É que meu monitor é LCD 20"... Talvez esteja na hora de trocar o seu. #ficapica... digo... #ficadica

Hydrachan disse...

Não é impressionante como esse homem mexeu com tantas vidas? Mexeu com a minha vida, com a sua e com as vidas de milhares de pessoas que nascerem muito depois da morte dele.

Faço minhas as suas palavras, pois parece que tivemos uma adolescência bastante parecida.

E também concordo com o Eduardo quando ele diz "quando ouço Beatles,é como se um outro mundo se abrisse na minha frente". Fato.

Parabéns, John Lennon! Que as suas palavras possam ecoar por toda a eternidade e colocar um pouquinho da sua sabedoria na vida de todas as pessoas...

You may say I’m a dreamer... But I’m not the only one...

Fábio Megale disse...

"Nunca confie em quem não gosta de Beatles", dizem por aí. E é verdade: não há como não gostar do que John e sua trupe fizeram. Se existe uma palavra pra tudo, a palavra é "perfeito".

Igual seus textos, Rob. Essa carta, por exemplo, é perfeita. Tão tocante quanto uma música dos Beatles.

Varotto disse...

Bem lembrado.

Oito de dezembro de 1980.

Não me lembro ao certo como essa notícia me afetou na época. Tinha oito anos e acho que estava mais preocupado com o que o bom velhinho poderia me trazer dali a mais umas duas semanas.

Um dos meus primeiros contatos com os Beatles, que eu me lembre, foi um LP coletânea que, salvo engano, é exatamente este que você descreveu em K7.

Quando o tempo chegou, me lembro também de ter sido muito mais tocado pelos discos pós Rubber Soul, do que pelos tempos do dito ié-ié-ié. Mesmo hoje, acho que as músicas desta época eram apenas uma sombra, uma preparação para o que estava por vir.

Dia desses, chegou lá em casa um DVD de "I wanna hold your hand", que comprei na Amazon, filme de Robert Zemeckis, de 1979, contando as aventuras de um grupo de tietes que tentam conhecer os Beatles em uma de suas visitas aos EUA.

Ainda não tive a oportunidade de revê-lo depois da compra, mas acho que talvez faça isso hoje, em homenagem...

Wesley disse...

Muito bom...


P.S.:
Gente que leva tudo tão seriamente que chega a "brigar" por causa de um comentário em um blogo alheio ≈ gente que mata um ídolo por... pelo que mesmo? Love, love, love, amigos!

Eduardo disse...

Que babaca esse Gilgomex, heim?

Lara disse...

eu sou muito nova pra ter acompanhado a febre dos beatles. quando eu nasci, os cinco tiros já tinham sido há alguns anos. mas mesmo assim, pelos pais, tios, vizinhos, conheci esse universo. e você conseguiu passar o que é isso. aprendi inglês ouvindo a essas músicas, me diverti, chorei, procurei abrigo. não vale a pena pensar no que foi, e sim no que ainda é. pensar que depois de tantos anos, tenhos priminhos de quatro anos cantando naquela língua não identifica imaaagine all the people. e nada mais importa.

Yellow disse...

Rob,

Lá em casa tinha esse mesmo disco que vc cita... eu achava que era, mas tive certeza quando disse a ordem das musicas (sim, eu também lembro).

Parabéns John! E obrigado por tudo! :)

Rob Gordon disse...

Pessoal

O 20 Greatest Hits que eu tinha, em K7, é este aqui:

http://en.wikipedia.org/wiki/20_Greatest_Hits_%28The_Beatles_album%29

( O track list é o da versão americana)

Rob

Varotto disse...

Na mosca! O LP que eu citei é esse mesmo...

Yellow disse...

Idem!

Lígia disse...

Me emocionei.

Quando eu nasci, já não havia na terra mais que seu legado e o amor que ficou por ele, mas mesmo assim, John Lennon será um dos meus ídolos.

Você conhece a música "here today" do Paul? É uma das mais lindas que já ouvi até hoje. Pela letra linda, por ser uma homenagem ao John Lennon, por me fazer pensar na amizade que ligava os dois e como o universo é legal de tê-los colocado juntos.

Enfim.

Esse é um assunto sensível pra mim.

Adorei o texto =)

Lígia disse...

(quis dizer "sempre foi e sempre será um dos meus ídolos. Jornalista que posta sem revisar, tsc, tsc...)

Lígia disse...

ah, outra música linda em homenagem ao John é do Elton John, seu amigo, e se chama "Empty Garden".

(sim, eu gosto de Elton John e não tenho vergonha disso...)

Fabi disse...

Filho da puta, PÁRA DE ME FAZER CHORAR, OK.

Iza disse...

Bah! Ainda não tinha visto o Gilgomex bravo!

Quanto ao texto, no dia em que ele morreu, foi uma comoção muito grande. As músicas dele não paravam de tocar nas rádios e o nome dele não saia da boca de meus tios.

Ele teria hoje a idade de minha mãe.

Unknown disse...

Estava acostumada a chorar só com os posts do Chronicles...
Texto lindo, digno do homem que ele foi, com certeza.
Parabéns por mais um post maravilhoso!

Anônimo disse...

Uma das coisas q fazem do Champ um blog bem único é q ele acontece tanto nos posts como nos coments. Essa 'briguinha' entre o Pedro e Gilgomex tá tão hilária... e o q é melhor sem nenhuma intervenção do Rob, o q só vem confirmar minha idéia de q um blog é sempre uma construção coletiva.
Agora voltando ao post, acho q o Jonh Lennon adoraria ler essa carta e acho q quando digo isso, digo tudo.

disse...

Minha irmã, onze anos mais velha, me ninava com Hey Jude. Amo Beatles desde bebê.

O Antagonista disse...

Bela homenagem... JL foi sem dúvida um artista do qual não se deve esquecer.

RafaelRFP disse...

"Sua voz vai estar aqui para sempre. Isso é algo que nem todos os tiros do mundo iriam conseguir interromper. Pode confiar em mim."

Verdade. John Lennon é imortal.

Ótimo texto, achei até que fosse ter mais comentários.

Alessandra Costa disse...

Post maravilhoso, e não tenho nem palavras pra dizer o quanto John Lennon foi, e é importante.
"Meu estilo de música preferida é o Metal. Mas quando ouço Beatles,é como se um outro mundo se abrisse na minha frente." Essa frase diz muito sobre mim também.

Molly disse...

Eu queria até fazer um comentário digno depois de um texto foda desses, mas você me deixou sem palavras. Chorei lendo.