Sabe aqueles dias nos quais você precisa matar alguém?
As mulheres chamam de TPM. Eu sou mais sincero e chamo de “dias que preciso matar alguém”. Sim, é esse o nome. Tem outros nomes, como “o dia em que o Rob está com os cornos virados”, ou “o dia em que o Rob está virado no saci”. Mas eu particularmente prefiro “dias que preciso matar alguém”.
E não é “dias nos quais preciso matar alguém”, é “dias que preciso matar alguém” mesmo, porque homicídio e concordância gramatical não necessariamente precisam andar juntos.
São os dias em que tudo, absolutamente tudo, deu errado e eu, em algum momento, explodo.
Ando pela rua torcendo para que alguém menor que eu surja do nada, puxe uma faca e mande-me entregar o celular. Assim, eu tenho todos os motivos do mundo para fazer com que ele coma a faca, o celular e provavelmente um dos meus tênis. Claro que nunca aconteceu nada, mesmo porque se existisse um homem menor que eu, ele estaria no Livro dos Recordes e não assaltando por aí.
Mas o outro motivo pelo qual nunca aconteceu nada é que meu rosto, quando estou assim, não deve ser dos mais simpáticos. Alguns meses atrás eu tive uma crise dessas e fui para a Paulista. Eu andava pela calçada e as pessoas iam desviando e abrindo caminho para mim. E evitando me olhar nos olhos. Num determinado momento, minha vontade era parar e berrar: “vocês não têm vergonha de sentir medo de alguém do meu tamanho?”
Sim, eu sou estourado. Puxei do meu pai. Já arrebentei porta de guarda-roupa com um murro, e quem leu minha saga das Copas sabe que em 1994, quando a Holanda empatou o jogo das quartas de final, afundei a tampa do quadro de luz da casa da minha mãe com uma cabeçada (se você não leu, está aqui).
Mas, quando eu explodo, dura apenas cinco minutos. Já os dias nos quais eu preciso matar alguém são bem mais raros (felizmente) e o ódio dura muito mais (infelizmente). Nesses dias, se eu fosse um personagem de Star Wars, o Darth Vader ligaria para o Imperador assim que me visse, para falar:
– Mestre? Acho que tem um lado negro mais negro ainda que o nosso. Você nunca me disse nada sobre isso. Sabe de algo a respeito? Porque, pelo que vi, lá parece ser mais promissor em termos de carreira. Isso sem falar na satisfação pessoal.
Enfim, ninguém precisa ficar assustado. Estes dias nos quais o Michael Douglas em Um Dia de Fúria perguntaria timidamente se pode andar comigo na rua, como meu assistente, são raros mesmo.
Mas recentemente tive um deles.
Estava andando pela rua com a minha melhor expressão Charles-Bronson-em-qualquer-Desejo-de-Matar, quando o tal moleque menor que eu com uma faca surgiu do nada, mas na figura de um guardador de carros bêbado. Foi ali, na frente da Fnac.
– Ei! Vozzzzzê aí!
Eu parei e olhei.
Eu já havia visto este bêbado ali algumas vezes. Está sempre gritando e mexendo com as pessoas na rua.
Enquanto ele se aproximava, tentei incinerá-lo com meus olhos. Não deu certo.
Meu punho se fechou.
Como estou jogando Batman – Arkham Asylum no PS3, planejei com cuidado cada um dos meus movimentos. Eu iria quebrar o nariz dele com um murro; ele iria ficar tonto; eu daria uma voadora; ele cairia para trás, sobre o capô de um carro estacionado a poucos metros. E eu terminaria a surra o segurando pelos cabelos encardidos e enfiando meu joelho em sua boca. Quando ele estivesse no chão, tentando contar os ossos quebrados, eu diria apenas “volte para sua cela ou eu irei atrás de você”, estalando o pescoço.
Meu punho apertou.
Não, melhor. Lembrei-me do Santino Corleone socando o Carlo Rizzi em O Poderoso Chefão. Ia cobrir o pau d’água de porrada até chegarmos perto de uma lata de lixo. E de metal, tinha que ser um latão de metal. Com o pinguço no chão, pegaria o tampo do latão e o surraria impiedosamente com aquilo, até deixar seu rosto desfigurado. Aí, me levantaria e cuspiria na cara dele, resmungando ofegante que “touch my sister again and I’ll kill you, seu bêbado filho da puta”.
(E, nos meus devaneios, o pessoal do Frans Café sairia correndo assustado para a rua, para ver o que estava acontecendo, e eu já quebrava um deles de porrada também, para puni-los pelo fato de nunca terem troco.)
Mas mudei de idéia. Primeiro, porque não tenho irmã. Segundo, a única lixeira ali perto é de plástico.
Não ia dar certo.
Estava pensando em qualquer surra que o Clint aplicou em alguém no cinema quando o bêbado decidiu que eu havia demorado demais. Era a vez dele.
– Vozzzzê conhezzzze zaquela piada do careca? Zzzzzzzá ouviu? Za piada do careca?
E de repente eu me lembrei que não sou o Batman, nem o Santino, nem ninguém.
Lembrei-me que sou o Rob Gordon.
Quer dizer, na verdade eu estava prestes a me tornar o Careca da tal piada, mas, naquele instante, eu ainda era o Rob Gordon. E, como Rob Gordon, eu não dou voadoras nem tenho tampas de metal de latas de lixo. Eu tenho só as palavras.
E, como o sujeito parecia estar bêbado demais para se lembrar de que um dia alguém disse “paus e pedras podem quebrar meus ossos, mas palavras não me atingem”, fui em frente.
– Conheço. É aquela na qual o careca manda o bêbado ir tomar no cu.
Meu punho continuou fechado.
– Zoi?
– É, é assim mesmo. Presta atenção que eu vou contar. Ok?
– Zok.
– Vai tomar no cu.
– Zoi?
– Eu avisei que já conhecia.
Pensei em colocar um “mortal” no final da minha frase, mas o bêbado não teria atentado a isso. (Nota mental: experimentar chamar alguém de “mortal” na próxima discussão que tiver na rua. Não me esquecer de fazer olhar de deus. Hades, de preferência. Procurar imagens no Google para futura referência.)
– Hum... Zaxo que não zera azzzim.
– Agora é. Vai embora antes que eu conte de novo.
– Tá. Xau.
– Tchau.
Virei a esquina, me apoiei na vitrine da Fnac e fiquei rindo por cinco minutos.
Às vezes, é mais fácil do que a gente imagina.
E mais divertido.
18 comentários:
O motivo de ter raiva de bêbado é bem mais justo: quando pequeno, mandei um tomar no cu, de longe, e saí correndo. Dias depois, ele passa pela minha rua de novo, eu sentado perto de uma construção. Calado. Olhou. Passou. Alguns segundos depois, senti um tijolinho atingir minhas costas. Era o safado se vingando - com estilo.
Os bêbados realmente são uma espécie interessante.Hora quietinhos, hora falastrões, hora caridosos. hora revoltados, mas tenha certeza...vai ter sempre um que vai se adequar ao seu estilo. E não se preocupe, eles sempre te acham.Não importa onde esteja.
cinemafranco.com - HSHSHSHAHAHAHAHAHHAHAHAHAHAH
Rob, rob, preciso matar alguem.
mas eu e meu estilo Tomb Rider revertido nao ajudam.
as vezes tenh ovontade de dar uma voadora, mas ai lembro que meu alongamento nao permite minha mao chegar nos p'es.
Palavras sao o que ha.
Adorei a "surra", foi perfeita.
Eu também ri durante cinco minutos aqui, imaginando você dando uma voadora no infeliz.
Palavras podem ser mais perigosas do que a força bruta.
Beijo
Ai como eu queria ser fria assim... Inveja!
Pronto. Já resolveu a sua raiva, e melhorou o seu dia.
Eu sou uma cara pacífico, normalmente passo anos sem levantar a mão pra alguém, mas uma vez eu bati num bêbado que insistia que eu tinha que dar R$10 pra ele. Acho que depois daquilo ele aprendeu a não se fingir mais de louco.
Um trombadinha teve o rosto todo arranhado quando tentou assaltar uma velhinha indefesa: minha avó de 74 anos. Ela agarrou o moleque, e arrancou sangue arranhando o rosto dele, hahaha.
Acho que eu tenho da onde puxar esse meu lado psicopata.
Tem uma frase que eu acho genial: "algumas pessoas só estão vivas porque é ilegal matá-las".
E realmente, parece que o povo percebe quando a gente está num Dia de Fúria, ninguém nem chega perto.
abraço Rob!
Rob, ninguém mata um bêbado como vc. Ninguém.
Bêbados, tremei!
(e a gente pensando que não existiam mais justiceiros como antigamente... anrã! É o mundo que não está preparado para a genialidade!)
"Nota mental: experimentar chamar alguém de “mortal” na próxima discussão que tiver na rua. Não me esquecer de fazer olhar de deus. Hades, de preferência. Procurar imagens no Google para futura referência"
Quero muito fazer isso também!!
Mandar tomar no cu, quando não é um cordial aceno de amigos, é terapia.
A humanidade não deu certo, fato.
Também tenho dias assim, e invariavelmente todo mundo fica extra-simpático comigo na rua. Ou o universo tenta compensar pelo desequilíbrio na Força, ou o Tyler Durden estava certo mesmo, e é impossível provocar uma briga de propósito.
Agora vou chamar meus dias assim de “o dia em que o Trotta está virado no saci”.
A a cena do Santino Corleone e a lata de lixo é uma das cenas de briga mais mal coreografadas que eu já vi na minha vida. A tampa passa a uns 2 mestros da cara do Carlo Rizzi.
ABS
minha internet tá te sabotando, escrevi um puta comentário gigante e tudo se fechou sozinho.
mas olha, essa coisa de usar os olhos como arma nesses dias eu também faço. nunca consegui de fato machucar ninguém, mas sei que um dia eu consigo. no mínimo, a pessoa vai cair e se machucar e aprender a me deixar quieta quando eu estiver com aquela cara. esperança é última que morre, né.
Que nem eu... rindo por longos 4 minutos. Tenho um pra tentar parar. hahahaha
HAHAHAHA adoreeei, isso aconteceu comigo, tirando a piadinha do careca, o bêbado ficou falando que eu era alemã,e me perguntando sobre o país. Eu n respondi nada, eu gargalhava tanto com a expressão do cara (que estava com um olho roxo por sinal, talvez o Rob tenha encontrado ele antes)que tava parecendo um pimentão. E a mui amiga q tava comigo ainda ficou concordando com ele. Tem horas que, realmente,"é mais fácil do que a gente imagina.E mais divertido."
HAHAHAHahahahaha...
Muito bom, cara, isto aí é hilário!
(e quem não tem dias assim?)
Abraço
hauhauhauha chorei de rir com o trecho do Frans Café! Qualquer dia vou acabar te trombando na Fnac, Rob, e espero não ser um desses dias, rs.
Muito bom! Acompanho seu blog há poucos dias, mas ele tem feito as minhas tardes.
Sim, entendo bem essas situações como essa. Também tenho um certo magnetismo pra essas situações, mas vc se saiu maravilhosamente bem!
Morri de rir!
Postar um comentário