23 de agosto de 2010

A Valsinha dos Mercenários

Assisti a Os Mercenários.

O filme é exatamente aquilo que eu esperava. Um “Domingo Maior” que ganhou as telas dos cinemas. Deliciosamente mal dirigido e mal interpretado – Stallone está totalmente deformado por causa do botox – e com uma cena memorável para quem viveu nos anos 80 (evidentemente, estou falando da passagem reúne Sly, Schwarzenegger e Bruce Willis). Sra. Gordon e eu adoramos.

Mas não quero falar do filme, quero falar do Velho.

O Velho estava ao meu lado na sessão. Gordo, cara de quem bebe sozinho, em padaria, nos domingos à tarde. Na verdade, ele se parecia com o Bellick, de Prison Break. Estava no cinema ao lado da esposa, mais “envelhecida” que “velha” e que, coitada, visivelmente havia se arrumado toda para sair e estava adorando cada minuto daquilo.

Na verdade, sabe Valsinha, do Chico Buarque? Eles eram quase um prequel da música. Bastava bater o olho neles para saber que faz anos que o Velho entra em casa todos os dias reclamando da vida, das pessoas, do trabalho e mal dando atenção à esposa. E ela agüenta tudo, fazendo o jantar em silêncio, e esperando que um dia ele volte a ser o sujeito com quem ela se casou e tudo isso mude.

E mudou, no último sábado.

Só que aí acabam as semelhanças com a música. Ele não “olhou-a de modo muito mais quente do que sempre costumava olhar”, mas sim abriu o jornal e descobriu que estava passando um filme de porrada com o Stallone. Resolveu assistir e chamou a esposa, provavelmente com a certeza de que levá-la para assistir a um filme “com o cara que fez Rambo”, seria um convite suficientemente sedutor e romântico.

A despeito disso, ela colocou, sim, seu vestido cheirando a guardado de tanto esperar. Só que, ao invés de “cheios de ternura e graça foram para a praça e começaram a se abraçar”, foram ao Shopping Paulista, sem ternura ou graça alguma.

Almoçaram – provavelmente, no lugar que ele escolheu – e passearam até a hora do cinema. Ele, aposto, reclamando de tudo, das pessoas, dos carros no estacionamento e até mesmo da esposa, quando ela parava para ver as vitrines – a única vitrine em que eles podiam parar é a das lojas de esporte, especialmente da Bayard, onde ele, no auge da sua cultura e refinamento, queria olhar as facas.

E ele continuou reclamando de tudo dentro do cinema. Reclamando que ninguém tem mais educação, que antigamente as pessoas iam ao cinema de gravata. Eu achei estranho, já que ele não parecia ser tão velho (estava na casa dos anos 50 anos) para ser da fase de pessoas de gravata no cinema. E a esposa ali, relevando o azedume do marido, ficando de braços dados com ele, provavelmente feliz só por ter saído de casa num sábado à tarde, algo que eles não faziam há anos.

Mas o problema não era ele reclamar de tudo. Isso é um problema dele e da esposa. O problema era o volume, que não deixava ninguém num raio de três metros ouvir absolutamente nada do filme.

E eu ali, ao lado dele, pensava sempre um “acho que ele finalmente se tocou” quando ele ficava em silêncio.

Mas ele sempre voltava a falar, com aquele tom de voz de quem está acostumado a mandar a mulher pegar mais cerveja na cozinha. Reclamava disso, reclamava daquilo, comentava não sei o que sobre o filme. E sempre naquele tom de voz de quem não está acostumado a ser contrariado.

Mas chegou um momento que eu não agüentei. Respirei fundo e soltei um “shhhhhhhh” altíssimo.

Ele parou de falar e respondeu com sua voz de trovão:

– Cala a sua boca, moleque!

Mas ele não olhou para mim. Ele estava do meu lado, a centímetros de mim, é evidente que percebeu que eu era o autor da reclamação. Ele podia ter começado a bater boca comigo ali mesmo, ou mesmo ter levantado e me dado uma porrada. Mas ele não olhou para mim. Ele apenas olhou a tela antes de me mandar calar a boca, como se o “shhhhhhhh” tivesse vindo de qualquer outro lugar do cinema e não daquele carequinha ao lado dele.

E esse foi o erro do Velho. Ele não teve culhões de olhar para mim. E, como diria Dave Mustaine em Holy Wars: “First mistake, last mistake”. Mas ele havia mandado eu calar a boca, e eu não iria deixar isso barato. Assim, inspirado pela quantidade de testosterona da tela – e me aproveitando do fato de que ninguém numa sala escura perceberia que eu tenho 1.60m –, fechei a mão e me preparei para sair no braço com ele ali dentro do cinema, em segundos. Virei na direção dele e perguntei:

– O que foi que você disse?

Ele não olhou para mim. Continuou olhando a tela, enquanto Dave Mustaine cantava "First mistake, no more mistakes", dentro da minha cabeça.

– Hã... É... Não... Eu estava falando com aquele outro ali, resmungou, apontando para qualquer pessoa.

– É. Foi o que eu imaginei.

E ficou nisso.

Aos poucos, minha adrenalina baixou e meu coração voltou ao ritmo normal. Sim, adrenalina. Não sei se os personagens do filme sentiam essa descarga de adrenalina quando estavam perto de uma briga, mas eu mereço um desconto, já que não sou um mercenário de aluguel e sim jornalista.

Mesmo assim, acho que me saí bem. O Velho passou o resto do filme em silêncio e evitando olhar para mim.

Não é à toa que quando o filme acabou, saí do cinema me sentindo o herói de filmes de ação. Inclusive, já mandei um e-mail para Hollywood relatando o ocorrido e sugerindo que o pôster de Os Mercenários 2 venha com os nomes:

Stallone
Statham

Li

Lundgren

Couture

Austin

Crews

Rourke

Willis

Gordon


Em breve, vocês verão nas lojas action figures minhas, com camiseta camuflada e a inscrição "ô fase". E farão enorme sucesso, já que serão os únicos bonequinhos maiores que a pessoa que os inspirou.

Não se esqueçam de comprar a edição especial, que vem com um boneco do Besta-Fera (merchandising mode: on). Aí, chame seus amiguinhos e destrua as forças do mal (e faça o Velho filho da puta e azedo calar a boca) todas as tardes, na sua sala.

16 comentários:

A.L.G.G.M. disse...

E vc sempre encontrando poesia no cotidiano! Nosso 'Nelson Rodrigues' do século XXI :) Hehehe

Bjks

Pedro Lucas Rocha Cabral de Vasconcellos disse...

Eu compraria um action figure do Gordon...

Porém não seis e fico triste pela esposa, puto com o marido, ou orgulhoso de você!

Peitar um velho barrigudo no cinema é realmente o ápice da sua carreira de valentão!

hahahahahahhahaha

Tyler Bazz disse...

Pode comprar o bonequinho pra vudu?

Sabe o que é o mais bizarro? Você tá mais em forma que o Schwazzenegger (Alou, Áustria, VOGAIS!).

Ok, ele tem o dobro da sua idade, mas nao vamos falar disso hoje.

Rob Gordon disse...

Tyler

Ainda não foi definido quem será o vilão de Mercenários 2. E como o primeiro filme se passa no RJ, o segundo pode muito bem ser em São José do Rio Preto. Cuidado.

Tyler Bazz disse...

O máximo parecido com vilão que eles vão achar por aqui é um clone do Touro Bandido.

Yara Balestrero disse...

Reserva um da versão que vem com o Besta-Fera para mim, por favor. Ainda estou MUITO de mal com você depois do post de despedida do companheiro branco que morava por aí.

Mari Hauer disse...

Rob, o seu amor e do Tyler até nos comentários do blog é tão lindo... me emociona mais do que seu amor pela Sra. Gordon! :))

Bom, vamos ao texto... tudo bem que eu sou daquelas que ri e chora por tudo! Mas hoje eu chorei e ri no seu texto. Chorei pensando no amor medíocre da velha pelo velho. Pensei que a gente aceita pouco dessa vida sei lá por que raios... e que nem precisa ser Velha ou Velho, né? Que a gente deixa de enxergar quem está do nosso lado, o sentimento de quem dizemos amar e ficamos reclamando da vida, do mundo, de quem está do nosso lado sorrindo, tentando nos agradar... tadinha da Velha (apesar que é escolha dela!).

Sobre o resto... eu sou a mais educada e solto vários "shhhh" no cinema! E na biblioteca! Esses dias mandei meia dúzia de coreano calar a boca pq eles estavam falando (em coreano, o que é pior!) na mesma mesa que eu! O mundo tá perdido e eu sou neurótica, então já viu!

Eu não assisti os Mercenários pq fiquei com medo do botox do Stallone! Mas prometo que compro o brinquedo da edição especial só por causa do Besta-Fera!

Bia Nascimento disse...

Acho tão triste ver esses casamentos assim com mulheres tão submissas a uns fdp desses... Lamentável, né?

Otavio Oliveira disse...

yippie-ki-yay, motherfucker.

Anônimo disse...

Mercenário de aluguel, jornalista... dá tudo no mesmo.

Elaine disse...

My hero!

Gente falando no cinema é irritante. Já arrumei umas brigas assim também.

Fabi disse...

Antes de chegar ao trecho em que você relata sua atitude HERÓICA, eu só pensava duas coisas:

1) Que diabos ninguém mandou esse velho maldito calar a boca?

2) COITADA DESSA MULHER DELE e -- inevitável -- "ainda bem que não sou eu".

Nelson disse...

Imagina o que o safado não falou de você pra mulher.

Uma coisa eu digo: eu respeito idosos, assentos reservados, ajudo a carregar peso e tudo mais que você possa imaginar... mas se o idoso não tiver educação, eu mando se f****, sem pensar duas vezes. Se eu, no auge dos meus 24 aprendi que é necessário respeitar pra ser respeitado, pq alguém com o dobro da minha idade ainda não entendeu isso?
Parece que o povo quando chega numa certa idade acha que é superior a todo o resto. Sei la, um dia eu fico velho e entendo isso tudo.

Varotto disse...

Cara, sensacional a idéia da comparação com a Valsinha.

E a melhor compara ção foi:

"Ele não “olhou-a de modo muito mais quente do que sempre costumava olhar”, mas sim abriu o jornal e descobriu que estava passando um filme de porrada com o Stallone. Resolveu assistir e chamou a esposa..."

Sil disse...

Eu até me emocionei com a compraração com Valsinha, coitada da esposa.

Adorei imaginar você no próximo poster de Mercenários, aliás, chorei de rir ;P

Beijo

Anônimo disse...

Li?!?! uahuahuauhaa