13 de junho de 2010

The King

Desde criança, eu assovio o dia todo. Bom, não o dia todo, mas é bem comum você me encontrar andando sozinho na rua e assoviando. E desde criança mesmo: quando eu tinha 12 ou 13 anos, voltava da escola assoviando o tema de A Ponte do Rio Kwai nas ruas de Moema, o que fazia com que meu cachorro já soubesse que eu estava chegando em casa minutos antes de eu virar a esquina da minha rua.

E isso acontece desde criança mesmo. É mania. Aliás, eu me lembro do dia em que aprendi a assoviar. Eu devia ter menos de dez anos. Era um sábado e fomos visitar minha avó – mãe do meu pai – que morava em Santos. E, sabe-se lá porque, naquele dia eu cismei que iria aprender a assoviar. Assim, fiquei o dia todo soprando e soprando, tentando aprender, até começar a emitir alguns sons. Embalei e fui em frente. No fim da tarde, eu já sabia assoviar. Não era um mestre do assovio, mas sabia como fazer.

A partir daí, fui treinando. Graves, agudos. Com meu pai, aprendi até mesmo a assoviar de um jeito que não é preciso fazer bico: a boca fica imóvel, na posição normal, apenas levemente entreaberta.

– Esse modo é perfeito para assoviar dentro da sala de aula, porque o professor não percebe quem está assoviando, ele me explicou.

– Pára de ensinar bobagem ao menino, disse minha mãe, cerca de vinte segundos depois.

Talvez minha única frustração seja nunca ter aprendido a dar aqueles assovios altos, com dois dedos dentro da boca. Por outro lado, não sinto mais falta disso. Além disso, inventei outra técnica que, se não é alta, é divertida: eu fico passando o indicador nos lábios enquanto assovio, como se estivesse “tocando a boca” (ou puxando o lábio inferior com os dedos bem rápido), o que resulta num som diferente, que fica alternando graves e agudos à velocidade da luz.

Assim, faz anos que assovio de tudo: desde temas de filmes (nada neste mundo é mais assoviável que a trilha de O Poderoso Chefão, especialmente a levemente melancólica The New Godfather, que é o tema de Michael) a música clássica, passando por Frank Sinatra, The Platters, Beatles, Chico Buarque e, claro, um eventual Iron Maiden ou Metallica (mas nem tudo de heavy metal é assoviável).

E, como eu disse, é o dia inteiro. Quando eu morava com meus pais, não era difícil minha mãe vir perguntar se eu tinha almoçado alpiste, e minha outra avó, que mora com meus pais, elogiar a qualidade do meu assovio. Mas, se eu assovio o dia todo, não assovio todos os dias – porque tem dias que não rola, que não sai, que a boca fica “seca”.

Mas sexta-feira saiu. Estava voltando para casa e – sabe-se lá porque – comecei a assoviar Elvis Presley. Assim, subi a Teodoro soprando as notas de Can’t Help Falling in Love with You. E aí fui andando pelas calçadas, assoviando, me lembrando da letra e brincando com a música. Sim, quando eu cismo de assoviar uma música, eu começo a brincar com ela. Assovio mais grave, depois experimento com agudos; deixo as notas contínuas, num assovio só, ou vou mudando de nota para nota de soquinho.

Enfim, sou quase um débil-mental preso dentro do meu mundinho musical.
E, quando entrei no Pão de Açúcar, já estava assoviando outra música, enquanto pegava a garrafa de Coca, algo para comer e me lembrando da letra.

Maybe I didn’t treat you
Quite as good as I should have
Maybe I didn’t love you

Quite as often as I could have


E, andando pelos corredores, com meu jantar na mão e a música nos lábios, fui em direção ao caixa. Enquanto ele passava minhas compras, eu continuei assoviando, apenas abaixei um pouco o volume.

Atrás de mim, dois sujeitos um pouco mais novos que eu – amigos, provavelmente – aguardavam a vez para pagarem duas latas de cerveja.

Little things I should have said and done
I just never took the time
You were always on my mind
You were always on my mind

Quando eu me preparava para entrar na segunda estrofe (ansioso para chegar logo na parte do “Te-e-ell me, Tell me your sweet love hasn’t died”), um deles me chamou. Parei de assoviar e ele perguntou:

– Posso fazer uma pergunta?

– Claro.

– Que música é essa que você está assoviando?

– Always on my Mind.

– Always on my Mind? Eu estava ouvindo você assoviar, e acho que conheço essa música, mas não tenho certeza.

Aí resolvi falar a palavra que poderia acabar com qualquer dúvida dele.

– Elvis.

Na verdade, o correto não seria Elvis, mas sim Brenda Lee - a versão de Elvis apenas é a mais famosa. Mas uma discussão musical dentro do Pão de Açúcar, numa sexta-feira à noite, não precisa deste tipo de preciosismo. Tanto que a palavra “Elvis” pareceu resolver a questão, pois o sujeito abriu um sorriso.

– Tem razão! Elvis!

Sorri para ele, que não me devolveu o sorriso. Ao invés disso, começou a cantar baixinho.

– You’re always on my mind... You’re always on my mind.

Eu, gentil, não assoviei mais, deixando espaço para o solo dele. O rapaz do caixa começou a rir enquanto meu novo companheiro de turnê cantarolou alguns segundos, antes de virar para o amigo e dizer:

– Always on my Mind. Essa música é foda. O Elvis era foda.




Eu sorri, guardei meu troco, peguei minha sacola e me despedi, deixando os dois para trás. Saí do mercado e tenho certeza de que os alto faltantes do Pão de Açúcar anunciaram que Lladies and gentleman... Elvis has left the building”.

Já na rua, voltei a assoviar a música, desde o começo. E, claro, ajeitei minha jaqueta de couro. Afinal, naquele momento eu não era mais o Rob Gordon, eu era o Rei do Rock.

Ao menos na Teodoro Sampaio.

Assim, deixo vocês com o meu Top 5 Músicas do Elvis que mais gosto.

1. Can’t Help Falling in Love – De todas as baladas de Elvis, esta é tranquilamente a mais emocionante. E isso não é pouca coisa.
2. Always on my Mind - De todas as baladas de Elvis, esta é tranquilamente a mais dolorida. E isso não é pouca coisa.
3. Hound Dog – A música que faziz Elvis rebolar na televisão, para os gritos das adolescentes e desespero dos pais. Sem essa música, 80% dos CDs que existem na sua casa não existiriam.
4. Não Esqueci da Foto – Sim, é evidente que eu sei que isso não é uma música do Elvis. Mas fica como satisfação (ainda estou trabalhando nisso) e como um teste para ver se vocês estavam atentos.
5. Jailhouse Rock – Talvez existam outras melhores, mas poucas tão divertidas. E, como foi a primeira música de Elvis que eu conheci, entra pelo caráter sentimental da coisa.

25 comentários:

Gustavo Timm de Oliveira disse...

Rob,

Também tenho essa frustração de não saber assoviar com os dois dedos. E o pior: ainda sinto falta disso! :D

Grande abraço!

Nana Buono disse...

E aí eu escuto na televisão do quarto da minha mãe, que está no Fantástico, as meninas histéricas pelo Justin Biba.

Triste.
A humanidade realmente não deu certo.

Renata Schmitd disse...

Suspicious minds. Return to sender. Burning Love

Eric Franco disse...

Finalmente um doido que não te irritou! Era seu dia de sorte.

Natalia Máximo disse...

Não sei assoviar, nunca consegui.

Ana Savini disse...

Alguns pequenos comentários:

- Minha avó paterna também morava em Santos nessa época.
- Eu sei assoviar, mas não super bem. Mas eu sei assoviar com dois dedos dentro da boca, o que é muito útil em shows. Aprendi com 15 anos. Cismei e fiquei tentando até conseguir.
- Quando eu era criança (não lembro a idade) ganhei do meu pai um LP duplo do Elvis (que não lembro qual era o nome e que está na casa da minha mãe) que foi bem importante na minha formação musical junto com o Creatures of The Night do Kiss.
- E Patience? Não é possível que você não assovie Patience...
- "Can’t Help Falling in Love" é uma música muito foda.

trecker disse...

When My Blue Moon Turns to Gold Again ou nada de lista.

Rob Gordon disse...

Ana,

Patience não conta. Patience é, talvez, a única música da história que, quando você está assoviando, pode-se dizer que você está cantando.

Simone Miletic disse...

Eu tbm assovio, mas menos, e não sei fazer com os dois dedos. Tem gente que fica besta: como vc assovia uma música inteira e nãos abe assoviar com os dois dedos?

Coisas da vida.

Mas eu gostei mesmo foi o top four, risos. Também curto She Walks Like An Agenl.

Varotto disse...

Cara, por mais iconoclasta que eu tenda a ser, longe de mim desancar o Elvis, até mesmo porque entendo o papel do sujeito na coisa toda.

Mas sempre tive um pouco de implicânci pelo fato dele ter sido "coroado" Rei do Rock, simplesmente pelo fato de ser branco. Pois a nata da base do que viríamos a conhecer como rock and roll, foi formada por negros, que não tiveram o divido reconhecimento na época, por conta de fatores discriminatórios.

Obviamente, como já disse, reconheço o valor do Elvis nesta história. Até mesmo porque, relevando o preconceito racial, que era um fato, Elvis teve o grande papel de ajudar a quebrar estas barreiras. Se para um pai já era desagradável ver o filho se metendo com aquela música dos demônios, pelo menos eles faziam isso seguindo um branco bonitão. E queiram ou não isso fazia a diferença.

Então, no final, o Elvis ajudou a levar o rock para um público que, de outra forma, não teria acesso àquela forma musical que ficava limitada às espeluncas negras de beira de estrada.

Agora, cá entre nós, já que estamos no assunto, alguém consegue imaginar uma coisa mais ridícula do que Bill Halley and his Commets? Por mais que tenha feito parte do lançamento das bases do rock. Aquele cara até já meio coroa para os padrões da música jovem com aquele penteado pega rapaz, era meio ridículo.

Elvis, pelo menos, tinha uma "aura rock". Passava uma impressão real de rebeldia jovem.

Enfim, ficou faltando na lista "Bridge over troubled water"...

Kabong!

(Aracy-de-Almeida-na-banca-de-jurados-do-Sílvio-Santos mode: ON)

Varotto disse...

Cara, eu tenho de aprender a ler meus comentários antes de postar.

Cheio de erros de digitação...

Rodrigo Granja disse...

Também não sei assoviar com os dedos boca, mas sei a técnica de assoviar sem fazer bico.
E a melhor música do Elvis é Burning Love.
E se me permite o plágio, farei um top5 músicas do Elvis no meu blog.
Abraço!

Nelson disse...

Acho que eu sou o único que sabe assoviar enquanto dá um sorriso. To pensando em ir em algum show de talentos, haha.

Hound Dog realmente é f***.

E concordo com o Varotto lá em cima sobre a questão do preconceito. Mas é que nem Hendrix; na época dele existiam vários guitarristas que tocavam tanto quanto ele, com a mesma musicalidade, mas foi a guitarra de Hendrix que o mundo resolveu ouvir, e isso faz a diferença.

abraço Rob!

Jullia A. disse...

Comecei a ouvir Elvis porque minha professora de ingles levou 'Always on my mind' pra fazer aqueles exercicios de preencher a palavra que falta.

Ele 'e foda.

Helga disse...

Elvis é tudo de bom!!!!!
Estive em Memphis em 2007, nas celebrações em sua memória, 30 anos após a sua morte e pude constatar como ele está vivo. Fãs de todas as idades, milhares de pessoas na vigília, a cidade fervendo.
Meu top 5: Always on my mind, Burning Love, Suspicious Minds, A little less conversation e American Trilogy.
beijão, Rob

Bia Nascimento disse...

Não sei assoviar, nunca aprendi a virar estrelinha e sempre fui e serei um desastre em muitas coisas. Oh céus, oh vida...

Fábio Megale disse...

Do meu berço musical, Elvis era o colchão e Sinatra o travesseiro. Desde pequeno, cresci ouvindo eles e Chico e Pink Floyd e tudo quanto é música - até Martinho da Vila, admito.

Mas é ele, Elvis, que me fez gostar de Chuck Berry, Jerry Lee, Little Richard, e vários outros. Mesmo não sendo o pai original do rock, como comentou o Varotto, ele é o padrinho.

E é ele, Elvis, quem me acompanha nas madrugadas - especialmente as tristes. Grande amigo de longa data.

Minhas favoritas? Impossível. Já citaram tantas perfeitas nos comentários, mas acrescento uma: Heartbreak Hotel.

paulonando disse...

Elvis!!!
The King!!!

Lígia disse...

Tentei assobiar com dois dedos e cuspi no monitor do notebook.

Kel Sodre disse...

Megale, meu caro companheiro de Fafich, Martinho da Vila você não precisa confessar que ouve. Martinho da Vila você se vangloria de ouvir, tal qual Zeca Pagodinho, Jamelão, Beth Carvalho e essa banda do samba toda.

Meu avô me ensinou a assoviar quando eu tinha tipo uns três anos de idade. Segundo minha mãe, esse aprendizado em idade precoce fez com que eu nunca conseguisse desenvolver direito a habilidade. Sabe aquela coisa de pular uma fase e aí depois você sempre vai ter problema naquilo? Pois é. Eu assovio tão bem quanto o Pelé canta e a Ana Maria Braga dança. Mas eu sei assoviar com dois dedos na boca, e sei a técnica de assoviar sem fazer bico.

Elvis e Roberto Carlos moram no coração.

Bruno disse...

Eu fico uma semana sem entrar aqui, venho seco pela foto, e nada!
pqp...

Faltou a little less conversation na lista.

Dani Cavalheiro disse...

Terminei de ler este texto assoviando Heartbreak Hotel. Elvis era foda, fato.

E o n. 4 do Top 5 é o melhor, não esqueci da foto. Coisa de Rob Gordon. hehe

Besos.

Renata Gonçalves disse...

Gozado vc falar justo dessa música, ela faz parte das minhas noites ha +ou- 2 meses, esta versão http://www.babiesgo.com/product/sampler.asp?Elvis/alwaysonmymind.mp3 está no playlist de dormir do meu filho.
Aliás, a coleção é um ótimo presente pro seu sobrinho (ja nasceu?)

Fábio Megale disse...

Kel,

Verdade. Martinho e cia são razões para se vangloriar, né? E eu cresci ouvindo muito essa turma.

E você lembrou bem: Roberto Carlos também é Rei.

Fernanda disse...

O que é a vida, né... eu vim para o trabalho com uma musica na cabeça, daquelas que ficam rodando e incomodando e vc não tem certeza de qual é. Só quando eu cheguei no prédio é que eu soube qual era, e subí de elevador cantarolando exatamente "always on my mind". rss