(leia a parte II aqui)
Voltamos para casa com o computador, sem desconfiar que uma pequena reunião de cúpula havia sido realizada no meu apartamento durante nossa ausência.
Explico: os aparelhos elétricos e eletrônicos da minha casa pertencem a uma seita cujo principal mandamento é que obrigatoriamente algo meu precisa estar quebrado. Assim, quando eu conserto algo (ou compro um novo, como no caso do PC), outra coisa quebra no momento em que o pagamento é efetuado – assim, é estabelecido um sistema de rodízio em casa.
Desta vez, a bola da vez foi o chuveiro. Todos eles se reuniram por conta de eu sair para comprar um PC novo e decidiram que era hora de outro aparelho dar a vida em nome da causa (por “causa”, leia-se, me irritar). Não sei como foi realizado o sorteio, mas a bola da vez foi o chuveiro.
Ou seja, no momento em que o Visa recebia a notificação do Extra de que eu estava comprando um PC, meus aparelhos correram para o banheiro e destruíram o cano do meu chuveiro. Com o serviço terminado, esconderam a marreta (eles possuem uma marreta, mas eu ainda não localizei o esconderijo) e voltaram aos seus lugares.
Sem saber disso, voltei para casa com meu primo e começamos a ligar o PC. Quer dizer, ele começou: eu, no auge dos meus 34 anos, não tenho mais idade para ficar acordado em determinados horários; assim, na segunda vez que eu comecei a dormir de pé, na sala, disse a ele que iria deitar um pouco no quarto.
Acabei pegando no sono de verdade (de roupa, com tênis). Olhando em retrospecto, lembro-me vagamente de ter sonhado que estava me afogando num chuveiro, mas não dei atenção a isso. Por volta das cinco da manhã, ele entrou no meu quarto, disse que estava tudo ok e que ia embora. Nos despedimos, eu balbuciei um “te devo um jantar” e voltei para a cama.
O PC ficou ligado, baixando todas as atualizações de Windows.
No dia seguinte, acordei e percebi que estava sem chuveiro. Assim que abri a torneira, começou a espirrar água por toda a Zona Oeste de São Paulo, menos em mim. Eu não tinha mais um chuveiro, eu tinha um daqueles regadores de grama que ficam girando em velocidades espantosas.
E, bem... O ato de arrumar um chuveiro contém diversas coisas que fujo, especialmente eletricidade e altura. Quanto a este último, é fobia mesmo, qualquer dia falo sobre isso com mais calma aqui.
Já eletricidade... Bem, tenho um caso de amor e ódio com eletricidade. Eu adoro tudo que usa energia elétrica, mas não entendo absolutamente nada dos bastidores. Assim, se eu tentasse arrumar o chuveiro, era capaz de causar um apagão em todo o Sistema Solar – o que incluiria a casa da minha síndica – e, como conseqüência, ela causaria um apagão em mim.
Liguei para o técnico e mecânico da família (meu irmão) e combinamos de ele passar ali depois do almoço. Assim, fui para o PC e comecei a brincar com ele, instalando minhas coisas, configurando meu mail, e tudo aquilo que todo mundo faz quando possui em PC novo. E o PC ali, mesmo ligado desde a madrugada, tinindo.
Foi quando meu irmão chegou, e a maionese começou a desandar. Para arrumar o chuveiro, evidentemente, tivemos que desligar toda a luz da casa – por conseqüência, o PC foi junto. E foi em vão: meu irmão gira cano daqui, martela ali, ameaça o cano de morte acolá – e o encanamento ali, irredutível, fazendo cara de paisagem e fingindo que não era com ele.
Desistimos.
Bom, não se pode ganhar todas, pensei. Além disso, estou com um PC novo, um PC nota nove, nada me impede de baixar um banho. Meu irmão foi embora – sem antes jurar o chuveiro de morte – e eu liguei a luz da casa, e iniciei o PC.
Acendi um cigarro, já pensando em qual banho eu iria fazer download (“aposto que consigo baixar uma banheira aqui”) e o PC iniciando. Foi quando comecei a ouvir barulhos estranhos vindo da HD. Me abaixei, assustado e vi que o som não era mecânico, mas sim um barulhinho abafado de risadas.
Antes que eu pensasse em fazer algo, surgiu a tela de login do Windows.
O nome do usuário? Kiosk.
Acendi um cigarro e analisei a situação. Kiosk.
Suspirei, atravessei a sala, peguei minha carteira e puxei meu RG. Não, meu nome não era Kioski. Liguei para o meu primo e perguntei “que imbecilidade é essa?” Ele, evidentemente, respondeu que não sabia, que havia criado um usuário para mim. Teste o login e senha que ele me passou, e nada.
O tal de Kioski havia dominado meu PC.
Dei uma longa tragada no cigarro e liguei meu modo Sherlock Holmes – que funciona como o dos livros, e não do filme do Robert Downey Jr. assim, comecei a concatenar as idéias. Será que o pessoal do Extra deixou o login de demonstração aqui? Não, não pode ser, seria burrice demais. Por outro lado, não havia outra explicação. E, quando você elimina o impossível, o que sobra, por mais improvável que seja, é a verdade.
Se bem que, me lembrando do pessoal do Extra, a idéia não pareceu tão improvável assim.
A única saída, então, seria ligar para o Extra e pedir a senha do PC – algo que, olhando friamente, estabeleceria novos padrões de ridículo na minha existência. Mas não tinha jeito. Peguei a nota fiscal, atrás de um telefone. Nada. Olhei a garantia.
Nada.
Vejam a ironia da situação. Eu precisava de um telefone do Extra para conseguir descobrir a senha do PC para conseguir entrar na Internet. Ou, se preferirem, eu não podia usar no computador e acessar a internet para conseguir a informação necessária para usar o computador. Ou seja, não importa de qual lado se olhasse, minha situação era ridícula.
Assim, tive que sentar na frente do meu PC nota nove e acessar a internet mambembe do meu celular. Aperta daqui, reload dali, xinga aqui, resmunga ali e finalmente, coisa de dez minutos depois, consegui o bendito número. Liguei.
Assim que atenderam do outro lado, descobri o motivo do vendedor que havia me atendido na véspera se parecer com os sete anões. O Extra Itaim não é uma loja, mas sim um reino de conto de fadas, já que a vendedora do turno do dia era a Bruxa.
Assim que ouvi o “alô” rouco dela, imaginei uma velha vestida de preto e carregando uma cesta de maçãs, encostada num balcão, cercada de PCs e com o telefone preso no ombro.
Segurei o riso e expliquei a situação da melhor forma que pude. A resposta dela demonstrou uma sagacidade inacreditável.
– Basta você entrar no Windows e configurar um usuário com seu nome.
– Eu sei disso, minha senhora. Mas, para executar sua sugestão, eu preciso entrar no Windows. E, para entrar no Windows, adivinhe do que eu preciso? Da senha.
– Sim, mas o usuário não é você?
– Não.
– Mas o PC não é seu?
– Veja bem, o PC é meu. Mas a senha não é minha. Eu não sou este usuário.
– Mas se o PC é seu, o usuário é você. Não importa o nome que ele está registrado.
– Olhe, eu não sou formado por uma churrasqueira, cadeiras de plástico e cobertura de palha. Eu não sou o Kiosk. Vocês são o Kiosk. E eu preciso da senha que vocês colocam nos PCs. Não é difícil de entender.
– Entendi.
Não agüentei.
– Qual parte você entendeu? Aquela que eu preciso da senha ou aquela que eu disse que não é difícil entender.
– Você precisa da nossa senha.
– Isso! É só falar e eu digito aqui.
– É a senha do PC de demonstração, né?
– Por favor, a senha...
– Então, eu não sei a senha.
– Oi?
– Eu não sei a senha.
– Minha senhora, a senha é do Extra. Da parte de computadores. Você é do Extra. Da parte de computadores. Nada disso é uma coincidência, eu não estou falando com você por acaso. Só a senhora pode saber a senha. A senha é sua.
– Ai, minino (sim, foi “minino” mesmo), eu não sei.
– Eu não quero invadir o sistema financeiro do Extra! Eu preciso da senha só para usar o meu computador novo.
– Será que você não pode ligar à noite?
– É evidente que não! Não são nem quatro da tarde!
– Ai, espere, vou chamar o promotor. É ele quem configura as senhas.
Gritei um “porra, porque não chamou ele logo?”, mas ela já tinha largado o telefone em algum canto. Fiquei ali esperando, digitando todos os palavrões que conheço como senha e testando um por um (inutilmente) como login. Estava no meio do “bucetacabeludafilhadaputa” quando um homem pegou o telefone.
– Pois não?
Expliquei a situação novamente, tentando me conter. Ele respondeu:
– Tenta 1431.
A segurança com que ele falou me animou. Apaguei o palavrão e digitei.
O login recusou e gargalhou na minha casa.
– Não.
– Tenta lj1431.
O login recusou e gritou “chupa, Rob”.
– Não.
– Tenta loja1431.
O login e recusou e gritou “Tenta de novo! Tenta de novo!”
– Não.
– Tenta 1431 loja.
– Amigão, me diz uma coisa? Se eu reinstalar o Windows, este usuário se apaga, certo?
– Certo.
– Adeus.
Bati o telefone da cara dele – sei que não tinha motivo para ser grosso com ele (com a Bruxa, sim), mas cansei. Se ele quisesse, que me ligasse e acertasse a senha do meu mau humor para conseguir minhas desculpas.
Reinstalei o Windows e consegui usar normalmente.
Mas, assim que configurei a conta de e-mail, recebi uma mensagem dos meus aparelhos (eles me copiaram por engano), afirmando que o próximo da lista a ser quebrado é microondas. Ou seja, como meu chuveiro já foi arrumado, é questão de horas até que o microondas exploda na minha cara.
Contudo, desta vez, ao menos eu tenho um PC com internet. E é um PC que eu sei a senha. Na dúvida, já coloquei todos os sites de delivery que conheço nos favoritos.
Claro que não vai dar certo, mas sonhar não custa nada.
18 comentários:
Cara, cheguei a ter um pensamento solidário aqui: espero que nunca chegue a vez do seu home theater novo.
Putz, ri muito com a descrição do Kiosk.
Eu tb não entendo nada de computadores, mas se seu primo colocou todas as atualizaçõe pra baixar, ele conseguiu usar o pc. E se ele conseguiu usar o pc, ele deveria saber quem é Kiosk (ou pelo menos em qual praia ele fica) ahahaaha
Veja pelo lado bom: se o microondas for pro espaço, ainda sobra o fogão!
Besos
AHUAHUAHUAHUAHUAHUAHUAHUAHUAHUAHUA
Ficou um tesão esse!
Não tem UMA parte mais fraca!
Seja otimista! Quem sabe dessa vez eles não cometem um erro e quebram o secador de cabelo?
Microondas são perigosos, tome cuidado com essas conspiração aí.
Uma vez ouvi uma frase mais ou menos assim "quando você acha que as coisas não podem ficar piores, é só o limite de sua imaginação".
A frase deve ter sido criada no mesmo dia em que você nasceu...
"Por volta das cinco da manhã, ele entrou no meu quarto, disse que estava tudo ok e que ia embora. Nos despedimos, eu balbuciei um “te devo um jantar” e voltei para a cama."
Só uma pergunta:
-O que teu primo ficou fazendo este tempo todo já que não tinha a senha pra entrar no Sistema operacional?
Faço minhas as palavras do Bruno, "Espero que nunca chegue a vez do seu Home Theater novo."
E rob, se você conseguiu a informação privilegiada que o microondas é o próximo, fique longe das lasanhas de calabresa essa semana... Sério, você escapou com vida da última vez, não teste sua sorte de novo, haha.
HUAHUAHUAHUAHUAHUAHUAHUA
Tô dobrando de rir!
Varotto: como o Rob não deve ter secador de cabelo por motivos óbvios, corre o risco de os eletrodomésticos atacarem o secador da Sra. Gordon. Aí, meu amigo, a gente vai ver a coisa ficar feia!
Rob, imaginei o barulho da sua tragada longa no cigarro. Aliás, ouvi!
Benito
Essa é a graça da coisa. Quando o PC foi ligado, ele não pediu senha nenhuma. Só quando foi reiniciado (ou seja, ele esperou eu ficar sozinho em casa para isso).
Varotto:
Rá.
Abraços
Rob
Rapaz... rolei de rir da senha que vc tentou!
Esse rodizio de coisas que quebram acontecem dentro do meu carro! Por isso desisti até de lavar o coitado!
Ando dirigindo uma carroça cheia de pó!
HAHAHAHAHAHA
Olha, a única coisa que eu não consigo imaginar de tudo isso é a Bruxa do Extra te chamando de "minino". Esse jeito de falar é tão coisa da tia de terceiro grau que mora no interior...
Adorei o jeito que vc escreve!
[maldito eu-lírico! xD]
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Equipe @Zumblorg
http://zumblorg.beyond-obvious.net
Adooorooo posts orgásticos.
ahuahauhauhauhuhauahuahua
reino encantado foi foda.
me lembra de nunca visitar o extra itaim quando for pra sampa.
Como diria Capitão Nascimento: Eu falei que ia dar merda, capitão! ahahahah
Agora, não importa que você não tome mais banho ou não use o microondas para as lasanhas (acho que esse foi providencial desde o acidente). O que importa é que o seu PC é nota 9! nota 9!
Pega o Blu-ray e corre, sério. Porque o microondas não é um prejuízo tão grande, mas logo será a vez do dito cujo e aí sim meu querido, vai foder a biela.
Atrasada nos comentários mas amei a conclusão da saga ^_^
Meu microondas está ameaçando entrar em greve há algumas semanas.
Decidimos que vamos esperar que ele pare de vez, mesmo porque, lá em casa, temos alguém que sabe usar o forno e o fogão e (aleluia!) sabe cozinhar muito bem ^_^
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