21 de novembro de 2009

A Paixão de Rob

O que eu disse no último post, sobre eu e meu irmão termos brigado todos os dias durante anos, não é verdade. Isso porque nossos desentendimentos não podiam ser classificados como brigas, já que eu não brigava, eu apenas apanhava. Mas quanto à freqüência, a informação está correta: era todo dia – às vezes, mais de uma vez por dia.

E não sei se mereci apanhar em todas essas surras, mas calculo que, em uns 99%, sim. Verdade, eu fui um irmão caçula exemplar. Isso, claro, partindo do princípio que a função universal do irmão caçula é atrapalhar a vida do mais velho.

E, nesse ponto, eu era um mestre.

Deixo vocês com um exemplo para vocês formarem sua própria opinião a respeito disso.

Eu devia ter uns 16 anos, e estava sozinho em casa com meu irmão, vendo Sessão da Tarde.

Vale dizer que ele, provavelmente, estava vendo TV porque não tinha nada para fazer. E tenho quase certeza de que eu estava vendo TV porque deveria ter toneladas de coisas de escola para fazer, mas como minha mãe não estava em casa, declarei independência e fui para a sala. Ou seja, eu já estava errado antes mesmo da história começar.

Enfim, por volta das 15h, a campainha tocou e fui atender.

Abri a porta e caminhei até o portão. No percurso, senti um arrepio na espinha quando percebi que era uma testemunha de Jeová. Isso poderia simplesmente assassinar o resto da minha tarde. Testemunhas de Jeová são como aqueles banners expansivos: se você acidentalmente passa o mouse em cima, ela aumenta de tamanho, começa a falar absurdamente, e não há quem feche aquilo.

Assim, resolvi tomar cuidado, mal fazendo contato visual com a mulher.

– Oi, pois não?

– Boa tarde, tudo bem? Eu vim trazer a palavra do Senhor.

– Oi?

– Sim, nós, da Igreja Whatever, estamos visitando as residências do bairro para levar um pouco de luz e sabedoria aos moradores.

– Olhe, acho essa iniciativa louvável. Mas, infelizmente, eu já tenho uma religião e estou muito feliz com ela.

– Puxa, que pena.

Não sei se foi a primeira vez que os meus neurônios começaram a trabalhar sozinhos, mas foi uma das primeiras, com certeza. Eles começaram a jogar carvão na caldeira, e meu cérebro começou a acelerar. Comecei a fazer contas. Testemunha de Jeová. Meu irmão. Minha mãe não está em casa.

De repente, a idéia se formou na minha mente. Na verdade, ela praticamente brotou da terra, maravilhosa, brilhante, em todo seu esplendor de genialidade.

Abri meu melhor sorriso – tomando cuidado para ele não se transformar numa gargalhada – e respondi:

– Agora, se a senhora quiser, eu posso chamar o meu irmão. Ele se interessa muito por esse assunto.

– Verdade?

– Sim. Ele adora discutir religião. As palavras de Deus, então, o deixam fascinado.

– Ah, mas que maravilha! Posso conversar com ele?

– Claro, ele não está fazendo nada agora. Só um minuto.

Detalhe: meu irmão é ateu. Aliás, ele é muito ateu. Tenho certeza de que meus pais resolveram batizá-lo quando ele era apenas um bebê, porque, se ele já soubesse falar, certamente iria começar a discutir com o padre no meio da cerimônia.

Não, não. Minto. Ele tem uma religião, sim, e os templos que ele freqüenta são as churrascarias da cidade. Dizem que todo homem precisa acreditar em alguma coisa; e meu irmão normalmente acredita que vai pegar mais um pedaço de picanha. Esse é o credo dele. Se bem que, até aí, eu também participo desse culto.

Contudo, enquanto eu caminhava de volta para a sala, tinha apenas uma crença: aquilo ia ser ótimo.

Antes de abrir a porta, olhei novamente para a testemunha de Jeová. Ela brilhava e sorria, ansiosa em discutir os 10 Mandamentos ou o Sermão da Montanha com uma alma jovem e fiel.

Sorri para ela e entrei na sala. Engoli a gargalhada e assumi o ar mais casual que consegui.

Meu irmão estava largado no sofá.

– Quem era?

– Não conheço. Mas é para você.

Ele olhou pela janela.

– Eu não conheço essa mulher.

– Eu também não. Mas ela mandou te chamar.

– Como assim?

– Ela tocou aqui e pediu para te chamar, ué. Falou seu nome e tudo.

– Porra, o que essa mulher quer?

– Não sei, ela pediu para falar com você, não comigo.

Ele fez cara de desconfiado e atravessou a porta, em direção ao quintal.

Eu não consegui chegar ao sofá. Assim que ele saiu da sala, eu caí no chão, gargalhando. E fiquei deitado, chorando de rir e socando o chão durante minutos.

Mais precisamente, quarenta minutos.

Sim, quarenta minutos. Este foi o tempo que meu irmão demorou para conseguir se desvencilhar da mulher. De vez em quando, eu dava olhadas pela janela, e via a mulher falando pelos cotovelos, mostrando trechos da Bíblia, e ele tentando (em vão) cortar o assunto.

Às vezes, ele arriscava rápidas olhadas na direção da janela, e, quando me via ali, assumia a sua tradicional expressão de “você vai morrer, filho da puta”.

Quando ele conseguiu se livrar da testemunha de Jeová, entrou na sala, obviamente, espumando de ódio. E não pensem que ele arrombou a porta com os pés, para dar mais dramaticidade à cena. Ele não precisou. Como até a casa em que morávamos tinha medo dele, a porta se abriu sozinha, com medo de que sobrasse para ela também.

Aparentemente, a mulher não havia conseguido fazer a palavra de Deus entrar na vida do meu irmão. Bondade e perdão não exatamente faziam parte da sua filosofia.
Pelo olhar dele, aquela história de dar a outra face não era bem o que ele tinha em mente. Aliás, ele parecia bastante disposto a esfregar a minha face no cimento da calçada.

Cazuza disse uma vez que “eu vi a morte de perto e ela estava viva”. Aquela tarde, em casa, foi pior. Eu vi a morte de perto, e ela estava sentada num canto da sala, lambendo os beiços e rindo da cara do meu irmão. E isso não me ajudaria em nada naquela hora.

Eu sabia que ia morrer, mas não conseguia parar de rir. Assim, mesmo gargalhando, assumi a posição de defesa clássica de qualquer filho caçula numa situação dessas: me encolhi no sofá e esperei pelo pior. Meus neurônios ligaram o alerta vermelho, e uma sirene começou a tocar no meu cérebro. Um deles pegou um microfone e avisou o resto do corpo para se segurar, gritando que o impacto seria iminente.

Eu estava prestes a encenar uma reconstituição da história do Titanic, na qual meu irmão interpretaria o gigantesco iceberg. E eu não seria o Titanic, e sim um barco a remo.

Por alguns momentos, naquele dia, meu irmão acreditou na Bíblia. Ou, ao menos, numa parte específica dela: a crucificação.

Foi a Paixão de Rob.

Com algumas diferenças, claro: no lugar do julgamento, foram murros; no lugar da coroa de espinhos, foram murros; e no lugar das chibatadas, foram murros. Se Barrabás estivesse na sala aquele dia, não iria escapar, teria sobrado para ele também.

Menos de um minuto depois, eu estava morto. Mas, diferente de Jesus Cristo, eu havia morrido pelos meus próprios pecados. Além disso, não precisei de três dias para ressuscitar.

Provavelmente na mesma noite (ou no máximo no dia seguinte), eu ressurgi dos mortos e aprontei alguma outra coisa com meu irmão.

E, claro, devo ter apanhado mais uma vez.

26 comentários:

Lang "The peacefull" disse...

putz cara eu ri muito!

Autorização do Ibama XD

Anônimo disse...

Queria comentar, mas eu não consigo PARAR DE RIR!
Socorro. Lágrimas de riso correm pelas minhas faces. E a culpa é sua.
Vou contar pro seu irmão... hahahahahahaha

Camila disse...

Hahahahahahahaha...ainda to rindo...muito!!!!

Na Braga disse...

Compartilho desse "apronta, apanha". Mas, no meu caso, eu sou a irmã mais velha. Deveria dar exemplo, ou melhor, deveria descer porrada! Ao invés disso eu preferia provocar meu irmão até que ele perdia o medo de "bater em mulher", se é que um dia teve!
;)

Barbarella disse...

Fazia muito tempo que não dava boas gargalhadas...rsrs

Muito bom texto Rob.

Excelente.

bjos

Natalia Máximo disse...

Meu Deus, como nunca tive uma ideia genial dessa pra aprontar com meu irmão mais velho? Agora é tarde demais =/

Melinda Bauer disse...

Realmente , um irmão mais velho é um campo experimental e tanto. No caso de nós( irmãs) mais novas vale a terapia do grito. Meu irmão mais velho e meus pais só não ficaram surdos.....apenas descompesados!
Mas eu sofri várias tentativas de fratricídio!Aos nove meses por asfixia com o travesseiro.Aos dois anos tomei leite fervendo com aveia por osmose. Aos nove tive o nariz quebrado e assim por diante. Portanto ...pelo menos o teu irmão não deixava vestígios...ps.meu irmãozinho era apenas dois anos mais velho... :))

Melinda Bauer disse...

A propósito...estava com saudades ..não vinha tendo tempo para te ler... abraço..

Anônimo disse...

Ótimo, como sempre.

Varotto disse...

Cara, até eu fiquei com vontade de te bater.

P.S.: Não fale comigo pelos próximos dias porque periga eu pegar um avião só para ir aí te bater também...

MaxReinert disse...

hauhauhaa....dizer que vc mereceu é o óbvio... mas

VOCÊ MERECEU!!!!!!!!!!!!!!

Layla Barlavento disse...

Sou a irmã mais velha. Na verdade sou a estréia, mais velha nunca. Nesse caso você mereceu cada murro recebido. KKKKKKKKKKKK Ainda bem que você não é meu irmão nem conheceu as minhas irmãs na adolescencia...

Layla Barlavento disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Hally disse...

Na qualidade de caçula, tenho de te parabenizar... eu nunca tive uma idéia genial dessas...

hahahahahahaha

O triste é o que vem depois... =S

Anônimo disse...

Salvou meu domingo, nada como umas gargalhadas pra animar!
Ainda bem que eu não tenho irmão caçula...

Gilmar Gomes disse...

realmente não era o que eu achava que ia ler quando vi o título do post...

quero dizer aqui que você apanhar realmente tem nos feito rir muito... esses dois últimos posts nos mostram que você sofrendo é uma fonta inesgotável de posts...

ah... sobre o post anterior, aquela do action figure me deixou rindo durante algum tempo, o que fez meu chefe vir ao estúdio perguntar do que eu estava rindo e eu disse pra ele: dum post, e ele disse, que isso? e eu disse: nada não... e ele riu... esse meu chefe está muito mudado desde que se viciou em internet... acho que já está na hora de eu passar o endereço do seu blog pra ele... e fazê-lo descobrir em todos os sentidos o que é um post...

e falando em post... tem novidades no:

www.thegilgomex.blogspot.com

mas eu nem vou fazer propaganda...

May. disse...

Sério, você deve ter sido o inferno. hahahahaha Mas olha, GENIAL, só pra variar um pouco.

Djamar disse...

ROb , também ri muito ,eu já aprontei uma dessas com meu irmão, porém lembrei dos murros que ganhei em troca.
Vc é incrível, seu texto é tão real ,que parece que estou te ouvindo relatar ( ops!!).
rsrsrs
Fala pro tal de Mateus que eu sou professora de português, não sou velha e nem chata , tá bom!

abraços

ticoético disse...

Inda acho q o anteior foi melhor,mas esse aqui,HAHAHA,nem tem comparação...

Pri disse...

Eu devo ser tb uma irmã caçula exemplar, porque mesmo tendo 20 anos e meu irmÃO 22, outro dia ele proferiu a seguinte frase: "- Você tem sorte de ser menina, porque se fosse muleque ia levar muita porrada!"
É sério nesse dia até fiquei com medo dele, mesmo ele tendo só uns 10kg a mais q eu...

Eduardo disse...

kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk... q ideia boa da porr!

heuahuehauha... rindo muito


ah, Rob conte mais de suas surras... putzz.. como é bom ver certas misérias dos outros, néh?!

heuahuahaua

Renata Schmitd disse...

agora eu penso: sinto pena do seu sobrinho, por ser filho do seu irmao, ou tenho pena do seu irmao, pois o filho pode sair igual ao tio? :)

La disse...

Eu também AMO Testemunhas de Jeová... agora que vivo em casa de rua, toda vez que toca a campainha, meu amado marido vê quem é e me pede pra atender... eu nem me dou ao trabalho de ir até a porta. Atendo o interfone, falo alô, começo a escutar, corto ela e digo: Olha, eu sou judia. Não acredito em Jesus. Isso. Não Jesus. Isso. Obrigada! Eles sempre saem correndo depois disso...

eduardo disse...

fazia tempo que nao chorava de tanto rir!

excelente

Marina disse...

Embolei de rir com o "Testemunhas de Jeová são como aqueles banners expansivos: se você acidentalmente passa o mouse em cima, ela aumenta de tamanho, começa a falar absurdamente, e não há quem feche aquilo."

Comparação brilhante.

Gislaine disse...

OI Rob, depois de muito tempo ca estou eu de novo, sei que nao sou de deixar comentarios, mas nem por isso deixei de ler seu blog.
Quem me conhece sabe que sou meio anciosa e desesperada (coisas de mulher), e como paciencia nao entra no meu vocabulario, comecei a reler o blog desde o inicio (pois qnd nao tem novos posts fico meia desesperada sabe).
E qnd se diz, "Quando ama, nao enjoa", é verdade posso ler e reler que a emoçao e as crises de risos sao sempre as mesmas.
Nao estou numa fase muito legal da minha vida, sabe qnd te da aquela vontade de largar tudo e sair correndo, estou me sentindo assim ultimamente, e posso te dizer que qnd eu me refugio aq no seu cantinho, me sinto feliz.
Tudo isso so para te agradecer pela alegria, pelas risadas e por dividir seu imenso talento com tds os seus leitores.
Obrigado e continue sempre assim