Já faz algum tempo que alguns amigos meus têm insistido para que eu conte, aqui no blog, algumas histórias de anos atrás. No começo, achei que isso não valeria a pena – especialmente porque muitas histórias da minha adolescência não são dignas de serem reproduzidas –, mas, como diria Chico Buarque, “foram tantos os pedidos, tão sinceros, tão sofridos, que eu dominei meu asco”.
Então, vamos começar a abordar alguns assuntos do século passado (ou, melhor dizendo, a. C. – antes do Champ) aqui.
Aliás, cabe falar um pouco sobre o Rob Gordon adolescente. Por um lado, eu era o filho que qualquer pai ou mãe sonhava: saudável; apaixonado por livros e filmes; razoavelmente inteligente; e um meia-direita razoável. Por outro, eu era um lixo. Entre os meus 15 e 20 anos, consumi mais álcool que algumas cidades do interior. Junte isso ao fato de que eu tinha o cabelo no meio das costas e andava com algumas pessoas não exatamente recomendáveis e pronto: estava eleita a ovelha-negra da família.
Mas eu tinha um ponto positivo. Eu tinha um emprego. Era um dos poucos da minha turma que já trabalhava. Mas meu emprego era um tanto quanto... Inóspito. Eu trabalhava como faz-tudo numa loja que vendia material de limpeza por atacado (vamos chamá-la de Loja Tal) e pertencia à minha tia (que chamaremos de Júlia) e a um sócio (vamos chamá-lo de Flávio).
Não sei a intimidade que vocês têm com material de limpeza, mas, desde aquela época, eu encaro aquilo como coisa do demônio. Sério, em alguns momentos, aquilo era o inferno na Terra. Ao longo de dois anos, quase perdi um dedo com ácido, desmaiei por causa do cheiro de Ajax concentrado que vazou enquanto estava no depósito e perdi dezenove calças por conta do maldito cloro. Uma das minhas calças de moletom, inclusive, tinha tantas manchas de cloro e cândida que me deixava parecido com um palhaço, já que tinha uma perna azul e outra rosa.
Assim, não era difícil você me ver andando pelas ruas de Moema (era onde eu morava) carregando fardos de papel higiênico, galões de desinfetante. Mas os piores eram os clientes. Se alguém já está desenvolvendo fantasias com donas de casa mal-casadas e carentes, esqueçam. Eu lidava somente com zeladores e faxineiros de grandes edifícios, que apareciam na loja com listas de compras que precisavam ser decifradas (coisas como “papeu inxinhênico” eram comuns no meu dia).
Mas o pior de tudo era um dos vendedores externos, o Oliveira (e eu vou manter o nome real dele aqui, porque eu já contei essa história tantas vezes que não tenho coragem de mudar o nome do personagem principal). Assim como os outros vendedores, ele era incumbido de percorrer os edifícios atrás de grandes pedidos.
O Oliveira era um prodígio. Ele foi um dos meus primeiros contatos com a idéia de que a “humanidade não deu certo”. Certa vez, chegou a fechar uma venda de 80 litros de detergente neutro-maçã e eu fui obrigado a ficar meia hora explicando para ele que isso não existia, era como “Guaraná-Cola”.
Mas nada superava as suas ligações telefônicas. Ele ligava em média três vezes por semana, e sempre calhava de isso acontecer quando eu estava sozinho na loja e eu que tinha que atendê-lo. E o diálogo era suficiente para estragar meu dia totalmente. Podemos dizer que minhas conversas telefônicas com o Oliveira eram um trailer de todos os atendentes de telemarketing que eu encontraria na vida. E eram SEMPRE desse jeito:
– Loja Tal, boa tarde, eu atendia.
– Alôuu?
Neste momento, eu já sabia que era o Oliveira. O seu “alôuu?” (que soava como se ele tentasse chamar a atenção de alguém dentro de uma caverna), era inconfundível. Eu respirava fundo e ia em frente.
– Loja Tal, pois não?
– Alôuu? É da Loja Tal?
– Sim. É da Loja Tal.
– Eu queria falar com a Dona Júlia.
– A Dona Júlia não se encontra. Ela não vem hoje.
– Ah. O Flávio está por aí?
– Não, ele deu uma saída. Foi ao banco.
– Ah.
Ele era bom nisso. Ele falava “ah” e ficava em silêncio, jogando a bola de volta para mim. Assim, eu ficava sem muitas opções para continuar o diálogo. Restava apenas voltar ao começo:
– Posso ajudá-lo?
– É da loja Tal, certo?
– Certo.
– Quem está falando?
Ok, vamos analisar um pouco o enigma que se apresentou diante dele: três pessoas trabalham num local, e ele sabe disso. Duas delas não estão presentes, e ele sabe disso. Ou seja, sobra apenas uma pessoa. Posto isso, alguém atende o telefone e ele não sabe quem é? Ô fase.
– Rob.
– Oi, é o Oliveira.
Ah. Que surpresa.
– Oi, Oliveira, tudo bom?
– Tudo e você?
– Tudo. Posso ajudá-lo?
– Eu queria falar com a Dona Júlia.
Suspiro.
– A Dona Júlia não está.
– É que eu precisava falar com ela.
– Isso não muda o fato de que ela não está.
– Ah.
– Só pode ser com ela?
– Pode ser com o Flávio também. Ele está?
Deus do céu.
– Não. Ele foi ao banco.
– Ah.
– ...
– Aqui é o Oliveira.
– Sim, eu sei. Você já disse isso.
– A Dona Júlia...
– A Dona Júlia não está! O Flávio também não!
– Ah.
E eu ficava pendurado no telefone, imaginando se ele continuava ali do outro lado ou não. Logo, cabia a mim tomar a iniciativa.
– Alô?
– Alôuu?
– Oi!
– É o Oliveira.
– Eu sei disso!
– Eu ligo depois.
E às vezes, ele ligava quinze minutos, e tudo isso se repetia. Assim, fica mais do que claro que a humanidade não deu certo desde sempre.
E, enquanto penso em outras histórias do meu passado para trazer ao blog, deixo vocês com outras pérolas: o Top 5 Itens mais Estranhos que Eu Vi em Listas de Compras na Loja:
1. (O já citado) Papeu Inxinhênico
2. Çaco Dlixo
3. Água-cândida (para os leigos, uma explicação: não existe água-cândida. Ou é Cândida ou é Água Sanitária)
4. Di Tergenti
5. Desinfetante Calito.
25 comentários:
Hoje em dia Oliveira é dono de uma rede de Call Center, e tem no topo da lista do dia um pequeno garoto que conheceu anos atrás...
Hilário. =)
Putz, quando eu era escraviário da Sabesp, tinha um cara que era igualzinho no telefone.
Mas tava pensando aqui: para o cabelo do Rob chegar no meio das costas, não é preciso muito, rs
Já pensou ele lá no depósito, com uma calça colorida, ouvindo Metallica e Iron Maiden numa fita mal-gravada num Walkman amarelo da Sony, aí chegava um cliente e ele gritava: ACABOU O PAPEL, NÃO ENCHE O SACO, UP THE IRONS! UHUUL
hauhauhauha, eu quero mais histórias do Túnel do Tempo do Rob =D
Aqui, temos vários Oliveiras. Comigo, trabalha um Thiago. E mesmo atendendo com uma forte ênfase no F (Sonae Sierra, FFFFagner), acontece, várias vezes por dia, a mesma coisa:
- Sonae Sierra, Fagner.
- Thiago?
- Fagner.
- Wagner?
- Isso. FFFagner.
- Tudo bem, Wagner?
Amei seu "causo" Rob!
Fiquei tentando imaginar seu cabelo comprido mas não consegui (sorry).
E demorei uns 5 minutos para descobrir o que era desinfetante calito :DDDDD
Muito bom querido, quero mais aventuras adolescentes do Rob Gordon...tenho a impressão que dariam um livro ^_^
AAAAAAAAAAAA
hahahahahahahahahahahahaha
Você esqueceu de contar das fichas caindo e fazendo barulho de carneiro na sua orelha enquanto o Oliveira tentava explicar que ele estava na INANbiquaras...
hahahahahahhaha
Uma coisa que eu não concordo é com o aspecto da calça de moleton... vc mais parecia um dálmata!
hahahahahahahaha
Ganhei meu dia!
é.... Alou???
Hahahahahaha! A humanidade não deu certo mesmo. Você aí falando do aspecto da sua roupa e eu lembrei das minhas, na época da faculdade: brancas e manchadas de nitrato de prata. E olha que era comum a gente sair de lá prum bar, todo mundo assim.
Hahahahaha... Este Oliveira deve ter irmãos no Paraná, não é possível.
Belo "causo", se tiveres mais, pode compartilhar.
Mas, sabe o que é pior que Papeu Inxinhênico e Desinfetante Calito? Guaraná de Laranja. É lado triste de se trabalhar na mercearia da família, dos 14 aos 16... Se um dia, tu encontrar um guaraná de laranja, me avise! Ah, e não esqueça de comprar as shaushishas, pra comer com pão e... guaraná de laranja!!
kkkkkkkkkkkkkk
Também atendo o telefone com um "alôoou", só não sou tão tapada assim rs
Olha, eu nem mexo com produtos de limpeza nem nada, mas tenho algumas roupas manchadas. Saio com elas e nem ligo. É, sou uma largada
You always make my day! lol!!!
xoxo
A humanidade não deu certo... tisc... tisc...
XD
UPDATE de comentário: Acabei de lembrar do "iorgute", e esse não podia ficar de fora!!
Kkkkkkkkkkkkkkkk
=D
eu faço a atendente mal humorada. quando ligavam na produção e eu percebia que era uma senhorinha mal articulada que insistia em falar com o apresentador (como se isso fosse a coisa mais fácil do mundo) ou entao pedia seu telefone ou endereço (alooou) eu já cortava. senhora me deixa o seu recado que eu falo com ele e te retorno. e assim todos vivíamos felizes...
Me passaram uma lista de compras com o ítem "guarda napo", perguntei se o guarda Belo não servia, pois o Napo estava de férias..rs
Tb já atendi esses tipos. Aliás, de vez em quando atendo, até hoje. A diferença é que hoje eu chego com os dois pés no peito pelo telefone. Minha paciência com gente burra acabou há muito tempo... rs...
Confesso q demorei um tempinho pra entender o q era desinfetante calito...
Mas qto a sua adolescencia, não se desespere, vc não está sozinho^^
O passado condena vários indivíduos a terem "causos" como esse...
bj^^
A humanidade não deu certo. - Certo
O oliveira não existe - errado
Papeu Inxinhênico - Impossível.
Çaco dlixo - VOu me matar e já volto.
O comércio tem as melhores histórias. Ainda preciso contar as do "celular do Fabio Assunção", "o bêbado da recarga" e "Parcelando em 35 cartões".
Rob, fiz um banner de 468x60 do Champ e coloquei no meu blog pra divulgar, tudo bem? Troquei o layout do Farofa também, dá uma olhada se puder.
www.farofaamilanesa.blogspot.com
Haha, demorei 5 segundos pra entender o q era "Çaco Dlixo" e outros 5 pro "Desinfetante Calito".
Eu ia te perguntar quanto você pagou pro Dalleck fazer publicidade, mas agora acho que você nem estava sabendo xD
Os pedreiros aqui de casa têm umas listas parecidas. Resistro, arame cozido... daí pra melhor.
Um desavisado poderia achar que problemas como o Oliveira seriam sanados com a maravilhosa popularização dos telefones celulares.
Mas algo me diz que ele estaria muuuuuito errado.
O Champ mudou, o Rob não.. que bão!
hahahahahahahaha
Bom... muito bom...
Alta Fidelidade sempre leva a algum lugar...
Hahahahahahahahahaha!
Meu deusu!
Na verdade eu acho que o Oliveira não é privilégio somente teu. Experiências de clonagem humana secreta deram origem a uma produção em série deles.Tem clones de Oliveiras por toda parte. Quem ainda não conheceu um certamente vai conhecer...
:)
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