(leia O Bem aqui)
Caros leitores,
Creio que já passou do tempo de eu ter o direito de escrever aqui, ao menos uma vez na vida. Afinal, às vezes, quando fico sozinho, dou uma fuçada nos arquivos deste blog e vejo que existem diversos textos a meu respeito, e nem tudo que está aqui é verdade. Ao menos, não de acordo com meu ponto de vista.
Sim, existem muitas verdades aqui. Ele trabalha demais, ele atrai todos os loucos que cruzam seu caminho na rua, especialmente naquele mercado. Agora, uma coisa que ele não conta é que, se a humanidade não deu certo, ele é o maior exemplo disso. Porque, eu confesso, é difícil morar aqui com ele.
Antes de tudo, eu nunca vi alguém com tanto talento para fazer bobagem.
Acho que vocês conhecem uma das histórias mais famosas. Eu estava dormindo, quieto, no meio da madrugada e o babaca cozinhando – sim ele come nos horários mais estranhos do mundo. De repente, acordei com um barulho enorme e, olho para o lado, vejo o babaca deitado no chão da cozinha, todo queimado com uma lasanha, gritando de dor.
Não tinha como ser mais tosco. Fora que sujou a sala inteira. Não tive dúvidas: fingi que nem percebi e fui discretamente para a varanda, dormir em paz. Ele que limpasse aquilo. É muita falta de respeito com quem está tentando dormir.
E isso é apenas uma amostra do que eu encaro por aqui. Sério, não sei como ele não se mata nessa casa. Às vezes, ele cisma de assistir a um determinado filme, mas não sabe onde está o DVD. Vai para o quarto e começa a fuçar. De repente, ouço aqueles barulhos de tragédia. Eu coloco a cabeça no quarto e lá está o infeliz deitado no chão, soterrado por pilhas e pilhas de DVDs. E ainda fica xingando os discos, como se a culpa fosse deles.
Ô fase.
Mas isso não é o pior, acreditem. Nada supera os dias em que ele está carente e quer conversar comigo. Aí ele se senta no chão, e conta da vida dele, pergunta da minha vida. Eu? Eu fico sentado, olhando para ele e pensando “será que o imbecil sabe que eu não falo?”. Sério, não dá para respeitar uma pessoa assim. Ele é totalmente desequilibrado. E isso porque nem comecei a falar de quando ele começa a discutir com o computador, com o DVD, com a televisão. O problema não é ele achar que eu os objetos iremos responder, mas sim ele estar convencido de que é o dono da casa. Às vezes, chega a dar pena.
E quando ele se mete a brincar de luta comigo? Porra, não dá. O cara tem 30 anos a mais que eu, mas, às vezes, eu me sinto como se fosse o único adulto aqui. Eu estou quieto, tentando ver o jornal, e o infeliz senta no chão e me chama para brincar. Eu tento ignorar, mas ele é teimoso demais. Vou começar a andar com pedaços de chocolate pela casa. Sempre que ele fizer isso, eu vou jogar um chocolate para ele. Quem sabe assim ele me esquece.
Mas morar com ele tem seus pontos positivos, claro. Primeiro, ele é tonto demais. Nunca vi alguém tão fácil de ser enganado. A hora de dormir é o exemplo perfeito. Ele se deita na minha cama – ele acha que a cama é dele, mas paciência; ele também acha isso do meu aquecedor – e eu me deito ao seu lado. Não dá dez minutos, eu começo a me acomodar melhor e pronto. Ele já está espremido no canto, na parede, e a cama voltou ao seu verdadeiro dono: eu, a entidade dominante da casa.
E ele sabe que nem é bom reclamar: a última vez que ele ameaçou me colocar para fora do quarto, eu aproveitei a hora que ele foi beber água e mijei bem no meio do colchão. Ele ficou puto, mas a mensagem ficou clara: se eu não durmo na cama, ninguém dorme. Até hoje começo a rir quando me lembro dele trocando os lençóis no meio da madrugada. Ridículo.
O problema é que tem coisas que não dá para contornar, mesmo com minha inteligência superior. Especialmente quando ele cisma de fazer coisas novas. Quando ele se mete a cozinhar dá até medo. Eu sempre tento avisar, fico olhando com aquela expressão de “vai dar merda”, mas o babaca não consegue entender.
E, invariavelmente, o resultado é sempre o mesmo: a comida sai uma merda e ele tem que pedir pizza. Nessas horas, eu fico olhando com aquele ar de superioridade natural que só os líderes têm, tentando dizer “eu avisei”, e ele fica mais puto ainda. Como se a culpa de ele não saber fazer arroz fosse minha. Ah, me poupe.
Sério, vocês não conhecem a peça, mas não estou exagerando. Ele é medíocre demais. Quando minha veterinária vem aqui, chega a ser risível. Semana passada ela veio, eu precisava tomar vacinas. Aí, eu me escondo embaixo da mesa, só de sacanagem, para o babaca ficar tentando me chamar com brinquedinhos e petiscos. Eu sei que a vacina é importante e é óbvio que eu vou tomar, mas me escondo só para fazer o babaca pagar mico na frente dela. E ele sempre cai.
Fora que ele é previsível. Quantas vezes ele não sai de manhã, para trabalhar, e volta cinco minutos depois, com aquela cara de imbecil, dizendo “esqueci a carteira”? Aliás, não sei como permitem que uma pessoa dessas more sozinho.
Mas aí, felizmente, ele sai para trabalhar e eu consigo ficar um pouco sossegado. Quer dizer, ele diz que vai trabalhar, mas eu duvido. Porque ele está sempre reclamando que está tudo atrasado. Ou seja, ou ele falta ao emprego ou é desorganizado mesmo.
Mas o que importa é que ele sai de casa. E eu fico aqui, lendo meus livros, assistindo aos meus documentários, colocando minhas coisas em ordem. Isso, claro, até que cai a noite, e, mais cedo ou mais tarde, a porta se abre e a criança da casa entra correndo, abrindo a calça e indo desesperadamente para o banheiro.
Aí eu suspiro, enfio a cabeça no sofá e tento dormir, certo de que meu inferno particular começou. Sério, eu tinha muito mais o que dizer aqui, mas não vale a pena. Mesmo porque eu nem gosto desse negócio de internet. Prefiro livros. Inclusive, vou voltar para o sofá, para continuar a ler Nietzsche.
E, para me despedir, deixo você com uma citação dele que sempre gostei demais: “Aquele que luta com monstros deve acautelar-se para não tornar-se também um monstro. Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você.”
É, Nietzsche, você tem razão. O problema é que você não imagina o monstro que mora comigo. E, pior, eu tenho que olhar para ele todo dia.
Ô fase.
Cordialmente,
Besta-Fera.
26 comentários:
Caríssimo Besta-fera, ainda bem que finalmente você dominou este espaço também. Seus textos serão muito melhores do que os desse cara.
E você é muito mais fofinho.
Em qual acreditar?
No bom ou no mal?
E agora? Tem dois Besta-Feras?
Será que a Besta-Fera tem distúrbio bipolar?
Besta-Fera, parece que vc vai ignorar a época em que teve fungos e precisou ser "manuseado" pelo Rob. Eu sei, eu sei, era humilhante demais pra falar muito sobre o assunto... mas confesse: vc precisa dele.
Besta-Fera, você deve ter um sério problema de identidade... fala como um gato, age como um gato... isso não está certo!
Genial. Adoraria escrever do nível que Besta-Fera escreve.
Excelente. Estava aguardando por este dia.
Concordo com a Norma. Besta-Fera, tens um sério problema de identidade. Enquanto lia este post do seu lado "mau", parecia que estava lendo algo que meu gato escreveu sobre mim. Seria algum trauma decorrente das atitudes de seu dono, ou melhor, de seu, como direi, "monstro"? Melhor consultar um psicólogo.
=P
Agora vou ler o seu lado bom, pra ver se, de repente, somente seu lado mais rabugento se parece com meu gato.
P.S.: Como eu gostaria de escrever como você, Besta-Fera!
"Sempre que ele fizer isso, eu vou jogar um chocolate para ele. Quem sabe assim ele me esquece."
Realmente este cão sabe como adestrar um ser humano.
(Ripacaraidessa...)
Seguinte. Coincidência ou não... Ontem chegou meu exemplar daquele livrão com a coletânea de tirinhas do Garfield, que eu comprei pq tava com frete grátis e pela metade do preço... E lendo aquilo (e rindo muito) e lendo isso (e rindo muito), percebo que a Besta-Fera tem um certo parentesco (apesar de um ser cão e outro gato) com o Garfield...
Pensei em trocar seu nome com o do autor do Garfield, e olhe o que deu:
Rob Davis e Jim Gordon (Jim Gordon, sacaram?... Er, esquece...)
PS: li a versão do "bem", e ao contrário de outros, acredito mais nesta versão aqui... Mas fazer o que? Sempre preferi gatos...
Rob, acabei de crer: você é a versão adulta do Calvin (do Hobbes).
Amei os textos!
Prezado Sr. Fera escrevo apenas para dizer que nem por um minuto duvidei que o texto fosse seu. Não havia um único erro de digitação, coisa rara nos textos que o Rob posta aqui.
Parabéns.
Besta-Fera eu acho que deverias prestar consultoria na área de psicologia transpessoal- especialidade animal. Muitos alegres e debilóides proprietários de gênios quadrúpedes estão perdidos e carecem de orientação e até quem sabe passar por um processo de ressocialização ou adestramento. :))
Vc me deixou na dúvida da personalidade do cão. Mas escolho o bem. Quase me fez chorar.
Só falta o Jonas agora.
Rob,
Lamento informar mas o besta Fera escreve bem melhor que você. Acho que ele deveria ocupar o cargo de editor chefe do Champ! :)
Adorei ambos os textos.
PS - acho que você se recuperou maravilhosamente do "bloqueio" que estava se queixando!!
Essa Besta-fera do Champ Vinyl é fake.
Besta-Fera, você não fala, mas escreve bastante. Deve ser influência de Nietzsche.
Ah, ter um inquilino como o Rob não deve ser tão ruim, afinal: você tem um garçom particular e de graça. Sem falar que também serve de personal trainner.
Ele é lindo!!!!!
Nunca vi nome mais apropriado..
Besta-Fera tem diploma de jornalismo? Seria a cartada final...
Já disse no Chronicles, prefiro o Besta Fera bonzinho mas morri de rir com o texto do lado mal dele :DD
Tenho certeza que, apesar desse jeito mau humorado, ele adora você ^_^
Besta-Fera,
Você é bipolar.
Besta fera você é bipolar, mas não tem problema isso não tem cura. Adorei mesmo assim. hahaha
Beijas
Até um cachorro escreve melhor do que eu...ô fase!
Besta-Fera, fazia muito tempo que nós ansiávamos por um post teu. Não que a gente não goste do teu colega de quarto, mas sempre achei muito injusto que te usasse em suas histórias para aumentar sua fama sem que você tivesse chance de se defender. Protesto mais do que merecido!
Bjs!
Eu sempre gostei mais do lado mau das pessoas. Ou melhor, dos animais.
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