Hoje é Dia dos Namorados.
Enquanto eu baixava meu e-mail hoje de manhã, olhei pela porta de vidro da varanda. Num prédio razoavelmente velho, que fica bem em frente ao meu, mas na rua de baixo, vi uma moça na janela, observando a rua. Ela estava apoiada no parapeito da janela de um apartamento igual a todos os outros, olhando o mundo.
Na verdade, ela ainda está lá. Mesmo tendo construído todo o primeiro parágrafo no passado, estou escrevendo praticamente em tempo real, digitando e olhando para ela. Ela continua ali, na janela, braços cruzados, sem saber que estou aqui, a poucos metros, escrevendo sobre ela neste minuto. E provavelmente ela nunca vai saber isso, assim como nunca saberá quem sou eu, muito menos que tenho um blog.
Estou olhando na direção dela já há alguns minutos, tentando descobrir o que ela está observando. Confesso que não há nada de especial no que ela está fazendo. Já cansei de ver pessoas na janela nos prédios à frente do meu, mas fiquei intrigado com ela na janela. Afinal, o dia está horrível, nublado, e, pelo que posso ouvir do meu apartamento, nada de especial está acontecendo lá fora. Ouço o motor dos ônibus e carros que sobem a Teodoro Sampaio.
Ou seja, não há o que olhar lá fora. E ela continua ali, na janela. E eu continuo aqui, observando e tentando entender (ou melhor, tentando adivinhar) o que ela está fazendo. Porque, para mim, uma pessoa que fica parada na janela quando nada de especial está acontecendo na rua não é uma pessoa que está olhando a paisagem, mas sim olhando para si própria. Ou, talvez, aguardando alguma coisa.
Hoje é Dia dos Namorados.
Será que ela está na janela esperando pelo seu namorado, que irá levá-la para almoçar naquele restaurante que tem o seu prato predileto? Assim, ela acordou cedo, tomou banho e se arrumou (ela escolheu o que iria usar ontem à noite) e está ansiosa para descobrir se ele gostará do presente que ela comprou.
E, claro, ela também estaria tentando adivinhar o que irá ganhar. Uma roupa nova? Uma jóia? Uma caixinha de música? Ou um poema, que ela irá dobrar e guardar como um tesouro, naquela caixinha que fica sobre o criado-mudo, ao lado da cama? Será que o namorado dela é romântico a ponto disso?
Talvez o namorado dela não seja romântico a esse ponto, e lhe dê apenas um CD e a leve para almoçar no mesmo restaurante que eles sempre vão. Mas ela não se importa. Só o fato de estarem juntos já a deixa feliz. O CD e o restaurante são apenas detalhes.
Se bem que, olhando daqui, ela não parece estar esperando por ninguém. Ela já está na janela há uns bons minutos, e está quieta demais para estar ansiosa pela chegada de alguém ou pelo telefone tocar. O que me leva a pensar que ela não está observando nada, mas sim pensando. Porque ela continua na janela, totalmente alheia ao fato de que estou aqui, escrevendo sobre ela.
Hoje é Dia dos Namorados.
Será que ela tem alguém que irá levá-la para almoçar fora? Ou será que ela está na janela pensando justamente sobre o motivo de não ter ninguém, e tentando entender o que há de errado com ela. Afinal, ela não é feia, não é uma pessoa má, mas não tem ninguém – e não suporta quando sua melhor amiga tenta confortá-la, dizendo que “você ainda não achou a pessoa certa”.
Assim, este ano, ela decidiu que não irá se deixar abalar pelo fato de que irá passar mais um Dia dos Namorados sozinha. Como estamos num feriado, ela vai tirar o dia para ela. E somente para ela. Este será o seu presente.
Vai colocar uma roupa bonita, almoçar fora e depois irá ao cinema, abraçada com a idéia de que, como está sozinha, pode ver exatamente o filme que quiser, a hora que quiser. E, depois, vai gastar tempo numa livraria, escolhendo um livro que irá comprar, – e começar a folheá-lo na praça de alimentação de um shopping qualquer, enquanto toma um sorvete, alheia às pessoas que passam ao seu redor.
Mas, mais importante que isso, ela deixará o celular desligado. O verdadeiro presente que ela se dará hoje será abandonar a esperança de que alguém irá ligar para ela. Porque não é a solidão que a machuca, mas sim a esperança de que a solidão irá acabar um dia. E ela nunca acaba.
Ela acabou de sair da janela. Não sei o motivo. Talvez seu namorado tenha chegado. Talvez ela tenha decidido qual filme irá assistir sozinha. Não importa. Por bem ou por mal, hoje o dia será dela. E, tendo alguém especial ou não, nada é mais reconfortante de do que a idéia de saber que você pode ter um dia somente para você. Espero que ela consiga.
Sim, admito que talvez ela tenha quase cinqüenta anos e estava esperando o arroz ficar pronto, enquanto seu marido lê jornal na sala – mas hoje é Dia dos Namorados, e um pedaço meu se recusa a acreditar que até mesmo algo simples como uma mulher na janela tenha uma explicação banal.
Hoje é Dia dos Namorados.
Se você tem alguém especial, saia e faça essa pessoa feliz. You have found her, go out and get her, já diria Paul McCartney (e, sejamos sinceros, ninguém entende mais de amor que os Beatles).
Esqueça, por um momento, todas as brigas que vocês já tiveram, e deixe de lado, por algumas horas, tudo aquilo que vocês não conseguem concordar.
Apenas saia e faça esta pessoa feliz.
E não estou falando em coisas grandiosas, jantares em restaurantes caríssimos, jóias, nada disso. Apenas passeie de mãos dadas com essa pessoa, mas segure sua mão como se fosse a primeira vez que você faz isso na vida. Não é preciso muito mais que isso, acredite.
E, se você não tem uma pessoa assim na sua vida, não se preocupe. Não é o fim do mundo. Aliás, está longe de ser. Antes de tudo, você tem a você – e isso inclui ter seus filmes, discos e livros preferidos. E tenho certeza de que os seus filmes, discos e livros ensinaram você a reconhecer esta pessoa quando ela aparecer, e também a dar valor a ela, quando isso acontecer.
Porque, acredite em mim, isso vai acontecer.
Este texto é dedicado à moça na janela, que talvez precise muito mais dele do que minha namorada. Afinal, enquanto ela tem este texto (e eu não sei se ela tem muito mais que isso), minha namorada tem a mim – e gosto da idéia de pensar que isso é mais importante e valioso que um texto qualquer escrito num blog qualquer. E, claro, aos meus pais: afinal, se não fossem os mais de 40 Dias dos Namorados que eles passaram juntos, eu não estaria aqui e este texto não existiria.
27 comentários:
champ vinyl tb é romântico, q coisa hem eheh. to zuando, parabens pelo texto e depois eu te aviso de como isso pode ter mudado minha vida (o mérito é da frase dos beatles, na verdade eheh)
Muito bom!! Já mandei para algumas pessoas o seu link com o texto de hoje... :-)
Ah!!
Nessa parte:
"E, depois, vai gastar tempo numa livraria, escolhendo um livro que irá comprar, – e começar a **** na praça de alimentação de um shopping qualquer, enquanto toma um sorvete, alheia às outras pessoas que passam ao seu redor."
Na parte dos asteriscos não está faltando algo no texto?
Abraço e feliz dia dos namorados para todos!
:)
É Rob... vou passar com meus livros, cd's e pensamentos. Dia normal. =)
Caramba Rob. De vez em quando é bom ver textos típicos do Chronicles aqui.
Fiquei de queixo caído.Não era a moça na janela, mas me senti descrita no texto a maior parte do tempo.
Obrigada pelo texto. Acompanhado ou só, é sempre bom ter em vista que a nossa mais importante companhia somos nós mesmos. Senão nem tem graça ter alguém por perto.
Obrigada pelo presente. Não sou a moça da janela mas me dei o direito de pensar que o texto também foi pra mim. Mesmo que por apenas alguns segundos.
Lindo texto Rob! Hoje caminhei de mãos dadas por Ouro Preto com o meu namorado, o homem que está ao meu lado há 25 anos. Não poderia querer presente melhor ^^
Feliz Dia do Namorados para você!
Beijos
Sil
Ou ela pode estar pensando que, se sair de casa, vai pegar fila em qualquer buraco que for. Amiga, siga meu conselho e fique em casa mesmo.
Sim, meu lado romântico está em baixa. Abraço, Rob!
É por textos como esse que você é tão descaradamente plagiado. Acredite, ninguém plagia texto ruim.
E eu gosto de pensar mais ou menos do averso seu Róbi Gordu. Gosto de pensar que todos nós temos uma mulher na janela, que todos nós temos alguém desesperado para que a gente o descubra.
E a parte que não precisa dizer mas eu digo: texto espetacular =P
O que o amor não faz com um blogueiro...
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Deixa o cara observador, logo descritivo nos seus posts...
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Texto com uma progressão bem hipnótica, talvez o segredo do sucesso deste blog...
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Qual seria o post mais longo? Qual o mais curto?
putz... peidei...
(eu sei, eu sei... nada a ver... mas é verdade...)
nem vou divulgar o www.thegilgomex.blogspot.com , pois não tem post novo faz mais de uma semana... talvez eu escreva um pro Natal...
Amar todo mundo ama. Saber amar, pouquíssimos sabem...
Abraços
Parabéns pelo texto, acompanho seu blog a cada post, sem contar que já li todo o arquivo!! Abraço!!
Boniiito!
O Chronicles vai ficar com ciúmes, hein?!
Ei... Será que a Dé é a moça da janela? O.O
Bom, acho que aquela solidão que tu falaste independe muitas vezes do par(im)perfeito! Talvez a moça esteja na janela pensando que aquele indivíduo que está assistindo algo banal na TV seja um estranho e aquele é o dia dos namorados e ela não tem aquele cúmplice com quem gostaria de partilhar seus sonhos....que ficou perdido em alguma escolha vazia...mas valeu pelo exercício...onde está wally afinal? Abraço
Cara, essa Blogosfera é uma coisa doida mesmo! É cada bizarrice que a gente esbarra por aí que, quando a gente encontra um texto feito esse, tudo toma sentido... São coisas feito esse seu post, que faz a gente acreditar que vale a pena continuar escrevendo...
Ótimo mesmo, de verdade!
Ah, valeu pelo comentário lá no "Diz"! Tô te linkando também, falou?
Abração!
O Champ é bom até com melado!
Não posso reclamar do meu dia dos namorados, mesmo tendo ficado a madrugada toda na minha janela aqui no rio (!) esperando a melhor figura de todas que já passou na minha vida aterrisar...
Robisinho, você arrasa muito. Sua mulher tem sorte!!!
Beijos pra todos
Aposto que não tinha moça na janela coisa nenhuma e tudo foi um pretexto pro texto de dia dos namorados. Eu bem que queria ser sensível, mas li o texto em meio a uns 12 rounds com Barthô, o terrível. 11 x 1 pra ele. Escrever o comentário foi um ato de persistência. Ele já me mordeu umas 37 vezes no processo.
Feliz Dia dos Namorados Mr e Mrs Gordon!
=)
Muito bom seu post.
acho que ninguém retratou o que você escreveu tão bem como Edward Hopper. Dos vários quadros separei esse:
http://cgfa.sunsite.dk/hopper/hopper8.jpg
Essa janela aí do quadro, indo até a um palmo do chão, é um convite ao suicídio, hein?
Espero que a moça não esteja muito deprimida...
Passei quinta e sexta feira assistindo a hexologia de Star Wars + a animação Clone Wars, embaixo da coberta. Sou um nerd feliz e solitário =)
é cara.. Championship Vinyl tbem é cultura.. já é o segundo post em pouco tempo em que as artes plásticas estão presentes. O detalhe é a qualidade das obras, pra não destoar com o texto.
Muito bom!
texto sensacional!!
Parabéns!
Abraço
Cara, to terminando de ler seu arquivo completo... E digo uma coisa, ta salvando minha vida...Seus textos sao otimos!
Parabens mesmo!
Abraco!
Ps. Desculpe pela falta de acentos, o teclado ta desconfigurado...
nossa, que comentar? ler este texto é como admirar uma obra de arte, eu realmente adorei. e esta frase:'Porque, para mim, uma pessoa que fica parada na janela quando nada de especial está acontecendo na rua não é uma pessoa que está olhando a paisagem, mas sim olhando para si própria.' emociona por que é o resultado de uma observação muito sensível, muito inteligente.
seus textos são muito, muito bons e já estou prevendo que passarei longas horas lendo todos os arquivos deste blog.
parabéns!
E mil anos depois eu vejo o reply no twitter...
Na verdade eu li o texto sem ter visto o twitter mas não comentei por... por... ah, foi por preguiça mesmo!
Mas, enfim, o texto ficou muuito fofo. Mil vezes melhor do que muitos livros de auto-ajuda que tentam passar a mesma mensagem com um livro inteiro.
:)
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