26 de dezembro de 2008

Jim Morrison e o Maníaco do Táxi - Parte Final

(leia a parte II aqui)

Chegamos perto do Ibirapuera e o trânsito parou, por causa daquela porra daquela árvore de Natal cafona. O carro andando a 20km/h, todo mundo feliz, se abraçando, casais de mãos dadas sob a árvore, e eu ali, prestes a morrer. Eis que o esquecido por Deus do motorista, que estava em silêncio todo este tempo (sabe-se lá pensando em quê), vira e solta:

– É nos Estados Unidos ou em Paris que fica tudo iluminado no Natal?

– Oi?

– Onde eles enchem de luz no Natal? É em Paris? Ou nos Estados Unidos?

– Acho que é no mundo todo.

– Não, não é.

Ele me encarou novamente com aquele olhar que deixava claro que ele já havia decidido me matar, e estava apenas escolhendo como faria isso. Algo me disse que o termo “faca de pão” estava liderando as apostas, numa proporção de oito para um. Achei melhor fazer o jogo dele, pois, aparentemente, as luzinhas de natal o deixavam um pouco mais calmo.

– Ok. Tem razão. Acho que é Paris.

– Deve ser. Por causa da torre, né? Aquela torre é bem louca.

Ok. Como explicar que a torre não é louca, quem é louco é ele, mas sem ofendê-lo? Não, melhor ficar quieto e manter o foco na sobrevivência, e não na Torre Eiffel.

– É. Bem louca.

– É no Japão que eles não comemoram o Natal?

– Não sei.

– Acho que é lá. São os japoneses.

– Acho que sim.

– Japonês é tudo estranho.

Ah, sim, claro. E você é um exemplo de normalidade.

– Ou são os israelistas?, ele continuou.

– Os quem?

– Os israelistas.

– Ah, os israelit... Israelistas. Sim, sim. Podem ser eles também.

Ele ficou quieto novamente. Eu olhei para o céu, rezando para a Lua ter desaparecido atrás de uma nuvem, mas não: lá estava ela, altiva, brilhante, rindo da minha cara, afiando uma faca e com um guardanapo amarrado no pescoço. Passamos pela árvore de Natal, e ele em silêncio, alternando o olhar, agora, entre a Lua (45%), eu (45%), a árvore de Natal (9%) e os carros à frente dele (1%).

– É o ano novo!, ele gritou do nada, fazendo eu chegar perto de um infarto.

– Quê?

– É o ano novo dos israelistas que é diferente do nosso!

– Sim.

– Isso aí! Lembrei agora!

– É.

O fato de ter se lembrado disso, aparentemente, significou uma vitória pessoal para ele. Ele se debruçou na direção e deu uma gargalhada que parecia uma mistura de risada de vilão de desenho japonês e os guinchos de um porco sendo morto a pauladas. Desisti de pular do carro e correr para qualquer lado porque não sentia mais minhas pernas.

Entramos em Moema e começamos a nos aproximar da casa de espetinhos. Quando estávamos a algumas quadras, meu celular tocou novamente. Outra mensagem de texto. Para deixar claro a ele que eu não estava tentando me comunicar com a polícia, achei melhor explicar:

– É que eu estou atrasado, meus amigos estão preocupados comigo.

Jogada de mestre. Com isso, eu deixei claro que as pessoas saberiam onde eu estava, e que se algo acontecesse comigo, ele seria responsabilizado por isso. Na verdade, meus amigos estavam totalmente bêbados e mandando mensagens de texto associando o fato de eu estar atrasado com os hábitos sexuais da minha mãe, mas ele não precisava saber disso.

– Ah, você está atrasado?

– Sim.

– Então vamos chegar logo!

Eu não fazia idéia que um Gol 1000 conseguisse acelerar de 0 a 100 km/h em quatro segundos, mas foi isso que aconteceu. Ele parecia um cometa que havia chegado muito perto do planeta e se perdido dentro de Moema. Começou a costurar entre os carros, dar fechadas, buzinar, entrava derrapando nas curvas e ignorava todas as valetas possíveis – em uma delas, eu quase fui parar no banco de trás.

Pensei em pedir a ele para ir mais devagar, mas ele não me ouviria. Primeiro, porque ele estava sorrindo assustadoramente, e aparentemente, havia se esquecido de mim; segundo, porque ele o carro estava se movendo tão rápido que quando eu acabasse de falar “pode ir um pouco mais devagar?”, minha frase já teria ficado duas quadras para trás, correndo desesperadamente atrás do carro, e ele não ouviria nada.

Estávamos chegando perto da casa de espetinhos e ele mantinha a velocidade média de 80km/h (numa rua cujo limite é a metade disso). Timidamente, apontei para a frente e disse:

– É na próxima quadra.

Ele me ignorou e continuou na mesma velocidade. O sujeito parecia estar numa espécie de transe.

– Esse pedaço da cidade está bastante iluminado, você viu?, eu apontei para um prédio, na esperança de que as luzinhas de Natal fossem acalmá-lo novamente. Não deu certo.

Passamos pela última valeta – onde o carro quase decolou – e chegamos a poucos metros da casa de espetinhos.

– Chegamos. É logo ali.

E nada de diminuir a velocidade.

– Viu? É logo ali. Aquela casa à esquerda.

E nada de diminuir a velocidade.

– Eu vou aqui! Você está passando...

Ele deu um meio cavalo de pau e embicou na casa de espetinhos. Aliás, embicar é uma descrição educada do que aconteceu, já que ele quase entrou com carro e tudo no lugar. Tirei o cinto e me preparei para correr. O problema é que meu cérebro está acostumado a um certo padrão no final de uma corrida de táxi: o táxi pára, eu pago e vou embora. Como a corrida já estava paga desde a parte I desta saga, eu confesso que, agora que o carro estava parado, eu fiquei sem saber o que fazer.

– Bom... Já está pago, certo?

– Seus amigos estão putos com você por causa do atraso?

Na verdade, eu não sabia se nem eles estavam vivos, já que eu jurava ter visto alguém parecido com um deles ser atingido pelo carro antes dele parar. Mas, por um lado... Será que ele estava pensando em ir lá me defender dos meus amigos?

Interessante. Se eu conseguisse domesticar esse sujeito, eu teria o meu próprio psicopata. Qualquer pessoa que me contrariasse seria fatiada horas depois. Sim... Seria uma boa. Por outro lado, o que aconteceria comigo o dia em que eu me atrasasse para dar o almoço a ele? Porque se a Besta-fera faz represálias como rasgar o sofá ou destruir meu tênis, esse sujeito poderia resolver comer meu fígado. Literalmente. Não, melhor deixar para lá.

– Não, meus amigos estão tranqüilos, e já devem estar meio bêbados.

– É. Amigos são legais. Mas são foda também.

Não fiz idéia do que ele quis dizer com isso e achei melhor não ficar para descobrir. Saí do carro com as pernas tremendo e me despedi dele.

– Quando você quiser ir para a praia, já sabe, né?

– Sim.

– É só me procurar. 40 contos para ir, 40 contos para voltar.

– Dois casais.

– Isso aí!

Eu comecei a andar lentamente para trás, sem tirar os olhos dele. Claro que eu poderia entrar correndo na casa de espetinhos, mas algo me dizia que se eu fizesse isso, levaria uma flechada nas costas em questão de segundos.

– Bom... Eu vou entrar aqui. Tudo bem?

– Ok.

– Estão me esperando, sabe?

– Ok.

– É... Eu tenho mesmo que entrar. Tchau.

Ele deu ré, aumentou o volume do rádio e saiu cantando os pneus. Quer dizer, imagino que ele tenha cantado os pneus, mas não posso ter certeza, já que a única coisa que eu ouvi foi o Jim Morrison urrando “come on baby, light my fire”. Fiquei parado ali por alguns segundos, tentando me recompor e agradecendo a Deus por estar vivo.

Entrei na casa de espetinhos e, felizmente, meus amigos reconheceram minha cara de “não pergunte”. Apenas na metade do primeiro chopp que eu consegui me pronunciar, e fiz todos eles assinarem um guardanapo no qual estava escrito que, ano que vem, esse happy hour será feito numa noite sem Lua.

12 comentários:

paulonando disse...

Você ainda conseguiu comer após esta terrível ameaça?

Pedro Luiz disse...

ehsauiHEUIEHSAIUehui....
cara... esse blog eh mto bom... dei mta risada lendo essa série... aliás, o chronicles ( não gosto mto do review... =P ) também está muito bom...
parabéns, continue com o bom trabalho !!

Thiago Apenas disse...

"Se eu conseguisse domesticar esse sujeito, eu teria o meu próprio psicopata."

Hum, interessante.Show de bola a história.

Thiago Dalleck disse...

Ahh, pensei que essa história ia terminar num cativeiro na praia =/

hauahuahuaha

Anônimo disse...

criativo d+ seu blog... ri mto com essa historia!!!kkkk Parabéns!

Varotto disse...

Genial.


Mais uma com o padrão robgordiano de qualidade.

Lucas L. disse...

Legal, legal! :D

Mas quando tu vai atualizar o Review? =(

Tyler Bazz disse...

Demais, meu!! Demais!!
Uma das melhores sagas que já li aqui!!!!
\o/


Mas ow..
– Onde eles enchem de luz no Natal? É em Paris? Ou nos Estados Unidos?

– Acho que é no mundo todo.

– Não, não é.

PODIA TER ACABADO ALI O TEXTO QUE JÁ TAVA ÓÓÓTIMO! auhaHUAuhAUHAuhaUHAuhAHUA

Lou disse...

Não, amigo-do-primeiro-comment, ele bebeu, mas nada de comer, acho.

Lari Bohnenberger disse...

A partir deste momento eu elejo, oficialmente, a saga "Jim Morrison e o Maníaco do Táxi" como a melhor de todos os tempos. Que não gostou muito foi a minha vó, que está dormindo no quarto ao lado, mas não posso fazer nada.
Bjs!

Borealis disse...

"...quando eu acabasse de falar “pode ir um pouco mais devagar?”, minha frase já teria ficado duas quadras para trás, correndo desesperadamente atrás do carro"... hahahaahah

...e essa parte então:

"...meu cérebro está acostumado a um certo padrão no final de uma corrida de táxi: o táxi pára, eu pago e vou embora. Como a corrida já estava paga desde a parte I desta saga, eu confesso que, agora que o carro estava parado, eu fiquei sem saber o que fazer." HAHAHAHAHA

ri muito nestas partes. mas só nestas partes.

abraço

CibaJoplis disse...

hahahaha, vc escreve muuuuuuuuuuuito bem, é um maravilhoso cronista... realmente esse cara do táxi é estranho, fico triste de saber q pessoas q são fãs do Doors só conhecem esse lado maluco do poeta... aí com certeza são esse fãs sinistros q nem o cara to táxi q acabam distorcendo a imagem do poeta... a personalidade de Jim era muito mais q isso, Jim era complexo demais pra quem realmente quer admirá-lo e entendê-lo em todas as suas facetas artísticas... como psicóloga adoro ler biografias de pessoas revolucionárias e diferentes assim como Jim...
Mas o carinha ai do táxi realmente apavorou kkkkkkkkk... Vou voltar aki sempre, adorei, beijossssssssssss