9 de junho de 2008

Investigação Sobre um Casal Acima de Qualquer Suspeita

Outro dia estava andando em Pinheiros quando comecei a ouvir vozes atrás de mim. Eram três amigos (de mais ou menos vinte anos cada) conversando, e seria impossível não prestar atenção a eles, já que eles falavam num tom que tornaria impossível não ouvir o papo.

Aliás, antes de continuar, cabe dizer aqui que um dos meus hobbies é capturar trechos de conversas de pessoas que cruzam meu caminho. Eu vou andando pela rua e pegando frases como “...me ligou ontem e disse que quer me ver...”, “....não foi o que tínhamos combinado...” e “...eu já estou com o negócio pronto, vou te mandar hoje a tarde”, e ficar tentando adivinhar qual o contexto daquilo. Claro que eu não consigo, então acabo sempre inventando algo, fazendo com que as pessoas acabem se tornando personagens de crônicas, sem ao menos desconfiarem disso.

Justamente por isso, a conversa dos três amigos foi um prato cheio para mim, pois não foi uma ou outra frase, mas uma conversa, e sobre um tema altamente interessante: o namoro da Dani e do Luca – quer dizer, eu presumo que Dani seja uma mulher, mas, hoje em dia, nunca se sabe. Enfim, eu estava andando quando ouvi atrás de mim:

– Eu aposto o que você quiser. Em no máximo três meses, a Dani vai dar um pé na bunda do Luca.

Apertei o passo para ficar meio metro na frente deles. A frase era promissora demais para terminar em uma frase.

Na mesma hora, a imagem dos dois me veio à cabeça: Luca e Dani, que se conheceram no cursinho e começaram a namorar – apesar de ela nem ter achado ele tão bonito assim ao encontrá-lo pela primeira vez – depois de saírem umas duas vezes. Ele queria engenharia, e ela estava em dúvida entre arquitetura ou direito.

Mas, por mais que a Dani sabia que o Luca era absurdamente apaixonado por ela, a garota ainda não havia esquecido o ex-namorado dos tempos do colegial. Com isso, ela estava sempre em dúvida sobre o que sentia e, em poucos meses, as brigas começaram a aumentar de freqüência, a despeito do seu pai, que também era engenheiro, achar o Luca um “menino correto”.

No final do ano, cada um entrou na sua faculdade e, com isso, se viam menos. E brigavam mais. E a coisa chegou num estágio insustentável, a ponto dos próprios amigos perceberem que, em dois ou três meses, o namoro acabaria, para desespero do Luca, que demoraria anos para se recuperar do rompimento – até eventualmente se apaixonar por uma professora de inglês e ir morar em Curitiba.

E a Dani? Voltaria com o ex-namorado? Estava começando a pensar nisso quando um deles respondeu:

– Eu já avisei o Luca. Ele que não venha reclamar depois.

Hum... Isso muda tudo de figura. “Ele que não venha reclamar” atesta que a culpa do final do namoro é dele, não da Dani.

O Luca era um cafajeste. Tratava mal a menina, e ainda colocava um par de chifres na Dani com a prima de uma vizinha, uma ruivinha com cara de safada que estava sempre lá no seu prédio. A Dani, coitada, sabia de tudo isso, mas fazia vista grossa, porque tinha medo de ficar sozinha, ainda mais porque todas suas amigas estavam namorando.

E bastou uns dois meses de namoro para o Luca perceber que a Dani agia desse jeito para, cada vez mais, testar a paciência da menina. Mentia compulsivamente. Dizia que ia passar na casa dela no final da tarde e não aparecia, nem ligava para dar satisfação. E, para piorar, ainda cismou de andar com uma turminha barra-pesada do bairro, que estavam sempre procurando confusão ou maconha, o que surgisse primeiro.

E a Dani, coitada, acreditava no namoro. Dizia para as amigas que “era apenas uma fase, que ele estava perdido, mas era um bom menino”. E, com isso, a Dani ia levando o relacionamento, relevando o comportamento do Luca, as mentiras e traições do Luca, o bafo de pinga e o cheiro de maconha nas roupas do Luca. Mas a situação estava se tornando insustentável. A Dani estava cada vez mais infeliz, e o cúmulo foi aquela vez em que ela apareceu na faculdade com hematomas no braço. Ela desconversou quando as amigas perguntaram o que tinha acontecido, mas os amigos mais próximos dos dois sabiam que era apenas uma questão de tempo. A Dani iria deixar o Luca, mais cedo ou mais tarde, em no máximo dois ou três meses. E aí, só aí, o Luca perceberia o que ele havia perdido. E aí não adiantava reclamar depois.

– Porque a Dani já me disse que, para ela, aquilo é só sexo.

Pronto. Mudou tudo de novo. Em uma frase, o Luca virou um rapaz tímido e perdidamente apaixonado, enquanto a Dani foi rebaixada à posição de safada. Conheceram-se numa festa e a Dani, que, apesar de três meses mais nova que o Luca era muito mais experiente – corria na rua dela um boato de que ela havia perdido a virgindade com 13 anos, com um cara mais velho – deu um baile no garoto. Em poucos minutos, ele estava comendo na mão dela.

Transaram dois dias depois, na casa dela mesmo, aproveitando que a mãe tinha ido ao shopping. Foi a primeira vez do Luca e o suficiente para ele se apaixonar totalmente. Ia dormir todas as noites sonhando com o futuro, com uma casinha e dois filhos e a Dani ali, esperando ele voltar do trabalho. Ele escrevia poemas e cartas de amor, sem saber – ou fingindo não saber – que ela ia para a farra todas as noites, e que, às vezes, dava umas voltas com o vizinho do primo, um publicitário casado e com filho pequeno – aliás, falava-se por aí que o cara tinha casado justamente porque a namorada havia engravidado.

De tanto o Luca insistir, porém, começaram a namorar. Ele, no mesmo dia, encheu o Orkut com fotos dela, mas ela manteve as únicas três fotos que tinha em seu álbum, duas de biquíni na praia e outra com o Hugh Jackman sem camisa, e a legenda “gostoso demais” embaixo. Aliás, ela só colocou o “namorando” no Orkut porque ele pediu.

Claro que o Luca sabia desse jeito dela, mas achava que ela iria melhorar. “Ela é impulsiva”, dizia para os amigos. Já os amigos diziam para ele que “não, ela é safada mesmo. Ela não presta”, e o Luca ficava puto. Começou a se afastar dos amigos. Passou a viver em função da Dani, enquanto a Dani vivia em função de qualquer homem que estivesse num raio de dois metros. E ela mesma já havia pedido aos amigos dele para darem um toque ao Luca de que “era só sexo”, mas ele não deu atenção.

E a Dani começou a ficar cheia daquilo. Começou a ficar de saco cheio de receber depoimentos no Orkut, de receber cartõezinhos do Garfield e de ter que explicar para todo mundo aquele namorando no Orkut. E disse a um dos amigos dele que “não dava mais, que iria terminar aquilo”.

E o Luca, que estava completamente cego, fazia questão de não ver o que iria acontecer, mais cedo ou mais tarde. Mesmo com os amigos avisando. Até a hora que os amigos lavaram as mãos, e soltaram o fatídico “ele que não venha reclamar depois”.

Eu sei que é injusto demais terminar a conversar com a Dani pintada de vagabunda, mas não foi escolha minha. Os três moleques viraram numa esquina, que não era meu caminho e levaram a conversa com eles. Eu fiquei olhando os cinco (os três amigos, a Dani e o Luca) irem embora, pensando se ia atrás ou não. Olhei no relógio e vi que estava atrasado, e deixei o casal ir embora.

Fica aqui a singela homenagem a um amor que não deu certo. Ao menos aqui, vocês existirão para sempre.



P.S. - Eu sei que este texto tem cara do Chronicles. Mas, não sei, algo me dizia, enquanto escrevia, que o lugar dele era aqui mesmo.

24 comentários:

Anônimo disse...

Grande Rob!!

ainda bem que vc não seguiu a conversa...

se não ia terminar em casamento e tentativa de homicídio para ficar com os bens dele(a).. ou ficar com a herança da família...

Thiago Neres disse...

Segundo, segundooooaaaauaehauehaueh

Tyler Bazz disse...

Apesar da safadeza toda da Dani, foi muito bonito isso...... (0_o)

Eu também fico pescando conversas na rua \o/. Mas nunca crio nada em cima, fico só me retorcendo (mesmo) de vontade de saber do que estão falando...

E falando nisso, não sei se você conhece. Já ouvi falar de dois sites (não, não sei o endereço), só de conversas 'captadas' em Nova York!! Um dos sites colocava papos da cidade toda... o outro, só coisas ouvidas no metrô... devia ser demais......


o/

Thiago Neres disse...

Eita Tyler, bora criar um aqui pro Brasil?

:D

Do jeito que brasileiro é curioso, ia fazer sucesso... e iria lucrar bastante com a mensalidade que a gente iria impôs depois que todo mundo tivesse viciado.

Post legalzinho, eu costumo captar conversas também, qualquer dia a curiosidade mata o gato. Mas não fico fantasiando em cima delas.

Melhor ainda é quando você tá num bar, num restaurante ou na sala de aula, que todo mundo tá falando ao mesmo tempo.

Com o tempo, você treina a sintonia do seu ouvido para captar apenas uma ou duas vozes, que juram por Deus que estão passando despercebidas naquela barulheira toda.

Marcio Sarge disse...

Engraçado. Eu também faço muito isso, mas enquanto estou ouvindo faço piadas mentais com as frases e as vezes até rio alto de que penso, pra logo mais esquecer.
Pena da Dani que não teve tempo pra se redimir rsr.

Anônimo disse...

Cara, e eu achando que eu era o único anormal que adorava pegar trechos de conversas e pensar na história.
Eu adoro fazer isso, andar no centro e ouvir umas 3 frases de cada pessoa que passa do teu lado.
Quando tem bafão é ainda melhor: "Ele não é bom na cama?", "Vô, num vô?", "Pai, eu nunca fumei eu juro!".

Muito bom o texto :D
---------
ps: como eu odeio essa verificações de palavras que todo mundo é obrigado a preencher pra postar.
a do momento é "eoiwj".

Thiago Neres disse...

Tava na faculdade hoje, no elevador. Pedi pro ascensorista apertar o botão do quinto andar.

Um pessoal no elevador estava conversando sobre provas e comecei a prestar atenção nelas falando mal da professora.

O elevador foi até o sétimo andar, todo mundo saiu e eu fiquei sozinho lá, quando me dei conta que passei batido.

Lembrei do Champ na hora, uiaehauiehauieheuiahea.

Bruno disse...

Bom, mto bom.
Eu gosto de fazer isso.
Mas eu no seu lugar me atrasaria, e saberia oq houve hahahaha.

Perci Carvalho disse...

eh claro que aqui é o lugar certo p esse texto!! só assim pra eu descobrir q nao sou a unica a pescar trechos de conversas alheias... mas minha mania maior eh responder em voz baixa sabe? como se a pessoa estivesse falando cmgo...

"Mas eu no seu lugar me atrasaria, e saberia oq houve" [2]

serio?!depois de ja ter tanta historia, eu iria querer saber qq coisa que pudesse levar a Dani e o Luca a um final feliz!

Anônimo disse...

Num sei, mas sempre cumpro um ritual aqui no Champ, de ler os comentários antes mesmo do post.
=/

Helen disse...

Prestar atenção nesses diálogos também é (era) uma mania minha. O problema é que eu sofro de vergonha alheia agudíssima, e, por já ter ouvido cada coisa inacreditável, sou adepta ferrenha dos fones de ouvido onde quer que eu esteja sozinha.

Sil disse...

Eu nunca escuto conversa alheia. Normalmente estou falando como uma matraca com alguma amiga ou ao celular e (agora percebi isso), dando material para o pessoal que me escuta imaginar histórias mirabolantes ^_^
Tenho que aprender a conversar cochichando :D
Adorei o post e as possibilidades sobre o amor de Dani e Luca. Eu confesso que seria mais benevolente com ambos mas gostei muito das suas interpretações :P
Beijo
Sil

Thiago Apenas disse...

Lembrei da minha professora de inglês...
Bons tempos...

Bem, posso dizer que sempre fiz isso também.Porque conversa é sempre bom, e se for dos "outros" é melhor ainda.

Anônimo disse...

Cara, você NÃO MOSTRA um post desses pra uma psicótica com mania de perseguição que nem eu! Agora vou sair vasculhando a internet procurando crônicas geniais que possam ter escrito em cima de conversas minhas... Quem dera!

Amelie disse...

Eu ADORO percar conversas alheias. Ja perdi o meu ponto para descer do onibus mais de tao longe eu estava em pensamento.

Ultimamente, confesso que troquei essa pratica pelo iPod, mas as vezes dispenso os Beatles, o Chico ou quem estiver cantando para mim para ouvir uma historia ou outra mais interessante.

Quanto ao meu blog, quem sabe ele esta apenas em estado de catalepsia, e um dia acorda assustando todo mundo!

Bjinhos!

Fox disse...

é engraçado ficar imaginando histórias por trás dos fragmentos de conversas de pessoas desconhecidas q cruzam nosso caminho...

as vezes, eu paro em um lugar muito cheio e fico pensando... eh incrivel como cada um ali tem a sua história, carrega seus medos, suas vontades, seus sonhos e tal... eh meio que assustador isso, vc se sente como simplesmente nada.
mas ai vc levanta, e tem q continuar caminhando neh
mas eh interessante como a gente "toca" a vida das outras pessoas, e elas tocam as nossas, sem a gente nem perceber...

=]

Anônimo disse...

décima sétima êêêê
ashduiashfisudhfisduhgofig

(gostou do exemplo?)

Otavio Cohen disse...

antes de ler o seu 'p.s' eu estava pensando isso durante todo o texto eheh. completamente chronicles. mas foi uma grata surpresa ler isso por aqui. eu tava sentindo falta de um texto tão genial assim (não que os outros não sejam, mas esse tem um senso de humor diferente...) no Champ.

parabéns.

ps: tb bico as conversas alheias na rua. mas as histórias imaginadas geralmente tem a ver comigo pq eu sou um pouquinho egocêntrico ehhe.

Perdido disse...

Genial! XD

Eu estou apaixonado por uma Dani... droga, essa menina ai não podia se chamar flávia?

Varotto disse...

Fantástico!

Lari Bohnenberger disse...

Nossa, mas que capacidade de realizar sinapses em tão pouco tempo, heim!

Rssss!

Que bom, só assim Dani e Luca tornam-se imortais!

Bjs!

Deise Rocha disse...

acho isso tão legal!!!!

ficar ouvindo as conversas dos outros e tentando desvendar suas vidas...

rasrsrsrs


qlqr dia desses, te conto sobre a minha vizinha isadora e sua mãe...

o q eu já descobrir em três meses de vizinhaça...
rsrsrs

Pedro Dal Bó disse...

Simplismente fantástico.

Acho que todos acabam captando conversas quando estão sem fazer nada...

Mas nunca parei pra inventar as continuações.
______________________________________
Centralizando a vida digital.

Raquel M. Linhares disse...

Estudo numa cidade e moro em outra. Mais precisamente Rio-Niterói, o que faz o meu dia-a-dia ser repleto de conversas alheias inteiras de até 1h e meia de duração.
Obviamente eu gostaria muito mais que todo mundo calasse a boca para que eu pudesse dormir tranquilamente no ônibus, mas algumas pessoas acham legal bater papos imensos e profundos às 6h30 da manhã.
Mas não faço como você. Não crio continuações pras histórias. O que me dá vontade de fazer é dar uma de psicóloga, virar pra trás e falar o que eu realmente acho sobre tudo aquilo.
Num dia premiado com um imenso engarrafamento na ponte Rio-Niterói, fui agraciada com um casal discutindo. A menina com toda a sua meiguice e o cara destratando-a a cada palavra, chamando-a de louca, de burra e tudo o mais.
Não sei se era um dia anormal, se normalmente a menina era realmente louca, burra e tudo o mais e naquele dia o garoto resolveu colocar toda a sua raiva pra fora, mas minutos antes deles descerem eu quase virei pra trás e mandei o garoto se foder, a menina terminar com ele e disse que eu sabia como ela estava se sentido, que ela achava que amava ela mas no fundo ela sabia que merecia algo melhor.

É, realmente, acho que engenharia não é minha praia não.