“Há uma criatura que vive nos dias de hoje após sobreviver a milhões de anos de evolução. Sem mudanças. Sem paixão. E sem lógica. Ela vive para matar. Uma máquina comedora, sem cérebro. Ela irá atacar e devorar qualquer coisa. Seria como se Deus tivesse criado o demônio e dado a ele presas.”
Isso foi em 1975.
Hoje, 32 anos depois, essa história se repete, frase por frase, toda quinta-feira, quando vou ao dentista. Sim, porque minha simpática dentista, Dr. Ana (nome fictício, claro, pois tenho medo de represálias caso ela leia este blog) é muito simpática, conversa bastante, está sempre animada, mas certamente cursou a Escola Joseph Mengele de Ortodontia. Porque, sem sacanagem, aquilo não é tratamento, é um experimento para calcular até onde o ser humano pode suportar a dor.
Antes de continuar, devo avisar aqui que enquanto meus dentes são maravilhosos, minha gengiva sempre teve a mesma resistência de papel de seda. Basta alguém olhar feio para mim na rua e minha boca começa a sangrar. Sem exagero, a coisa é feia. E, logo na primeira consulta, ela já me diagnosticou como portador de periodontite-asmática-ultra-vox-power-venusiana-colorida-avançada.
Quando ela me disse esse nome, eu vi claramente que ela deu uma grande (e empolgada) entonação à palavra “avançada”. Por coincidência, foi ao pronunciar essa palavra que os olhos dela brilharam. E, não por coincidência, foi nessa hora que me encolhi o máximo naquela maldita cadeira, tendo a única reação que é permitida a uma pessoa naquela situação: encolher os dedos dos pés e começar a rezar. Não teve jeito. Segundos depois, ela (e tenho certeza de que ela estava sorrindo) anunciou:
– Teremos que fazer uma raspagem. E vai ser pesada. Bem dolorida.
Como assim, “pesada”? Todo dentista que eu conheço sempre fala que “não vai doer nada”, mesmo que ele tenha que colocar uma britadeira na sua boca. Acho que é altamente anti-ético uma profissional desse ramo avisar assim, casualmente, que vai doer. É contra o princípio dos dentistas. Comecei a pensar sobre isso (ainda com os dedos dos pés apertados) e cheguei a conclusão que ou eu estava no consultório de uma dentista que revolucionaria a profissão, usando psicologia reversa, ou a coisa ia realmente doer.
O brilho nos olhos dela me mostrou que ela não estava interessada em revolucionar nada, ia doer mesmo. Ia doer muito.
Sentou-se ao meu lado com uma bandeja cheia de instrumentos de metal de fazer inveja aos cirurgiões de Nip/Tuck. Eram mais ou menos 20. Todos eles altamente afiados. Enquanto ela mexia na bandeja, provavelmente lambendo os beiços e escolhendo qual usar primeiro, consegui levantar a cabeça rapidamente e olhar os instrumentos com o canto do olho. Tive quase certeza que uns 2 deles tinham o logo da Black & Decker estampados ao lado. Ela se virou para mim e eu rapidamente deitei a cabeça, olhando o teto, tentando parece o mais casual possível. Comecei a sentir câimbras nos dedos dos pés.
– Por qual quadrante você quer começar?
– Quê?
– Qual quadrante?
– Hum... Que tal por aquele aqui?, perguntei, apontando para a porta.
– Oi?
– Sim, aquela porta não é bem um quadrante, é mais um retângulo, mas ainda assim é um quadrilátero...
– Não, não. Fique calmo. Por qual quadrante da sua boca...
– Como assim calmo? Você já disse que vai doer!
– Sim, mas esse procedimento é necessário...
– Claro que é necessário! Você acha que vim até aqui porque não tinha nada legal na TV?
– Você vai querer anestesia?
– Geral? Vou.
– Não, local. Só no quadrante. Aliás, você precisa escolher qual quadrante você quer começar o tratamento.
– Qual você indica?
– Olha, o superior direito parece ser o pior deles, então...
Os olhos dela brilharam de novo.
– Então deixe esse para o final. Eu perguntei qual você indica e não qual vai ser mais divertido.
– Vamos começa pelo direito inferior, então.
– Hum... Tá. O que eu faço?
– Abre a boca.
Era tudo o que eu não queria ouvir. Fechei os olhos e assisti a minha vida inteira passando na minha frente. Então, é isso: com a frase “abre a boca”, eu morro. Simples assim. Vazio assim. Uma morte inútil. Sempre sonhei em morrer por uma causa nobre, resgatando alguém em um prédio em chamas ou fazendo um gol em cima da Argentina numa final de Copa do Mundo. Mas não assim, na cadeira do dentista, por causa da merda do tártaro na gengiva. Que morte inglória e sem propósito.
Comecei a me lembrar do final de Coração Valente, com o William Wallace sendo torturado em praça pública. Aposto que essa mulher iria fazer o mesmo comigo. Tive certeza de que se eu olhasse para o lado, veria uma multidão de camponeses miseráveis e imundos assistindo a tudo e se divertindo.
Sentindo a indignação pelo meu destino percorrendo cada fibra do meu ser, resolvi lutar contra o meu destino.
Vou enfrentar isso como homem, de olhos abertos. Klingons sempre morrem com os olhos abertos! (nerd mode: on). Abri os olhos e a encarei firmemente. Estava determinado a acabar com tudo aquilo o mais rápido possível. Uma vez, eu li em algum lugar que se você ignorar a dor, ela some. Ou era o frio? Bom, não importa. Não tenho tempo para pensar nisso agora, vai ter que ser a dor mesmo. William Wallace conseguiu, eu consigo também. Os camponeses querem um show? Bem, eles terão um show!
– Quê?
– Qual quadrante?
– Hum... Que tal por aquele aqui?, perguntei, apontando para a porta.
– Oi?
– Sim, aquela porta não é bem um quadrante, é mais um retângulo, mas ainda assim é um quadrilátero...
– Não, não. Fique calmo. Por qual quadrante da sua boca...
– Como assim calmo? Você já disse que vai doer!
– Sim, mas esse procedimento é necessário...
– Claro que é necessário! Você acha que vim até aqui porque não tinha nada legal na TV?
– Você vai querer anestesia?
– Geral? Vou.
– Não, local. Só no quadrante. Aliás, você precisa escolher qual quadrante você quer começar o tratamento.
– Qual você indica?
– Olha, o superior direito parece ser o pior deles, então...
Os olhos dela brilharam de novo.
– Então deixe esse para o final. Eu perguntei qual você indica e não qual vai ser mais divertido.
– Vamos começa pelo direito inferior, então.
– Hum... Tá. O que eu faço?
– Abre a boca.
Era tudo o que eu não queria ouvir. Fechei os olhos e assisti a minha vida inteira passando na minha frente. Então, é isso: com a frase “abre a boca”, eu morro. Simples assim. Vazio assim. Uma morte inútil. Sempre sonhei em morrer por uma causa nobre, resgatando alguém em um prédio em chamas ou fazendo um gol em cima da Argentina numa final de Copa do Mundo. Mas não assim, na cadeira do dentista, por causa da merda do tártaro na gengiva. Que morte inglória e sem propósito.
Comecei a me lembrar do final de Coração Valente, com o William Wallace sendo torturado em praça pública. Aposto que essa mulher iria fazer o mesmo comigo. Tive certeza de que se eu olhasse para o lado, veria uma multidão de camponeses miseráveis e imundos assistindo a tudo e se divertindo.
Sentindo a indignação pelo meu destino percorrendo cada fibra do meu ser, resolvi lutar contra o meu destino.
Vou enfrentar isso como homem, de olhos abertos. Klingons sempre morrem com os olhos abertos! (nerd mode: on). Abri os olhos e a encarei firmemente. Estava determinado a acabar com tudo aquilo o mais rápido possível. Uma vez, eu li em algum lugar que se você ignorar a dor, ela some. Ou era o frio? Bom, não importa. Não tenho tempo para pensar nisso agora, vai ter que ser a dor mesmo. William Wallace conseguiu, eu consigo também. Os camponeses querem um show? Bem, eles terão um show!
Ela olhou para mim e perguntou:
– Você vai querer anestesia?
– FREEEEEDOOOOOOOOOOOM!!!!
– Pára com isso e responde, você vai querer anestesia?
– Claro, né? Vai doer para cacete!
A última coisa que eu me lembro é a imagem dela se aproximando da minha boca com uma agulha do tamanho da Torre Eiffel na direção da minha boca. Os olhos dela, claro, brilhavam. Tenho certeza que começou a tocar Wagner no consultório. A Cavalgada das Valquírias.
Apertei os dedos dos pés mais ainda e pensei: “Estou fudido”.
– Você vai querer anestesia?
– FREEEEEDOOOOOOOOOOOM!!!!
– Pára com isso e responde, você vai querer anestesia?
– Claro, né? Vai doer para cacete!
A última coisa que eu me lembro é a imagem dela se aproximando da minha boca com uma agulha do tamanho da Torre Eiffel na direção da minha boca. Os olhos dela, claro, brilhavam. Tenho certeza que começou a tocar Wagner no consultório. A Cavalgada das Valquírias.
Apertei os dedos dos pés mais ainda e pensei: “Estou fudido”.
21 comentários:
caaaaaara!
demaaais xD
virei fã desse blog xD
uhauhahuau muiiiiito bom
doeu só de ler :O
Até eu encolhi meus dedos de medo...
Para com isso. Essa mulher é sado, não é???
Opaa
já virei fã, só lendo esse post
*-*
espero a continuação!
ah, e Essa mulher é sado, não é??? [2]
;*
Cada vez melhor, Rob! Adoro teus textos, UHAUAHUA.
Esse texto me lembrou O Albergue (e, consequentemente, Turistas).
hahahahahahaha
compartilho da dor. morte aos dentistas honestos que não contam 1,2,3 para começar a chacina!
hehehehe
abração!
vc poderia ter ido no meu irmão, pelo menos o custo ia ser menor....hahahahahahahaha
Nossa, agulha do tamanha da Torre Eifel foi o pior... isso daria um ótimo filme de terror!!!
Li a postagem com a musiquinha do Psicose na cabeça...rs
Abraço
me fez lembrar o meu tratamento de canal. Foi horrivel tb!
Já na minha cabeça tocava a música do Tubarão mesmo, enquanto o consultório estava em Technicolor!
Tcham-tcham, tcham-tcham, tcham-tcham...
Excelente ... esperando a continuação !!
abraço
Caraca! Ki mulher ruim... boa sorte nesse tratamento aih, vc tah precisando...
Fico imaginando o dia em que tu fizeres teu primeiro exame de próstata...
hehehehe, belo texto!
Caro,Rob! Não sei de onde você consegue tirar tanta criatividade para fazer relatos tão inventivos. Parabéns pelos seus textos que a cada dia estão melhores!
P.S.: William Wallace não teve anestesia, então, seja um verdadeiro herói e lute por uma gengiva melhor, enfrentando a dor de cara limpa.Isso sim é ter honra!
– FREEEEEDOOOOOOOOOOOM!!!!
asuihuisahuisdhiuh
meus dedos do pé tbm sempre encolhem, eu odeio isso ...
Garanto que se você pedir misericórdia ela vai dar um jeito de tornar o procedimento mais rápido e menos doloroso... mas aí você não vai morrer como um herói, assim como William Wallace!
Bjs!
Hahahaha
Ótimo texto!
Não sou sado, mas não vejo a hora de ler a continuação.
To protelando a mais de um ano minha ida ao dentista. Tenho trauma profundo. Seis anos sofrndo na mão deles quando usava aparelho.
Sorry, não tive estômago nem mesmo pra ler o post. Parei na hora que vc contou das gengivas.
aUHAuhaUHAuhauhauhaAUhaUHA
Os diálogos são os melhores!!!
HAUhUAhhauh..
Quando li "começou a tocar Wagner no consultório", não consegui parar de rir. Imaginei a cena, sua dentista cantarolando e abafando os teus gritos de dor, ela loira, alta, Nórdica... HAUhAUhAu
Sem comentários. Muito bom o Texto.
Vou aguardar a parte dois.
Abraços
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