22 de dezembro de 2006

Os Infiltrados, a Gorda e suas Amigas

Como prometido, voltei.

Demorei para postar aqui porque o volume de trabalho do final do ano chega às raias do desumano e, como todo bom jornalista, agora que arrumei uns dias de folga, o que eu menos queria era escrever. Cheguei a abrir o Word umas duas vezes, mas me arrepiei só de olhar aquela tela em branco na minha frente. Agora, um pouco mais recuperado do stress e com 90% dos presentes de Natal comprados (sempre sobra um), voltarei a postar normalmente. Prometo que tentarei um post por dia. Enfim, resumindo: voltei.

E em tom de desabafo.

Isso porque estou indignado com a estupidez humana. Passei os últimos dois dias inconformado com a idéia de ainda sermos a espécie dominante do planeta. Não é possível que, caso realmente exista uma força superior que controle o destino dos seres vivos, ela ainda não tenha percebido que a humanidade não apenas não deu certo, como não piora a cada dia.

A prova cabal disso foi quando fui assistir (pela segunda vez) Os Infiltrados, nos cinemas. Num ano repleto de decepções, como Superman – O Retorno (que não chega a ser ruim mas também não é nada demais e ainda consegue ser engolido pelo Brando, no primeiro caso de engolida póstuma do cinema) e X-Men – O Confronto Final (onde a Fênix parece o Tupãzinho, que jogava no Corinthians, e entra em campo aos 42 do segundo tempo), assistir a um filme do Scorsese sobre crime organizado chega a ser um alívio. Afinal, toda vez que ele fala de máfia, a margem de erro é pequena demais. Nota: e por incrível que pareça, o filme ainda melhora numa segunda assistida, flui melhor.

Fui no Bristol, lá na Paulista e, por incrível que pareça, fiquei feliz de ver a sala cheia, mas logo caí na real que pouquíssima gente estava ali para assistir ao “novo filme do Scorsese”. A maioria das pessoas estava ali para ver “o filme do Leonardo Di Caprio”. Ok, faz parte. Pelo menos, deveria haver umas três ou quatro pessoas na sala dispostas a assistir “o filme novo do Jack Nicholson”, o que já é alguma coisa.

Mas havia a Gorda. A Gorda e suas três amigas, todas com por volta de 20 anos.Que obviamente, sentaram logo atrás de mim.

Veja, eu não sou adepto do silêncio absoluto dentro do cinema. Eu mesmo, às vezes, me pego comentando uma cena com quem estiver comigo, mas faço isso num tom de voz educado, onde apenas a pessoa com quem estou falando ouça o que digo. E também não sou daqueles implicantes que fica fazendo “ssshhhh” cada vez que alguém coloca uma pipoca na boca.

Mas a Gorda abusou da sorte. Ela e outra amiga pareciam o Arnaldo Cesar Coelho e o Casagrande atrás de mim, comentando e debatendo todas as cenas em que o maldito Di Caprio aparecia. O moleque nem está ruim no filme, mas comecei a pegar bronca dele. Comecei a associar o rosto dele aos suspiros, gemidos e comentários das quatro frustradas atrás de mim. Ele entrava em cena, eu já me arrepiava, esperando os comentários inteligentes e bem colocados (sarcasmo com pitadas de ódio mode: on) da turminha de amigas. E a Gorda, ali, a frente de tudo, comandando o seu pequeno batalhão de imbecis, sempre com uma frase idiota na ponta da agulha.

Mas o pior foi na única cena de sexo que o “Leo”, como elas devem se referir a ele, tem no filme. Parecia que era a Gorda quem estava copulando com o rapaz, pela quantidade de risadinhas e suspiros que vinha de trás de mim. Eu não agüentei e, com os dentes doendo (de tanto morder o braço da poltrona, de raiva) fiz um comentário, em alto e bom som, que a moral e os bons costumes não me permitem reproduzir aqui. Digamos que foram duas palavras, uma fazendo alusão à forma esférica da moça, seguida de outra que a classificava como pertencente a uma profissão que tem como sexo pago sua principal tarefa. Todo mundo á minha volta começou a rir, mas quem disse que adiantou?

Nada.

A Gorda e seu pequeno batalhão de imbecis continuaram a comentar, como se nada tivesse acontecido. Eu desisti da minha cruzada quixotesca de manter o silêncio ali, e saí para fumar um cigarro. Voltei, e a porra da Gorda continuava falando. Mas, o pior estava por vir, acredite. Numa das cenas-chave do filme, uma das amigas dela virou e disse:

– Cara, agora ele vai olhar o papel! Eu disse que não estou ficando louca! Eu tenho certeza de que já vi esse filme!

Meu Deus do céu! O filme estreou nos cinemas não faz nem um mês e você NÃO tem certeza se assistiu ao filme? Sabe, não estamos falando de um filme feito para a TV que você começa a assistir na metade ao pegar, por acidente, na TV a cabo. Estamos falando de um filme que está nos cinemas. Como assim, você não sabe se assistiu? Ninguém é tão débil-mental assim! O que me leva a pensar: será que elas compraram o ingresso para assistir Por Água Abaixo e a moça em questão demorou duas horas para perceber que não estava assistindo a uma animação sobre ratinhos? Será que, na primeira vez que ela assistiu ao filme, ficou tão encantada com o Di Caprio que nem prestou atenção na história? Ou será que ela é completamente boçalizada, e mal deve saber escrever o próprio nome? É, eu fico com essa última, é a mais provável.

Deixando a Gorda e suas amigas de lado, outra coisa que me chamou a atenção foi a demência coletiva. As pessoas simplesmente não entendem mais o filme: em cenas tensas, a platéia começa a rir – e não de nervoso, mas como se estivessem assistindo a uma comédia. Minha teoria é de que as pessoas já desistiram de entender o filme inteiro, então se concentram apenas no que estão vendo nas telas naquele segundo, sem se preocupar em encaixar aquele diálogo específico como parte importante de uma história.

Pobre Scorsese. Reuniu um elenco brilhante, pegou um roteiro sensacional, fez o melhor thriller do ano, e as pessoas acham que ele fez uma comédia.

Isso sem falar na amiga da Gorda, que nem deve lembrar mais se assistiu ou não ao filme. Ô fase.

5 melhores Filmes de Scorsese (e como a Amiga da Gorda descreveria o filme para as amigas)

1. Táxi Driver – “É com aquele cara do Máfia no Divã. Mas é chato demais, o cara fica dirigindo o táxi o filme inteiro.”
2. Touro Indomável – “Também é com o cara do Máfia no Divã. Mas não gostei, é sobre boxe. Rocky é muito mais legal. Ah, e é preto e branco, puta bosta de filme!”
3. Os Bons Companheiros – “Também é com o cara do Máfia no Divã e mais uns outros que eu não lembro. É legalzinho.”
4 – Gangues de Nova York* – “Ah, é com o Leonardo di Caprio. É meio parado, meio confuso, mas gostei. A cena que o cara bate a faca no olho de vidro é muito louca!”
5 – Os Infiltrados – “Cara, eu acho que já vi esse filme, mas não tenho certeza”.


* Será que só eu gostei desse filme?

3 comentários:

Anônimo disse...

Não querido, eu também AMEI o filme. Até gostei do Leonardo di Caprio (que por sinal não suporto). Definitivamente o melhor filme do ano. Infelizmente um diretor, ao escalar o Leo, fará com que - inevitavelmente - encontremos hordinhas de acéfalos presentes apenas para ver o King of the World.

Isobel disse...

Você sabe fazer humor sem apelar. ótimo, ótimo ;D

May. disse...

"Meu Deus do céu! O filme estreou nos cinemas não faz nem um mês e você NÃO tem certeza se assistiu ao filme?"

Consigo ouvir a entonação. HAHAHA, a-do-ro.