7 de agosto de 2006

Assadeira - Um Poema Épico

Toda vez que eu chego em casa, me sinto como um arqueólogo andando pelas ruínas de uma civilização perdida: a lendária civilização do homem-de-30-anos-que-morava-sozinho. Arqueólogos chegariam a conclusão que os habitantes dessa civilização gostam dos cadernos de esporte e cultura dos jornais; que os DVDs e CDs eram algo cultuado na sociedade, já que foram encontrados exemplares em todos as partes das ruínas; que alguns membros dessa sociedade comiam biscoito na cama; e que a principal bebida dessa cidadela era Coca-Cola. Light, por causa da porra do triglicéris.

Anyway, nada é pior que a segunda-feira à noite, quando chego em casa do trabalho: vestígios do fim-de-semana estão presentes em toda a parte: CDs do Saxon soltos pela casa, cinzeiros entupidos, pacotes de chocolates vagando pelo apartamento e a seminal embalagem de pizza. Mas o problema está sempre a minha esquerda, quando entro no apartamento. A cozinha. E, obviamente, a louça.

Aliás, sempre me falaram, na escola, que o coletivo de louça é baixela. Talvez seja nos outros lugares, mas aqui em casa é pilha mesmo. A palavra baixela passa a idéia de organização, conjunto, limpeza. Aqui, não. Aqui elas ficam em cativeiro na cozinha, se reproduzindo sem o menor controle demográfico. Cada vez que eu entro na cozinha, tem um copo novo ou um filhote de garfo que eu nunca tinha visto.

E ela. A temível assadeira.

Às vezes, eu entro e finjo que não vejo. Sei que a pilha está ali, mas ignoro e decido que, se alguém me perguntar, vou dizer que isso já estava assim quando eu aluguei o apartamento e que não posso mexer naquilo enquanto a imobiliária não se manifestar. Mas, em outros momentos, eu começo a pensar se uma das coisas que separa a civilização da selvageria total não seria a limpeza da pia e da própria louça, e decido lavar aquilo – se bem que os neanderthais deviam ter mais facilidade: bastava lavar um tacape e pronto.

Enfim, tem dias que arregaço as mangas, ligo um Alice Cooper e mando ver. Como não tenho muita prática com isso, faço do mesmo jeito que me aconselharam a fazer no vestibular, fazendo primeiro os mais fáceis. Por isso que colher é um bom começo; não tem ponta; é pequena; e se cair, não quebra. De lá, passo para os garfos e as facas, sempre armado com minha fiel Scotch Brite, que, por respeito pela minha situação, não fica fazendo comentários sobre minha habilidade.

Aí a coisa começa a ficar mais difícil, com copos e pratos. Mas até que me saio bem, tirando o momento em que a esponja cai e é quase engolida pelo cachorro, da mesma forma que aconteceu com Robert Shaw em Tubarão. E eu, claro, parto em socorro dela, como um Roy Scheider procurando por um tubo de gás na boca do pseudo-tubarão (como não acho, proponho uma troca com ele: "te dou esse pano velho e você me dá a esponja". Ele aceita).

Eis que chega a hora da assadeira, que estava ali, sob o fogão, com ar desafiador. No ato de lavar louças, a assadeira é como um chefe de fase. Tenho certeza de que se fizessem um videogame sobre isso, teria um save-point logo antes da assadeira. As pessoas comprariam revistas para ver dicas e macetes de como limpar a porra da assadeira. Mas eu não tenho nada. Estou na última vida, minha esponja já está pedindo arrego. Guardo toda a outra louça, porque sei que vou precisar da cozinha inteira e de metade da sala para encarar o bicho. Começo a enchê-la de água, sob a supervisão do cachorro, que, apesar de não saber quem vai ganhar, tem certeza de que vai se divertir com a cena.

Alice Cooper começa a cantar Welcome to My Nightmare.

Parece até um ato sexual forçado. O problema é que não fica claro quem está violando quem. Esfrega daqui, empurra daqui, arranha aquele pedaço, morde outro, espirra água no rosto. Uma hora que ela se distrai, dou uma chave-de-braço nela e termino o serviço. Gastei meio tubo de detergente, dei PT na porra da esponja, mas derrotei o general inimigo com minhas próprias mãos. Eu sou foda!

E você, esponja heróica, será lembrada por isso.

Fumo um cigarro e vou dormir com a sensação do dever cumprido. E, por via das dúvidas, Mc Donald's o resto da semana, porque não vou sujar nada mais aqui. Conheço meu eleitorado: basta um copo e, em 2 dias, terei uma nova rebelião na cozinha. Como diria Darth Vader (na versão censurada de Star Wars): "Fuckin' rebels".

5 Caras que Sabem Como Lidar a Louça

01. James Bond - com certeza ele tem um relógio que emite um raio e vai polindo os pratos.
02. Luca Brasci - dá uma rajada de metralhadora nos pratos e enforca com um garrote o único sobrevivente.
03. Norman Bates - esse é esperto. Só suja uma faca.
04. Indiana Jones - deixa a louça ali porque sabe que, um dia, aquilo terá valor histórico. Quando chega esse dia, doa tudo pra um museu e foda-se.
05. Sr. Myagi - "Daniel Sam, primeiro louça. Depois, karatê".

7 comentários:

La disse...

Mais uma vez, você se supera... não sei o que é pior... rir da cena ridícula ou entender completamente como isso funciona... um conselho: faxineira. Sempre funciona. Quando você quer alguém morto, contrata um profissional, certo? Por que não fazer o mesmo com a louça?

Anônimo disse...

PEDALA, ROBINHO!!!!!!

Anônimo disse...

É verdade, Katie Karr! Nada cmo alcançar a superação lavando uma assadeira.

Anônimo disse...

Psicologia de "Mulheres Superadas", da Maitena.

O Rob entende a alma feminina.

Parabéns, Rob!!!!!

Anônimo disse...

Adorei essa, mas lendo sobre assadeira lembrei de algo pior: vc já fez - eu sei que não, mas não custa perguntar - lasanha nesse apê? Lavar a louça em que vc cozinhou e comeu lasanha é uma das piores tarefas domésticas - só perde para lavar banheiro.
Bjs,

Anônimo disse...

Sorte que fico com a parte de secar.

JFM16_ disse...

Assadeira com os resquícios de ovos mexidos feitos no final do domingão... ê beleza! Somente há triunfo se existir o apoio. No caso, o som de Alice Cooper. É como um time que joga a decisão em casa. Precisa ser empurrado, senão fracassa!