23 de dezembro de 2014

O Homem que Falava Djavanês e Outras Histórias de Amor

Dizem que todo casamento precisa de manutenção. Mas, ao mesmo tempo, dizem que todo casamento precisa de risadas. Eu e a Esposa unimos o útil ao agradável fazendo essa manutenção com risadas durante as compras.

De verdade, uma das coisas que mais gosto de fazer é ir ao mercado com ela – tirando, claro, compra do mês, que eu me recuso por acreditar que ela tem esse nome não porque você compra produtos suficientes para um mês, mas sim porque você passa um mês inteiro dentro do mercado, e minha tolerância dentro de um lugar desses é de quinze minutos. Mas como ela normalmente faz compra do mês com a minha sogra, eu fico em casa sem culpa.

Outra coisa que eu não gosto é ir até a farmácia com ela. Isso porque eu sou casado com uma mulher perfeita: ela não gosta de comprar roupas ou sapatos e – ainda mais importante – sabe que qualquer marido considerar um saco estar ao lado de uma mulher comprando roupas e sapatos.

Mas, ela tem seu ponto fraco: xampus. Sempre que vou até a farmácia com ela, a parte dos xampus é um inferno. Ela examina todos os rótulos de todos os frascos, escolhendo qual levar. Uma vez questionei porque ela não leva um que sabe que é bom, e ela me disse que não adianta, é preciso trocar a marca porque os cabelos se acostumam com o xampu e ele perde o efeito. Tipo os borg em Star Trek. Você atira uma vez, o borg morre. Você atira outra, o borg morre. Você atira a terceira vez e não acontece nada com o borg, porque todos os outros borgs da galáxia já se adaptaram.

Então, comprar xampu é um tormento – mas aí eu penso que faço a mesma coisa – olhar todos os produtos com calma – quando estou dentro da Comix então eu nem brigo. Pelo contrário, normalmente vou fumar na calçada e a deixo em paz. Claro que nem sempre isso é possível: dia desses estávamos na Ikezaki – que é praticamente a sucursal do setor de cosméticos do inferno na terra – e fui obrigado a presenciar uma conversa entre ela e vendedora.

Tentei acompanhar, mas quando a vendedora disse que o xampu tal não tinha sal eu percebi que não entendo nada disso – sou do tempo que os anúncios de xampu diziam que tinha (ou que não tinha, não lembro) jojoba. Sal, para mim, é novidade. Aí quando a vendedora começou a falar de selante, eu somei essa informação com o sal e tive vontade de perguntar se “vocês estão falando de carne, porque carne eu entendo um pouco”, mas fiquei quieto.

Aliás, a culpa não é minha se comprar xampu é algo que parece ser feito sempre com códigos. A vendedora falou uma hora sobre encapar o fio – o que quase me fez perguntar se a conversa tinha mudado para instalações elétricas – e como este produto aqui hidrata o cabelo – o que para mim pareceu óbvio, já que ele deve ser aplicado no banho, e banho tem água e água hidrata. Quando eu vi, eu estava olhando ao redor procurando por um milagre (leia-se: uma televisão instalada em um canto passando coletâneas de gols da Copa, cercada por maridos que tomavam cerveja e conversavam sobre “que fim levou o Josimar?”).

Mas estou divagando aqui. O xampu está nas compras que odeio fazer com a Esposa, e este post é sobre as compras que gosto de fazer com a Esposa. E essas normalmente são as compras pequenas, que eu sempre vou com ela. Na verdade, quando vou comprar algo rápido no mercado e ela não está ocupada, eu sempre a chamo para ir comigo. Assim vamos juntos, damos uma volta rápida e fazemos a tal manutenção do casamento – com direitos, às vezes, a dancinha dentro do mercado. E, de quebra, construímos alguns dos melhores diálogos do nosso casamento nessas ocasiões. Eu sempre coloco uma ou outra no Facebook, em textos curtos.  O de hoje vou colocar no blog.

Estávamos no mercado quando começou a tocar Djavan. Eu não sei o nome, mas é aquela mesma que você pensou, do deserto. Imediatamente eu avisei a Esposa que:

- Está tocando Djavan. É hora de ir embora.

- Djavan não é ruim.

- Não, não é. Mas eu me sinto um idiota escutando Djavan, porque eu não entendo absolutamente nada da letra.

E é verdade. As letras do Djavan são um mistério para mim. Se elas fossem escritas em formas de números e equações pelo Stephen Hawking, talvez eu achasse mais fácil entender. Mas quanto mais eu presto atenção nas letras do Djavan, mais eu me convenço que as únicas frases que entendo são aquelas que ele repete “iê-iê-iê” ou “iô-iô-iô” – na verdade, é quase um paradoxo: para mim, o Djavan só faz sentido nas frases em que ele não tentou colocar um sentido.

Enfim, pagamos as compras – enquanto tentávamos nos lembrar de qual novela era essa música (Top Model, certo?) – e voltamos para casa conversando sobre a música. Eu falei primeiro.

- Essa música está sempre nas listas das músicas que as pessoas entendem errado. Porque todo mundo entende “amarelo deserto”.

- É “amar é um deserto”. É por isso que você não entende.

- Eu sei que é “amar é um deserto”. Estou falando que todo mundo entende “amarelo deserto”. Ela não faz sentido porque não faz sentido. Na verdade, “amarelo deserto” faz mais sentido, porque o deserto é amarelo. Claro que seria melhor “deserto amarelo”, já que “amarelo deserto” é como se fosse “música: Djavan / letra: Yoda”, mas faz sentido.

- Só-Sei-Vi-Ver-Se-For...

- Essa parte também é estranha demais, ele falando de soquinho. Parece que ele está num daqueles concursos de soletrar as palavras. Ou que está imitando o William Shatner. Mas, enfim, vamos ao deserto. “Amar é um deserto e seus temores”. Qual o sentido disso? O que são os temores do deserto? O Sol? Um escorpião?

- Deve ser a solidão.

- Mas por que amar é a solidão? Não deveria ser o contrário?

- Não quando você ama e não é correspondido.

- Ah, mas a música não diz isso. Ela diz “amar”. E não [aqui eu comecei a cantar] “amar e não ser correspondido é o deserto e seus temores”, ou [cantei de novo] “amar platonicamente é o deserto e seus temores”. Não, não faz sentido.

- Faz sim.

- A partir do momento que amar é o deserto é seus temores, você precisa conhecer o deserto para saber do que ele está falando. Ou seja, a única que tem condições de enxergar algum sentido nisso é o Lawrence da Arábia.

Ao falar isso eu me perdi na conversa. Imaginei o Lawrence da Arábia com uns treze anos de idade, se apaixonando pela melhor amiga, ou pela menina mais idiota da escola. Todos os seus amigos o alertam de que ele vai se machucar com isso, mas tudo o que ele faz como resposta é apagar um fósforo com os dedos (seus amigos acham legal ele conseguir fazer isso) e responder que “it’s going to be fun”. Quando terminei essa pequena encenação de Lawrence da Arábia – Ano Um na minha cabeça, estávamos no portão de casa e a Esposa disse:

- Quero comprar flores à tarde. Você vai comigo?

- Vou, clar... Quer dizer, é só flor, certo? Não tem xampu?

- Só flor.

- Você acabou de arrumar um encontro.

Um comentário:

Varotto disse...

Podia ser pior. Ela podia pedir para você ir comprar xampu para ela. Pânico total.